Comportamento político humanístico

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 20/04/2023 16:25                                                                          REFLEXÕES SOBRE CIDADDANIA    

Reflexões sobre cidadania (parte 8)

 

COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE CONSCIÊNCIA POLÍTICA DA BSGI

Reprodução/Foto-RN176 Desenho de ilustração da matéria – Ilustração: GETTY IMAGES

O que vem à nossa mente quando pensamos na explicação de fenômenos naturais como a teoria da evolução de Charles Darwin ou nas descobertas sobre a radioatividade feitas por Marie Curie? Ou ainda na interpretação dos processos econômicos contida nas teorias liberal de Adam Smith e socialista de Karl Marx? As respostas provavelmente nos conectarão ao papel da ciência em nossa vida.

Os inúmeros desafios da vida impuseram ao ser humano a busca incessante por respostas que acabaram por formar uma trilha de soluções e que determinaram o desenvolvimento da ciência. Esse caminho de superação de problemas por meio do conhecimento científico proporcionou o florescimento de vários ramos do saber, como biologia, química, física, história, sociologia e filosofia. Um deles, em especial, se dedica ao estudo dos fenômenos relacionados à política, é a ciência política. Mas como ela se relaciona com nossa vida? Como a ligação entre ciência política e budismo pode nos ajudar a interpretar e superar os desafios do dia a dia?

Em abril de 1948, o jovem Daisaku Ikeda [hoje, presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI)] ingressava no curso noturno do Departamento de Política e Economia da Faculdade Taisei Gakuin que, mais tarde, se transformou na Faculdade Fuji. Ikeda sensei relata que admirava muito o fundador e diretor da faculdade, professor Yumichi Takata, com quem teve a oportunidade de estudar ciência política:

Estudei ciência política com ele. Realmente adorava suas aulas e o que me cativava ainda mais era seu caráter. Ele considerava a ciência política um meio prático para administrar a sociedade e aliviar o sofrimento do povo. Com frequência, ele se lamentava do que ocorria no Japão e no mundo e defendia o estabelecimento de uma paz global, embasada em princípios morais saudáveis. Jamais me esquecerei de suas observações que insistiam na importância de desenvolvermos nosso humanismo.2

O filósofo grego Aristóteles classificava o ser humano como um “animal político” em razão da natural e constante interação entre o indivíduo e a coletividade em que está inserido. Nesse sentido, o estudo aprofundado da ciência política nos permite compreender a natureza e o funcionamento desse campo das atividades humanas além de situações transitórias e opiniões superficiais que costumam rondar nosso cotidiano.

Uma das ideias frequentemente citadas pelo presidente Ikeda em suas propostas de paz deriva de um conceito formulado pelo estudioso Joseph Nye, PhD em ciência política pela Universidade Harvard. Ele é o precursor do termo soft power ou “poder brando”, muito exaltado por Ikeda sensei e que está relacionado à importância do diálogo e das relações socioculturais em tratativas sobre algum interesse específico. Esse conceito é contrário ao hard power ou “poder bruto”, que se refere ao uso da força econômica e militar para atingir tais fins. Para o presidente Ikeda, “Nosso maior erro neste mundo seria cair numa análise unidimensional e acreditar que apenas investir no poder bélico assegura nossa força”.3

Ao falarmos de grandes movimentos sociais e de estruturas de poder, qual papel o indivíduo pode desempenhar nessa complexa dinâmica? Uma das maiores estudiosas dos regimes não democráticos, Hannah Arendt, alerta que “Quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal”.4 Da mesma forma, ela destaca: “Pensar é perigoso. Não pensar é mais perigoso ainda”.5

O movimento do soft power descrito por Ikeda sensei sustenta-se na motivação interior de cada pessoa, um processo de base filosófica em que o ser humano, por meio do autocontrole e de ações corretas e responsáveis, atua espontaneamente em prol da felicidade de si e dos indivíduos que o cercam. O desencadeamento das várias energias interiores despertadas pelas pessoas consolida a base espiritual de um povo e constitui a força motriz necessária para conduzir a humanidade rumo a uma nova era.

Nos escritos de Nichiren Daishonin consta: “O propósito do advento do buda Shakyamuni, senhor dos ensinamentos, neste mundo, reside em seu comportamento como ser humano”.6 Eis a conclusão fundamental do budismo, uma sólida filosofia de ensinamento sobre a vida e a conduta humana.

Todas essas reflexões servem como referência para cultivar o que poderia ser denominado “comportamento político humanístico”, ou seja, o conhecimento proveniente da ciência política, somado a ações práticas, tendo por base uma filosofia de profundo respeito à dignidade da vida, contribuindo para a edificação de uma sociedade mais justa, próspera e solidária. Esse conceito diria respeito a cada cidadão comum do nosso país, seja em questões municipais, estaduais ou nacionais, tanto antes e durante como depois das disputas eleitorais que ocorrem no Brasil.

No poema Construam Soli­damen­te a Nova Era da Dignidade da Vida!, o presidente Ikeda expressa:

A ciência, a política,

a sociedade e a religião

precisam ter a

busca da felicidade e da paz

como objetivo fundamental.7

Assim, conscientes de que a base da nossa prática budista é expressa por meio de nossos pensamentos, palavras e ações, vamos conduzir nossa vida em sociedade com a mesma sabedoria e diligência com que sustentamos nossa fé na Lei Mística dia após dia.

Notas:

  1. Comissão de Estudos sobre Consciência Política da BSGI: Grupo criado para a pesquisa e a produção de materiais que versam sobre cidadania e política à luz dos princípios budistas, dos escritos de Nichiren Daishonin e das publicações oficiais da Editora Brasil Seikyo.
  2. Terceira Civilização, ed. 604, dez. 2018, p. 44-47.
  3. Idem, ed. 442, jun. 2005, p. 62.
  4. SCHIO, Sônia Maria. Hannah Arendt: História e Liberdade (Da Ação à Reflexão). Caxias do Sul: EDUCS, 2006. p. 70.
  5. ARENDT, Hannah. Pensar sem Corrimão: Compreender (1953-1975). Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
  6. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 113, 2017.
  7. Brasil Seikyo, ed. 2.288, 22 ago. 2015, p. B1.

Ilustração: GETTY IMAGES