ROTANEWS176 E POR O DIA 19/05/2019 08h21 Por LUIZ PORTILHO
Traficantes e milicianos impõem suas marcas e prejudicam consumidores e Estado
Reprodução/Foto-RN176 A marca Gift é contrabandeada do Paraguai para o Brasil – divulgação
Rio – Um dos grandes desafios do poder público no Rio de Janeiro é o combate à venda ilegal de cigarros, controlada por milicianos e traficantes. Estes obrigam comerciantes a venderem determinada marca, o que restringe o direito de escolha do consumidor, coloca em risco a vida dos vendedores que tentam resistir às pressões e prejudica o estado, que deixa de recolher impostos — em 2018, a perda na arrecadação foi de R$ 372 milhões.
A venda ilegal é quase toda da marca Gift. Segundo pesquisa do Ibope encomendada pela indústria do cigarro, a versão paraguaia do produto, que chega contrabandeada, é a que mais vende no estado, abocanhando uma fatia de 37% do mercado.
“As bancas vendem bastante cigarros. As mulheres, por exemplo, preferem comprar nas bancas porque é um lugar mais simpático a elas. Nos bares, elas costumam sofrer assédio. O jornaleiro que acaba vendendo o cigarro irregular o faz por medo”, disse Nilson Carlos Dantas, presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas no Estado do Rio de Janeiro.
Na lista dos mais vendidos no Rio, em 2018, ainda há o Rothmans (14%), Hollywood (11%), Dunhill (10%), Derby (8%), Kent (6%), Marlboro (1%), Plaza (1%) e Lucky Strike (1%). Segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), há três tipos da marca Gift que competem de forma ilegal. Além do paraguaio, fabricado pela URIOM, existem dois produzidos pela Companhia Sul-Americana de Tabacos e a Quality In Tabacos, ambas sediadas em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O da Quality In representou 4% do total vendido no Rio no ano passado.
Os cigarros contrabandeados do Paraguai atravessam rios e lagos na fronteira e entram no estado em caminhões e carros particulares. Nos primeiros quatro meses de 2019, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 2.099.980 de maços de cigarros irregulares em vias do estado, a maioria de Gift. “Os prováveis e principais destinos seriam mercados populares e algumas comunidades onde atuam quadrilhas de milicianos e traficantes”, afirmou a PRF, em nota.
A parte que chega aos pontos de venda do estado esbarra na atuação da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). “A gente investiga a venda do cigarro falsificado e esbarra no contrabando”, disse o delegado titular da especializada, Maurício Demétrio.
O DIA apurou que, com a intensificação do combate ao contrabando, na esteira da intervenção federal na segurança do Rio, em 2018, os cigarros Gift contrabandeados do Paraguai foram substituídos por “versões” da marca fabricadas no Brasil, como já foi notado em pontos de venda que incluem Duque de Caxias, Alcântara (em São Gonçalo, Região Metropolitana), Campo Grande (na Zona Oeste do Rio), Barreira do Vasco e São Cristóvão (na Zona Norte).
Bandidos temem Polícia Federal mais do que a Civil
A mudança de estratégia dos criminosos teria ocorrido porque a venda de um produto fabricado em território nacional deixa a investigação a cargo da Polícia Civil, enquanto o contrabandeado a leva para a esfera federal, o que causa mais receio no crime organizado do estado.
Há informações, também, de que milicianos, desde abril, estão proibindo a venda do Gift em alguns lugares, e privilegiando a comercialização do Club One, outro da empresa Sul-Americana de Tabacos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que em março divulgou um alerta informando que os Gifts fabricados no Brasil estavam irregulares por falta de registro, disse à reportagem que a venda deles está autorizada atualmente, sob liminar da Justiça.
A questão é que o maço é vendido a preços que variam de R$ 3 a R$ 3,50, enquanto o valor mínimo estipulado no Brasil é de R$ 5, estabelecido pelo Decreto 8.656/2016. O Club One teve o registro cancelado em julho do ano passado, por descumprimento de norma sanitária vigente, mas recorreu e é vendido até que haja uma decisão final sobre o caso. A reportagem procurou as duas empresas nacionais citadas, por telefone, na tarde de sexta-feira, mas elas não se pronunciaram.
Mercado informal já supera o formal: 54% a 46%
Segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), a quantidade de cigarros vendidos ilegalmente no Brasil chegou a 58 bilhões em 2018 — 54% do total —, enquanto as marcas legais venderam 48 bilhões de unidades, ou 46%. Foi a primeira vez que o mercado informal superou o formal. Em 2014, esse percentual era favorável ao formal em 60% (67 bilhões) contra 40% (45 bilhões).
Esse crescimento de 29% do mercado informal, segundo a ETCO, fez com que os estados deixassem de arrecadar cerca de R$ 1,5 bilhão em 2018 através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Baseando-se numa estimativa da indústria de que o faturamento da venda ilegal de cigarros chegou a R$ 966 milhões no Rio de Janeiro, é possível estimar que o estado deixou de arrecadar R$ 372 milhões de ICMS no ano passado.
Procurada, a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz-RJ) informou que “rotineiramente, as ações de fiscalização de mercadorias em trânsito têm emitido autos de infração relativos ao setor de cigarros”, no intuito de coibir a sonegação e aumentar a arrecadação de ICMS. As 17 ações de 2019, segundo a Sefaz-RJ, foram “em diversos setores da indústria, em postos de combustíveis, empresas noteiras (constituídas e registradas de forma fraudulenta), redes atacadista e varejista”.