ROTANEWS176 E DW 19/10/2017 15:07
ÁSIA ORIENTAL
De seu exílio em Nova York, Guo Wengui empreende uma luta quase solitária contra o Partido Comunista: enxurrada de denúncias envolve revelações sobre esquemas de corrupção até os mais altos escalões em Pequim.
Reprodução/Foto-RN176 Guo Wengui durante entrevista em Nova York, Estados Unidos, em 30 de abril de 2017 Foto: Brendan McDermid / Reuters
Com seus 89 milhões de membros, o Partido Comunista chinês é o maior do mundo. E quando, a cada cinco anos, realiza o seu congresso, não dá chance ao azar. Pequim e o país como um todo permanecem em alerta quando as lideranças partidárias se reúnem como representantes dos interesses nacionais.
Neste ano, no entanto, o foco não está voltado somente para Pequim. Muitos olham também para Nova York. De seu apartamento luxuoso no 18° andar de um edifício com vista para o Central Park, o bilionário chinês Guo Wengui empreende uma luta quase solitária contra o Partido Comunista.
Guo, que tem acesso a informações privilegiadas, já havia embaralhado o processo preparatório do congresso partidário com uma enxurrada de revelações sobre esquemas corruptos até nos mais altos escalões.
“Com suas acusações, Guo Wengui prejudicou e provocou um alvoroço em toda a elite política”, diz Kristin Shi-Kupfer, do think tank berlinense Merics.
De acordo com o último censo da publicação especializada Hurun, a China possui 642 bilionários – mais do que qualquer país do mundo, com exceção dos EUA. Isso não surpreende somente devido ao fato de no país reinar um “socialismo à chinesa”, mas também porque a chamada política de reforma e abertura foi instalada somente há cerca de um quarto de século – o tiro de partida para o capitalismo de Estado chinês.
No país, muitos superricos, como Guo, fizeram fortuna no setor imobiliário. Muitas vezes, boas ideias de negócios e competência não são suficientes para se chegar ao sucesso. No capitalismo estatal chinês, funcionários públicos e do Partido Comunista podem facilitar a vida de empresários – ou dificultá-la. Os homens de negócios procuram proteção política. Nesse relacionamento, a fronteira para a corrupção é ultrapassada rapidamente.
Chantagem
É sabido que Guo Wengui desfrutou durante vários anos a proteção do antigo vice-ministro da Segurança Pública Ma Jian. Por meio de seu contato com essa área, Guo Wengui teve acesso a material comprometedor sobre adversários de negócios. Isso foi sentido pelo então vice-prefeito de Pequim, Liu Zhihua, em 2006. Ele entrou em conflito com Guo em torno de um projeto imobiliário no contexto dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
Com uma câmera escondida, Guo o filmou fazendo sexo com sua amante num hotel de Hong Kong. O vídeo chegou à autoridade anticorrupção, Liu perdeu seu cargo, e Guo, seu adversário. E logo ao lado do Estádio Olímpico foi inaugurado pontualmente o luxuoso projeto imobiliário Pangu Plaza.
De acordo com a especialista em assuntos chineses Shi-Kupfer, Guo Wengui ainda estaria de posse “de bastante material comprometedor”, caso contrário, Pequim não reagiria tão nervosamente.
E Pequim reagiu com muito nervosismo depois que Guo revelou – primeiramente numa entrevista em janeiro a uma emissora chinesa no exílio, mais tarde em vídeos no Youtube e numa enxurrada de tuítes a seus quase 500 mil seguidores – supostos segredos sobre as relações financeiras da elite política do país, as intrigas em Pequim e as relações amorosas entre starlets e representantes do alto escalão: preso desde 2015, Ma Jian apareceu publicamente na TV, lendo uma lista de crimes praticados com Guo. O bilionário exilado foi execrado pela mídia e caçado por um exército de trolls na rede.
Finalmente, um mandado de prisão internacional contra Guo foi emitido pela Interpol – uma decisão que recebeu ajuda, possivelmente, do fato de o órgão ser presidido por um chinês. Recentemente, a China organizou até mesmo uma manifestação em Nova York para a extradição de Guo.
Os alvos
O objetivo principal das denúncias de Guo é atingir Wang Qishan. Como membro do Comitê Permanente do Politburo, ele é um dos sete políticos mais poderosos do país. Além disso, Wang é um aliado bem próximo do chefe de Estado e do Partido Comunista, Xi Jinping. E justamente Wang supervisiona a campanha anticorrupção iniciada por Xi.
As acusações de Guo: o próprio Wang seria corrupto e teria casos com estrelas de cinema; a sua mulher possuiria imóveis e ativos nos EUA, como também um passaporte americano. Mas, sobretudo, a família de Wang Qishan estaria envolvida nos negócios do conglomerado HNA.
O grupo que surgiu a partir de uma companhia aérea é conhecido por sua política agressiva de aquisição. Atualmente, HNA controla no mundo todo empresas no valor de 146 bilhões de dólares. Na Alemanha, o grupo comprou não somente o aeroporto Frankfurt-Hahn, mas também é o maior acionista do Deutsche Bank, detendo uma parcela de 10%.
Seja verdade ou não: as denúncias de Guo levaram as autoridades reguladoras a se interessarem pela estrutura pouco transparente do grupo HNA – e também a Autoridade Bancária Europeia. HNA não conseguiu esclarecer de forma convincente a identidade de um de seus maiores acionistas, cujo nome é desconhecido na China. No final, o investidor misterioso transferiu a sua participação de quase 30% do HNA a uma fundação desconhecida em Nova York.
De acordo com o HNA, mais de 20% das ações pertencem a uma fundação na ilha chinesa de Hainan. Também não se sabe quem está por trás dessas fundações, que juntas possuem a maioria das ações. Como resultado, empresas americanas estão se afastando dos negócios com o HNA. Segundo o jornal alemão Süddeutscher Zeitung, a Goldman Sachs suspendeu os trabalhos sobre uma possível entrada na bolsa de valores de uma subsidiária chinesa do conglomerado. E o Bank of America não quer mais fazer negócios com o grupo chinês.
Vingança ou dissidência?
Apesar da forte censura, também na China a campanha de Guo se fez notar. A reputação de Wang Qishan foi atingida claramente, analisou Willy Lam, cientista político na Universidade Chinesa de Hong Kong. No final do congresso do Partido Comunista, na próxima semana, vai ficar claro se ele continuará fazendo parte do Comitê Permanente do Politburo.
Se esse não for o caso, o especialista de Hong Kong disse ver com possível consequência das revelações de Guo o aumento de pressão por parte de Xi Jinping para que a sua campanha anticorrupção observe mais de perto as atividades de poderosos clãs e filhos de antigos membros importantes do Partido Comunista, como os próprios Xi e Wang, que teriam na mira somente poucos descendentes de famílias influentes.
O próprio Guo se apresenta como defensor da democracia, direitos humanos e do Estado de direito. A cena dissidente está dividida, observou Kristin Shi-Kupfer: “Muitos dizem que não se pode acreditar que um bilionário, que possivelmente também é corrupto e cooperou em diversas áreas com a elite política chinesa, represente agora os nossos interesses. Outros dizem: esta é agora a nossa grande chance. Não importam quais sejam seus motivos, ele aborda esses temas e os leva a público.”
Alguns falam até de uma “revolução da verdade” diante daquilo que Guo Wengui fala sobre possíveis informações internas em relação ao Partido Comunista e à conduta empresarial da elite econômica.
Atualmente, Guo entrou com pedido de asilo nos EUA. E ele está buscando o contato com impiedosos críticos do governo chinês em Washington, tendo já se encontrado duas vezes com Steve Bannon e publicado fotos do encontro no Twitter. No contexto do congresso do Partido Comunista, o dissidente bilionário anunciou novas revelações, afirmando querer esperar o desenvolvimento da reunião. Também esse tuíte terminou, como tantos outros, com a formulação: “Isto é apenas o começo.”
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