Atriz lança memória sobre pornochanchada: “Apanhei na rua porque ficava pelada”

ROTANEWS176 E IG 25/06/2015 04:13

Caio Menezes

Nicole Puzzi resgata produção do cinema brasileiro dos anos 1970 em “A Boca de São Paulo”. Ao iG, ela fala sobre o papel da mulher no gênero e compara a pornochanchada à novela “Verdades Secretas”, da Globo: “Só falta a cueca vermelha”

Nos anos 1970, Nicole Puzzi era uma das maiores divas do cinema nacional. Dividindo cena com nomes como Paulo Autran, Juca de Oliveira e até Marcelo Mastroianni em filmes como “Damas do Prazer”, “Ariella” e “Gabriela, Cravo e Canela”, a artista era uma das grandes atrizes de sua geração, mas talvez nunca tenha sido reconhecida assim por um preconceito: ela era estrela das pornochanchadas que marcaram época no período.

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Reprodução/Foto-RN176  Nicole Puzzi lança o livro “A Boca de São Paulo” sobre a pornochanchada

Há 30 anos afastada das telonas, mas ainda seguindo carreira artística, a paranaense lança neste mês o livro “A Boca de São Paulo”, que revela histórias de um dos períodos mais ricos e ousados do cinema brasileiro. “Éramos uma cambada de marginais e tenho orgulho disso”, disse a atriz, hoje aos 57, em entrevista ao iG sobre a Boca do Lixo.

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Reprodução/Foto-RN176  A memória “A Boca de São Paulo” foi lançado neste mês pela Editora Laços

Em seu livro, Nicole conta os bastidores dos 12 anos em que passou trabalhando na indústria cinematográfica. “Teve editora que me fez proposta para contar minhas histórias picantes, mas eu recusei. Imagina, ficar contando história de gente que hoje já tem filho e neto, não é legal”, revelou a atriz.

Em vez de usar a obra para contar fofocas e histórias proibidas de uma das épocas mais controversas do nosso cinema, a autora usa “A Boca de São Paulo” para prestar uma homenagem àquele período e tentar mudar a imagem que se tem dele. “Esse foi o livro que eu sempre quis fazer para desmistificar o preconceito que sempre existiu contra a pornochanchada”, contou.

De fato, os anos 1970 e 1980 foram muito promissores para o cinema nacional e as pornochanchadas eram uma das locomotivas desse crescimento. “Os filmes ficavam em cartaz por três ou quatro meses com todas as sessões lotadas no Cine Marabá [no centro de São Paulo]”, lembrou.

A pornochanchada perdeu força na década de 1980, mas o preconceito contra quem se consagrou naquele período fez o movimento inverso e só cresceu a partir dali. “O preconceito já existia na época dos filmes, eu já apanhei na rua de uma mulher que ficou indignada porque eu ficava pelada nos filmes e isso era coisa de depravado. Mas isso quer dizer que ela assistia aos filmes, né?”, disse.

A partir dos anos 1990, o preconceito ganhou ainda mais força e a atriz voltou a sentir isso na pele. “Eu não fazia novela por esse preconceito bobo. Tinha gente que me falava que alguns atores se recusavam a trabalhar comigo pelo meu passado”, confessou. Ela acredita que isso é um reflexo do País. “Tem mais preconceito contra negro, contra homossexual. O Brasil está virando um país fascista”.

“A mulher é vítima da pornochanchada”

Sobre o preconceito contra quem trabalhou nas pornochanchadas, Nicole tem uma teoria. “É coisa de quem tem dificuldade sexual. E essa cabeça restrita de algumas pessoas me impede de fazer mais televisão, de fazer meu trabalho”, disse a atriz, que hoje é apresentadora do programa “Pornolândia”, do Canal Brasil.

Antes de ir para a TV paga, a artista ainda trabalhou em novelas como “Barriga de Aluguel”, da Rede Globo, mas decidiu sair das telinhas. “Se me chamarem, eu vou. Mas não vou ficar correndo atrás de ninguém. Não estou rica, mas tenho onde cair morta”, disse Nicole, que é formada em Direito e Assistência Social e trabalha prestando serviços a uma editora, além de resgatar cães abandonados.

Mas a discriminação não acontece com todo mundo que participou das pornochanchadas. Para a atriz, as mulheres sofreram muito mais. “A mulher na pornochanchada é a maior vítima cultural que o mundo já presenciou”, disse Nicole sobre o preconceito contra as atrizes do período. “Então eu estou muito feliz em estar levantando essa bandeira e resgatando essas vítimas. Eu sou comprometida de corpo e alma com a pornochanchada”.

A pornochanchada chegou ao fim na década de 1980 e muita gente acha que o gênero foi substituído pelo cinema erótico, afirmação que Nicole Puzzi rechaça com veemência. “O herdeiro da pornochanchada é esse cinema nacional que está aí hoje em dia. Eu não fiz cinema erótico, o cinema erótico existiu antes e depois da pornochanchada. Eu trabalhei com Juca de Oliveira, fiz cena de sexo com José Wilker, e me perguntam se eu fiz filme erótico? Que perguntem para eles também”, disse a atriz.

Pornochanchada do século XXI

Apesar de ter acabado há três décadas, Nicole acredita que a pornochanchada ainda está na indústria de entretenimento brasileira. “Essa novela da Globo ‘Verdades Secretas’ é uma pornochanchada, é uma cópia. Só falta o Rodrigo Lombardi usar cueca vermelha, que era a marca dos atores naquela época”, disse a atriz. “Não que eu esteja reclamando, ele tem um bumbum maravilhoso.”

Mas ao contrário do que é feito hoje, a pornochanchada dos anos 1970 era um símbolo de resistência. “A nossa maior marca era a ousadia e aquele tipo de cinema feito na Rua do Triunfo não existe mais”, cravou Nicole.

O resgate da pornochanchada

Para ela, a criatividade e ousadia do período só está sendo redescoberta hoje. “Naquela época deram o nome de pornochanchada para nos ridicularizar, mas hoje estamos sendo reconhecidos. Vejo muitos estudantes de cinema fazendo bons trabalho de pesquisa e tentando resgatar o gênero”, disse.

Agora há três décadas longe das telonas, Puzzi tem o nobre trabalho de recuperar a memória do cinema brasileiro. “Vejo gente que atuou nas pornochanchadas morrendo sem dinheiro, sem reconhecimento, entrando em depressão profunda”, contou a atriz. “Eu quero mudar isso.”

Mas, para ela própria, esse reconhecimento não é tão importante. “Eu não ligo se me reconhecem ou não. Eu tenho uma autoestima muito alta, sempre fui mimada pela minha família, estou satisfeita com a minha vida. Minha felicidade não é ser reconhecida, é ter meus amigos e meus cãezinhos que tirei da rua”, garantiu Nicole.