Canecão está em ruínas depois de oito anos de total abandono

RIO DE JANEIRO

ROTANEWS176 E O DIA 20/05/2018 08:25                                                                                                            Por CÁSSIO BRUNO

Fechado desde 2010, o palco por onde passaram os maiores nomes da MPB se deteriora. UFRJ afirma que lançará edital mês que vem

Reprodução/Foto-RN176  Canecão – Alexandre Brum / Agência O Dia

Rio – ‘Eu evito passar em frente. É complicado”, desabafa o cantor Elymar Santos. “O meu coração fica apertado”, emenda a atriz, cantora e diretora Bibi Ferreira. “Fico muito triste. Depõe contra o Rio de Janeiro”, completa o sambista Martinho da Vila. Ícones da música popular brasileira, os três artistas dividem a mesma angústia: o abandono do Canecão, em Botafogo, na Zona Sul.

Cobiçado por músicos, o espaço, de 116 mil metros quadrados, entre a Avenida Venceslau Braz e a Rua Lauro Muller, está fechado desde outubro de 2010. O encerramento ocorreu após uma briga judicial de quase 40 anos entre a Universidade Federal do Rio (UFRJ) e o antigo inquilino, o empresário Mário Priolli. Desde então, nada foi feito no local.

Procurada pelo DIA, a UFRJ informou que, no mês que vem, a reitoria lançará edital para encontrar um modelo de uso do espaço. No entanto, não deu previsão de reabertura.

Enquanto isso, os ferros dos painéis da fachada estão enferrujados. Os refletores, destruídos, ameaçam cair. Há lixo, cheiro de urina e fezes, entulho, fiação elétrica exposta e móveis antigos espalhados. Vidros e espelhos foram quebrados.

Os muros e os portões estão pichados. Na bilheteria, o reboco do teto tem buracos e pode desabar. A calçada virou ponto de táxis. Na saída dos camarins, o cenário também é de filme de terror. Dois seguranças impedem a entrada de curiosos.

O Canecão foi inaugurado em 23 de junho de 1967. Ziraldo pintou um painel de 23 metros representando a Santa Ceia. A transformação de cervejaria em casa de espetáculos se deu dois anos depois, com show de Maysa, dirigido por Bibi Ferreira.

Reprodução/Foto-RN176  Canecão – Alexandre Brum / Agência O Dia

Pelo palco, passaram artistas nacionais e internacionais consagrados em longas temporadas até a UFRJ conseguir o direito de retomar o lugar. A universidade recebeu o terreno da União nos anos 1960. A instituição argumentava o não pagamento do aluguel pelo ex-dono.

“Defendi a manutenção do Canecão para o artista brasileiro. Quem não se apresentasse lá, estava fora do mundo da MPB”, afirma musicólogo Ricardo Cravo Albin.

Com o fim do Canecão, o Instituto Ricardo Cravo Albin recebeu o acervo da casa. A última apresentação foi de Bibi Ferreira. Ela sofre com o abandono do Canecão.

“Eu vi ali uma parte importante, significativa e inesquecível da nossa boa música popular brasileira passar. Fiz amigos. Naqueles bastidores, trabalhei muito. Me apresentei e dirigi inúmeras vezes”, recorda-se Bibi.

O sucesso de Elymar Santos começou graças a sua primeira apresentação no Canecão, em 12 de novembro de 1985. À época, morador da Ilha do Governador, ele se desfez do carro, fez vaquinha, vendeu ingressos de porta em porta e conseguiu alugar o espaço.

“Queria uma noite maravilhosa e consegui”, conta Elymar.

Em 2010, o cantor comemoraria 25 anos de carreira no próprio Canecão. No entanto, o show foi cancelado porque a casa fechou no mês anterior. Em 2015, já sob os escombros, Elymar Santos realizou uma missão para celebrar três décadas de estrada.

“O público sabe que a minha história faz parte do Canecão. É triste”, lamenta.

Martinho da Vila gravou na casa de shows, em 1998, o CD ao vivo “3.0 Turbinado”. Ele sugeriu terceirizar o espaço para empresários.

“Fechou-se o Canecão e até hoje não fizeram nada”, ressalta o sambista.

Ministro ataca reitor da UFRJ

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, ataca a atual gestão da UFRJ pelo abandono do Canecão.

“O imóvel é da universidade. Qualquer mudança, é a instituição a responsável. Procurei o reitor (Roberto Leher) e pus o ministério à disposição. A postura é lamentável. É um descaso com um patrimônio cultural do Rio e do Brasil”.

Roberto Leher não atendeu ao pedido de entrevista. Em nota, a assessoria de imprensa da UFRJ informou que não há previsão de reabertura, mas que já “foram investidos R$ 500 mil na recuperação do telhado e a universidade tem feito a manutenção predial”.

Segundo a assessoria, “a reitoria lançará edital no mês que vem com o modelo de uso do espaço”.

Procurado pelo DIA, Mário Priolli não foi localizado.

Imagem de Cazuza se perpetuou

Mãe de Cazuza, Lucinha Araújo relembra o último show do filho no Canecão, em 16 de outubro de 1988. Ela distribuiu rosas nas mesas para que o público as jogassem no palco. Já doente, Cazuza se apresentou vestido todo de branco e com uma faixa na cabeça.

“Não me conformo. Passo em frente todos os dias. Cazuza fez uma temporada linda e lotada. Quem perdeu foi a música brasileira”, diz Lucinha Araújo.

Diretora artística do Canecão entre 2000 e 2010, Valéria Colela revela que a casa tinha cem funcionários e um faturamento bruto mensal de R$ 1 milhão.

“As empresas de som e de luz não receberam (o dinheiro) que tinham o direito de receber”, lembra ela.

Galeria de Fotos

 

Reprodução/Foto-RN176   No dia 24 de janeiro de 1989, Cazuza apresentou pela segunda vez em Pernambuco o show O tempo não para, cuja direção era assinada por Ney MatogrossoVIVACAZUZA.ORG/DIVULGAÇÃO