SAÚDE
ROTANEWS176 E POR ESTADÃO CONTEÚDO 17/05/2019 18h37
O equipamento, nomeado como MacSpec Pen, tem como principal objetivo garantir que todo o tecido tumoral foi removido do corpo do paciente
Reprodução/Foto-RN176 Segundo a pesquisadora, atualmente “o tecido é retirado e analisado por um patologista ainda durante a cirurgia para confirmar se todo o tumor está sendo retirado, mas esse processo leva de 30 a 40 minutos e, enquanto isso, o paciente fica lá, exposto à anestesia e a outros riscos cirúrgicos” (//iStock)
Uma cientista brasileira desenvolveu um pequeno equipamento, semelhante a uma caneta, capaz de detectar células tumorais em poucos segundos. Livia Schiavinato Eberlin explicou que a MacSpec Pen, como foi nomeada, tem como principal objetivo certificar, durante uma cirurgia oncológica, que todo o tecido tumoral foi removido do corpo do paciente.
A ‘caneta’ é um avanço muito importante para a comunidade médica, especialmente na área da oncologia, pois deve revolucionar a forma de localizar uma lesão cancerosa no tecido saudável. “Muitas vezes o tecido é retirado e analisado por um patologista ainda durante a cirurgia para confirmar se todo o tumor está sendo retirado, mas esse processo leva de 30 a 40 minutos e, enquanto isso, o paciente fica lá, exposto à anestesia e a outros riscos cirúrgicos”, explicou Livia, que é chefe de pesquisa na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, onde mora.
O equipamento usa uma técnica de análise química para dar essa mesma resposta que um patologista daria. “A caneta tem um reservatório preenchido com água. Quando a ponta dela toca o tecido, capta moléculas que se dissolvem em água e são transportadas para um espectrômetro de massa, equipamento que caracteriza a amostra como cancerosa ou não”, disse a cientista.
Essa caracterização da amostra pode ser feita porque a tecnologia usa, além dos equipamentos de análise química, técnicas de inteligência artificial para que a máquina “responda” se as células são tumorais. Para chegar a este resultado, foram usadas, na criação do modelo, centenas de amostras de tecidos cancerosos que, por meio de suas características, “ensinam” a máquina a identificar tecido tumoral.
“Na primeira fase da pesquisa analisamos mais de 200 amostras de tecido humano e verificamos uma precisão de identificação do câncer de 97%”, contou Livia, que está no Brasil para apresentar os resultados iniciais de sua pesquisa no congresso Next Frontiers to Cure Cancer, promovido anualmente pelo A.C. Camargo Cancer Center.
O que vem a seguir
O resultado dessa etapa do estudo foi publicado na prestigiosa revista científica Science Translational Medicine em 2017. Em seguida, a investigação foi ampliada para analisar 800 amostras de tecido e, mais recentemente, a pesquisadora obteve autorização de comitês de ética de instituições americanas para testar a técnica em humanos, durante cirurgias reais.
“Apesar dos bons resultados em amostras de tecido, o modelo ainda precisa ser validado em testes clínicos. Se os resultados forem confirmados, ainda deve demorar de dois a três anos para a caneta ser lançada como produto”, esclareceu Livia.
O dispositivo já foi testado para câncer de cérebro, ovário, tireoide, mama e pulmão, e está começando a ser usado também nas pesquisas de tumor de pele. Caso a técnica se mostre eficaz também para esse tipo de câncer, ela poderia ser usada para identificar se pintas ou outras lesões de pele são malignas sem a necessidade de remoção de uma parte do tecido, o que pode trazer danos estéticos.
Para Fabiana Baroni Makdissi, do Centro de Referência da Mama do A. C. Camargo Cancer Center, caso confirmada a eficácia do método em todas as fases da pesquisa, ele trará ganhos nos tratamentos contra o câncer por permitir maior precisão na retirada dos tumores. “Uma das coisas mais importantes quando a gente fala de tratamento cirúrgico é que o cirurgião consiga retirar completamente o tumor. As taxas de cura vão estar relacionadas a isso, mas temos limitações em garantir que toda a circunferência do tecido retirado esteja livre de células tumorais. Então, uma tecnologia como essa, se validada, tem muito a agregar”, ressaltou.
Ela explica que a técnica seria importante porque nem todos os hospitais contam com um patologista na equipe cirúrgica para analisar o tecido removido ainda durante a operação. De acordo com Fabiana, quando não há análise das margens durante a cirurgia, a taxa de reoperação é maior. A cirurgiã destacou ainda que a rapidez do novo método pode ter outras vantagens para o paciente. “A redução do tempo cirúrgico seria um benefício agregado da técnica, principalmente em pacientes mais idosos, com doenças crônicas, que têm maiores riscos durante um procedimento cirúrgico”, comentou a especialista.
A pesquisadora
Livia Schiavinato Eberlin, de 33 anos, é formada em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, apesar da pouca idade, já é chefe de um laboratório de pesquisa da Universidade do Texas. Há 10 anos, ela se mudou para os Estados Unidos para fazer doutorado e nos últimos quatro anos está envolvida em pesquisas sobre a nova tecnologia.
Nos Estados Unidos, a pesquisadora também ganhou destaque na comunidade científica ao ser uma das personalidades selecionadas em 2018 para receber a renomada bolsa da Fundação MacArthur, conhecida como “bolsa dos gênios”, destinada a profissionais com atuação destacada e criativa em sua área. O prêmio, no valor de U$ 625 mil (cerca de 2,5 milhões de reais), é de uso livre pelo bolsista.
(Com Estadão Conteúdo)