Biografia da coragem

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 11/02/2023 07:14                                                                        DA REDAÇÃO RELATO 

Aos 80 anos, a Sra. Antonia Pereira escreve sua jornada de vitória diante dos infortúnios, sem medo de ser feliz.

 

Reprodução/Foto-RN176 Antonia Batista Pereira,  Conselheira da Divisão Feminina do Distrito Jardim Mariléa, RM Litoral, Sub. Norte-Fluminense, CSMRJ, CGERJ.

Para mim, não tem tempo ruim. Por desafiar o meu destino turbulen­to, sinto que sou uma mulher que está neste mundo para viver uma história e servir de exemplo para muitas outras. Nasci em Pernambuco e tenho muito orgulho de ser nordestina. Hoje, moro em Rio das Ostras, município do Rio de Janeiro, cercado de lindas praias. Tenho 80 anos e, apesar das adversidades e do peso dos anos que vão se acumulando, sou uma pessoa alegre e positiva.

Nem sempre foi assim. Porém, o budismo me fez enxergar que essa alegria de viver existe dentro de mim e que sou merecedora de toda a felicidade do mundo. São 45 anos de prática na Soka Gakkai, com muita gratidão.

Bem, vou dividir com vocês um pouco da minha trajetória. O presidente da nossa organização, Dr. Daisaku Ikeda, nos incentiva dizendo que as pessoas que mais sofreram serão as mais vitoriosas no final. Creio que é assim mesmo, pois, ao vivermos o inverno das dores, a primavera de benefícios fica ainda mais colorida.

Passei a infância e a adolescência na Grande Recife, PE. Quando minha mãe faleceu, meus irmãos já estavam casados. Então, preocupados por eu estar solteira, apressaram um casamento para mim com um homem que eu mal conhecia, sem nenhum sentimento, e isso se tornou o maior pesadelo da minha vida. Nesse casamento, não tivemos filhos. Foram anos de violência doméstica física e emocional. Eram cenas de horror e muitas vezes presenciadas por vizinhos, que nada podiam fazer, e pelo rapaz dos Correios, que entregava correspondência na rua, o qual acabou se tornando a peça principal no desenrolar da minha história. Contarei adiante. O fato é que, após doze anos de casada e vivendo num mar de sofrimentos infernais, parti para o Rio de Janeiro. Na verdade, eu estava fugindo porque não aguentava mais.

Daí o destino entra em cena. No retorno para Recife, contraí hepatite B ao visitar uma amiga. Adoeci gravemente, ficando internada por quatro meses em isolamento. Foi naquele leito de hospital, sem esperança, que minha vida conquistou a liberdade. É mágica a forma como o budismo entra em nossa vida.

Lembram-se do carteiro que comentei? Pois bem, ele, sabendo do meu quadro de internação, enviou por carta o Nam-myoho-renge-kyo para mim, incentivando-me a recitá-lo. Eu orava sem saber o que estava dizendo, mas sentia que algo ficava mais forte dentro de mim. Assim, recuperei-me, tive alta hospitalar e decidi mudar de vida por completo.

Aquele rapaz se tornaria meu companheiro de vida anos depois, quando já estava separada e viúva do marido agressor. Passamos a morar na Baixada Fluminense, desafiando as questões cotidianas. Eu sempre ajudei nas despesas com meu trabalho de consultora de beleza, mas ainda assim passávamos por dificuldades financeiras. A par de tudo, estava convicta da vitória, com muita alegria, dedicando-me em prol deste movimento grandioso que nossa organização promove visando à paz no mundo: o kosen-rufu. Tive­mos dois filhos, Ana Paula e André, criados nos jardins da Gakkai. Desde pequenos, entraram para os grupos horizontais: na banda feminina e na banda masculina da BSGI, passando a juventude liderando núcleos. Foram ao Japão em grupos de aprimoramento e se tornaram posteriormente líderes de jovens na organização carioca, chegando ao nível de coordenadoria, até se formarem da Divisão dos Jovens. Não dá para comprovar o relato de vitória de uma mãe sem falar dos filhos, não é? Ver os filhos seguindo um caminho humanístico, tendo amigos verdadeiros que querem o seu bem, é muito gratificante. Qual mãe não desejaria isso? Sou muito grata, infinitamente grata. Hoje, eles atuam na Divisão Feminina e na Divisão Sênior, respectivamente, e, junto com a família, dão sequên­cia ao empenho na organização. Minhas três lindas netas, Maya e Bella, filhas do André, e Cybele, filha da Ana, são meus tesouros.

Eu sempre mantendo meu objetivo pessoal de ser feliz, sendo valorizada como uma rainha como nosso mestre denominou todas as mulheres. Os anos de relacionamento com meu companheiro, a quem tenho muita gratidão, foram sendo marcados por muitos altos e baixos. Em 2018, depois de quarenta anos de convivência, decidi que era hora de ouvir meu coração. Não estava feliz. Trabalhando sempre, agora com meus filhos criados, era hora de agir, pois aprendi com a prática a não ter medo do futuro. O nome da palavra é “coragem”, assim como lemos no livro de autoria de Ikeda sensei:

A vitória, tanto na vida como no kosen-rufu, se inicia com a coragem: coragem de dar um passo para a frente, coragem de não desistir, coragem para não ser derrotado por nossas fraquezas. A coragem é o que rompe todas as barreiras.1

Foram dois anos até a decisão se materializar, à base de muito daimoku e reflexão. Decidi ter uma família saudável, com felizes memórias, vivendo situações marcantes no eixo familiar e baseando numa frase de escrito de Nichiren Daishonin, que afirma: “O inverno nunca falha em se tornar primavera”.2 Eu me separei do marido em 2020 e, por conta da pandemia, fui morar com meu filho André no Méier, bairro da cidade do Rio de Janeiro.

Desejo torna-se real

Sim, eu tinha um sonho, que achava quase impossível de concretizar: escrever um livro contando a história da minha vida. No quarto da casa do meu filho, fui escrevendo a minha história num caderno, em meio a muita recitação do Nam-myoho-renge-kyo, porque queria relatar tudinho. Envolvi-me nas atividades locais. Teria, sim, meu livro.

Seria injusto dizer que fiz tudo sozinha. Tive o apoio da família e dos amigos da organização. Um deles, professor e produtor de teatro, me alertou com jeitinho que eu precisava aprender melhor o português se eu quisesse ser escritora, prontificando-se a me dar aulas on-line. Outra dificuldade que eu tinha era de digitar. Venci a tudo com o carinho de mãos amigas. Assim, em setembro de 2021, foi publicado Antonia Pereira — Uma Autobiografia da Mulher que Desafiou o Destino. O primeiro exemplar foi dedicado a Ikeda sensei e à Sra. Kaneko. Quanta gratidão!

Eu me mudei para Rio das Ostras, ficando mais perto da minha filha que reside em Macaé, município distante 25 quilômetros. Tornei-me uma mulher independente, morando perto da praia e sendo muito bem recebida pelos membros da localidade, reencontrando vários veteranos e companheiros da organização onde comecei a praticar em 1977. Passei a integrar a Academia Magia da Leitura (AML).

Na tranquilidade do meu lar, orava ao Gohonzon com o sentimento de gratidão e de felicidade. Meu livro foi e está sendo um sucesso: já dei entrevista em progra­ma de rádio, teve também uma tarde de autógrafos. Agradeço aos meus preciosos filhos e aos amigos e amigas que me proporcionaram essas oportunidades. Escrever um livro aos 80 anos, que vitória para meu coração!

No dia 1º de fevereiro de 2022, mais um sonho concretizado. Consa­grei meu Gohonzon num novo oratório, presente do meu genro, Marcos. Era algo que eu desejava muito, e parece que ele escolheu aquela data para marcar a sua existência. Marcos realizou a consagração junto com meus filhos e netas, e na madrugada do dia seguinte ele faleceu aos 44 anos, cumprindo dignamente a sua missão. Eu o tinha como um filho. Superando a dor da perda, estamos nos fortalecendo mutuamente, porque temos a certeza de que o Marcos concluiu a sua existência como um valoroso discípulo do Mestre.

Reprodução/Foto-RN176 Antonia, à dir., na tarde de autógrafos do seu livro, com as amigas Raquel (centro) e Beth.

Na organização, não perco as atividades, sejam elas on-line, sejam presenciais, como as que estamos conseguindo realizar agora, atuando como conselheira de distrito. Gosto de estar entre as pes­soas e de apoiar os jovens. Coisa boa é esta Gakkai. Amo ler e incentivar, por isso estou sempre com meu Brasil Seikyo em mãos, e livros e revistas da Gakkai. É um mundo de sabedoria que faz bem ao coração de quem lê e compartilha.

Assim diz o Mestre:

Não conhecer o prazer da leitura é a maior das perdas na vida de uma pessoa. É como estar cercada de um rico tesouro e não desfrutar o seu valor. Se experimentar a alegria da leitura verá uma ampla mudan­ça em sua consciência sobre a profundidade do valor da vida.3

Com saúde e grande disposição, sigo realizando atividade física, exames médicos e indo às reuniões. Por meio do livro também tenho divulgado o Budismo Nichiren para várias pessoas da sociedade.

E avanço nos sonhos. Eu me inscrevi este ano numa escola de teatro aqui em Rio das Ostras, estimulada pelo mesmo amigo que me apoia nas aulas de português. Enquanto há vida, há esperança. Seguindo o encorajamento de Ikeda sensei, não vou parar de me desenvolver, pois sei que minha vitória é a comprovação real da força desse budismo maravilhoso que faz da minha vida uma biografia de felicidade.

Encerro meu relato com esta orientação do meu mestre da vida, Daisaku Ikeda, manifestando profun­da gratidão pelos constantes incentivos, que me proporcionam força para prolongar a existência e conquistar tantos sonhos, os desejados e os que ainda estão por vir. Muito obrigada, sensei! Ele diz:

A chave para vencer em qualquer empreendimento é primeiro superar a si mesmo. Como vamos perseverar diante dos obstáculos dependerá do nosso estado de vida. Temos de vencer a covardia, a preguiça e a tendência a desistir. Quando triunfamos sobre nossas próprias limitações, conquistamos grandes progressos e reluzimos sob a brilhante luz da vitória.4

Antonia Batista Pereira, 80 anos. Aposentada, consultora de beleza e escritora. Conselheira da Divisão Feminina do Distrito Jardim Mariléa, RM Litoral, Sub. Norte-Fluminense, CSMRJ, CGERJ.

Notas:

  1. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 16, p. 56, 2021.
  2. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 559, 2020.
  3. IKEDA, Daisaku. 365 Dias: Frases para Mulheres. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 73.
  4. Brasil Seikyo, ed. 2.076, 19 mar. 2011, p. A11.