As histórias de mulheres assassinadas em um único dia ao redor do mundo

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 26/11/2018 14:54

Novo relatório da ONU mostra que pelo menos 137 mulheres são mortas no mundo todo pelo parceiro ou outros parentes. Conheça algumas dessas histórias.

 

Todos os dias, uma média de 137 mulheres pelo mundo é morta por parceiros ou outros familiares, conforme relatório inédito divulgado nesta segunda (26) pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC).

Reprodução/Foto-RN176 Novo relatório da ONU mostra que pelo menos 137 mulheres são mortas no mundo todo pelo parceiro ou outros parentes Foto: BBC News Brasil

Segundo a ONU, os dados revelam que “a própria casa é o local onde a mulher corre o maior risco de ser morta”. Mais de metade das 87 mil vítimas de 2017 teriam sido assassinadas por pessoas próximas- 30 mil foram mortas pelo parceiro e outras 20 mil, por outros parentes.

Para descobrir o que está por trás desses números, a BBC 100 Women (100 Mulheres) passou o mês de outubro monitorando informações sobre assassinatos de mulheres ocorridos no primeiro dia daquele mês.

Vamos compartilhar algumas dessas histórias.

Taxa de homens assassinados é maior, mas…

Os dados coletados pela ONU revelam que “homens têm quatro vezes mais chance que mulheres de perderem suas vidas como resultado de homicídio doloso (quando há intenção de matar)”. Eles são 8 em cada 10 vítimas de homicídio no mundo.

Mas o mesmo relatório revela que as mulheres são as principais vítimas de homicídios cometidos por parentes. Mais de 8 em cada 10 vítimas de homicídios cometidos por parceiros ou parceiras são mulheres.

Reprodução/Foto-RN176 gráfico mostra taxas de homicídio Foto: UNDOC 2017 / BBC News Brasil

“A violência por parceiro continua a ser desproporcional no caso de mulheres”, diz o relatório.

47 mulheres mortas, em 21 países, num único dia

As estatísticas da ONU trazem dados sobre mortes ocorridas ao longo de 2017 baseados em informações de fontes governamentais.

Os dados para “mortes de mulheres e crianças relacionadas a gênero” ou “feminicídio” são coletados usando o critério de que o autor seja parceiro ou familiar.

A BBC monitorou a cobertura da imprensa sobre casos de mulheres mortas no dia 1º de outubro de 2018. Nós contamos 47 mulheres mortas aparentemente por questões relacionadas a gênero em 21 países diferentes. A maioria desses crimes ainda está sendo investigada.

Contamos aqui casos de cinco mulheres assassinadas no dia 1º de outubro de 2018:

Judith Chesang, 22, Quênia

Na segunda-feira do dia 1º de outubro, Judith Chesang e sua irmã Nancy estavam no campo plantando.

Judith, mãe de três filhos, havia se separado havia pouco tempo do marido, Laban Kamuren, e decidido voltar à vila dos pais, no norte do país.

As irmãs haviam acabado de começar a jornada de plantio quando ele chegou à fazenda da família, atacou e matou Judith.

Reprodução/Foto-RN176 gráfico Foto: BBC News Brasil

A polícia disse que Kamuren foi, depois, morto pelos moradores da região.

A África é o continente onde as mulheres correm o maior risco de serem mortas por parceiros ou parentes, segundo o relatório da ONU. São 3,1 mortes a cada 100 mil pessoas.

A Ásia apresentou o maior número absoluto de mortes de mulheres por parceiros e familiares. Foram 20 mil em 2017.

Neha Sharad Chaudury, 18, Índia

Neha Sharad Chaudury morreu no seu aniversário de 18 anos, supostamente por “assassinato em nome da honra”.

Ela tinha saído de casa para comemorar o aniversário com o namorado. O relacionamento era desaprovado pelos pais dela, segundo a polícia confirmou à BBC News.

O pai, a mãe e outro parente da jovem são acusadas de ter matado a garota em casa, naquela noite. Os três estão presos e ainda serão julgados.

O advogado que representa os pais de Neha afirma que eles negam as acusações de terem matado a filha.

Centenas de pessoas são mortas a cada dia por se apaixonar ou casar com quem a família não aprova.

Mas é difícil obter dados oficiais sobre os “assassinatos por honra” porque muitos desses crimes não são reportados e registrados.

Zeinab Sekaanvan, 24, Irã

Reprodução/Foto-RN176  Zeinab Sekaanvand Foto: Anistia Internacional / BBC News Brasil

Zeinab Sekaanvan foi executada por autoridades iranianas por ter matado o marido.

A jovem de 24 anos nasceu no nordeste do Irã, numa família pobre e conservadora de origem curda. Ela fugiu quando adolescente para se casar, na esperança de uma vida melhor.

A Anistia Internacional diz que o marido dela era abusivo e que se recusava conceder o divórcio a ela. As denúncias e reclamações de Zeinab teriam sido ignorados pela polícia.

Ela foi presa por matar o marido quando tinha 17 anos. Seus apoiadores, incluindo a Anistia Internacional, dizem que ela foi torturada para confessar o assassinato e que não teve um julgamento justo.

O relatório da ONU sugere que mulheres que matam seus parceiros frequentemente passaram por “longos períodos de violência física”.

Já as motivações tipicamente apresentadas por homens que matam mulheres incluem “possessão, ciúmes e medo de ser abandonado”, diz o relatório. Este parece ser o caso de um casal encontrado morto no Brasil, no mesmo dia em que Zeinab foi executada.

Sandra Lucia Hammer Moura, 39, Brasil

Sandra Lucia Hammer Moura se casou com Augusto Aguiar Ribeiro quando tinha 16 anos.

O casal estava separado havia cinco meses quando ela foi morta por ele.

A polícia de Jardim Taquari, em Palmas, no Tocantins, confirmou à BBC News Brasil que ela foi esfaqueada no pescoço.

Os agentes encontraram, no celular do marido de Sandra, um vídeo no qual ele confessa o crime. Nas imagens, Augusto diz que Sandra estava namorando outro homem e que ele se sentia traído.

Ele afirma, no vídeo, que não seria preso já que o casal seguiria junto para a “gloria do Senhor”. Após matá-la, ele se enforcou no quarto que tinha sido habitado pelo dois.

O caso integra um tipo de assassinato conhecido como “homicídio-suicídio”, quando um indivíduo mata uma ou mais pessoas antes de se matar.

Marie-Amélie Vaillat, 36, França

Marie-Amélie foi esfaqueada até a morte por Sébastien Vaillat, seu ex-marido.

Os dois haviam se separado depois de quatro anos de casamento. Após matar a esposa, ele confessou o crime a polícia e, dias depois, se matou na prisão.

Do lado de fora da loja de lingeries de Marie-Amélie Vaillat, moradores da região deixaram um mar de flores e fizeram uma passeata em homenagem a ela.

A morte ocorreu no mesmo dia em que o governo francês anunciou propostas para inibir a violência doméstica no país.

O que é preciso ocorrer para a morte violenta de uma mulher ser reportada?

Para coletar essas histórias, o time da BBC Monitoring analisou matérias de TV, rádio, jornais, internet e conteúdo de redes sociais ao redor do mundo, procurando registros de mulheres assassinadas no primeiro dia de outubro.

A equipe encontrou um total de 47 notícias sobre mulheres que haviam sido mortas naquele dia. Compartilhamos aqui apenas alguns desses casos. Há muitos outros em que os motivos não estão claros ou cujos autores não foram identificados.

O novo relatório da ONU sugere que uma enorme fatia dos casos de violência contra mulher “não são reportados às autoridades”. Rebecca Skippage, que liderou o time da BBC Monitoring, descobriu que, para além dos números, a “forma como a imprensa em geral relatou as vidas e mortes das vítimas revelou muito sobre como as mulheres são vistas em diferentes sociedades”.

Reprodução/Foto-RN176 BBC 100 Women logo Foto: BBC News Brasil

“Nós estávamos procurando por mortes ocorridas num dia, mas pesquisamos essas histórias ao longo de um mês. Percebemos que o período de interesse da imprensa local pelo caso, o tom das matérias e a falta de informação em alguns casos diziam muito sobre o status das mulheres naquela região”, explica.

Maryam Azwer trabalha para a BBC Monitoring e atuou na análise dos dados coletados. “O resultado diz tanto sobre as mortes não reportadas quanto sobre as que foram registradas.”

“As histórias que nunca chegaram ao alcance da imprensa, que nunca foram verificadas nem investigadas, nos fazem refletir: o que é preciso para que a morte de uma mulher seja importante o suficiente para ser reportada?”