ROTANEWS176 E POR DELAS 06/11/2022 06:00
Jal Vieira é convidada para a sua segunda parceria com a franquia, desta vez, como mentora do projeto ‘O Poder é Nosso’
Reprodução/Foto-RN176 Jal Vieira é a primeira estilista brasileira negra a assinar uma coleção para a Marvel – Divulgação
Uma estilista é a primeira brasileira negra a assinar uma coleção para a Marvel. Jal Vieira teve seu primeiro projeto para a franquia realizado em 2021, com a coleção ‘Realeza’, inspirada nas mulheres de Wakanda, cenário fictício do filme ‘Pantera Negra’ (2018). Agora, a estilista retorna ao projeto ‘O Poder é Nosso’, como mentora de outros cinco artistas negros que foram convidados pela empresa para criarem releituras dos personagens Pantera Negra, Tempestade, Miles Morales e Falcão e das heroínas de Wakanda.
Negritoo, Crica, Massai, Luna B e DGOH foram os artistas selecionados que tiveram a mentoria de Jal. Suas artes foram transformadas em um guia de estilo que originou uma coleção exlusiva para a C&A. Ao todo, foram mais de 40 itens desde vestuário, calçados e acessórios para crianças, jovens e adultos, disponíveis em mais de 70 lojas e no e-commerce da rede desde o dia 23 de agosto. O projeto também conta a história de cada artista e como cada um encontrou seu poder no mundo da arte, por meio de minidocumentários publicados no Youtube da Marvel Brasil.
Como parte da campanha, a Disney prometeu uma doação para a Casa PretaHub, instituição apoiada pela C&A que apoia empreendedores negros.
Quem é Jal Vieira
Nascida em dezembro de 1988 na Brasilândia, zona norte da capital paulista, Jal Vieira se interessou por moda ainda criança, com apenas 11 anos de idade, quando assistia a um desfile de moda na TV. Dali em diante, passou a desenhar as modelos que desfilavam nas passarelas e a acompanhar o cenário fashion à distância, por acreditar que fazer parte dele era algo muito longe de sua realidade, principalmente por ser uma mulher negra.
Em 2008, ela iniciou os estudos na área após prestar o Enem e, por meio do ProUni, conquistou uma das três vagas disponíveis para Design de Moda na Faculdade Belas Artes em São Paulo. Durante o período, apresentou sua primeira coleção no concurso Fashion Mob da Casa de Criadores.
Jal iniciou sua carreira em 2010 como estilista júnior em uma marca presente na São Paulo Fashion Week. Em 2011, lançou seu primeiro projeto, que hoje se tornou uma extensão de sua empresa, a Jal Vieira Brand.
Atualmente, a estilista é uma das profissionais da moda mais renomadas no Brasil, sendo – inclusive – nomeada como ‘Estilista do Ano’ pela Revista Glamour, no Prêmio Geração Glamour 2021. Com mais de 13 anos de experiência como Diretora de Criação da sua marca Jal Vieira Brand, com foco em estilismo, desenvolvimento têxtil e figurino, ela é responsável por toda direção criativa especializada em desenvolvimento têxtil, styling , produção e gerenciamento.
A brasileira também é pós-graduada em Modelagem Criativa pelo Senac e tem especialização técnica em Produção Audiovisual. Fez sua estreia nas passarelas, em 2019, na Casa de Criadores, e atualmente é integrante do line-up principal da plataforma com sua marca. Em 2020, foi uma das artistas convidadas a ressignificar os figurinos de grandes óperas do Theatro Municipal de São Paulo em parceria com o Centro Cultural São Paulo. No mesmo ano, seu trabalho alcançou ainda mais prestígio ao ganhar destaque no videoclipe da música “Me Gusta” de Anitta e Cardi B.
O iG Delas entrevistou a estilista, que contou um pouco sobre a sua história, carreira e parceria com a Marvel. Confira!
IG DELAS: Jal, O Poder É Nosso é a sua segunda colaboração com a Marvel. Como é para você fazer a criação com base em personagens tão queridos pelo público?
JAL VIEIRA: Participar novamente de um projeto da Marvel foi a afirmação de que no meu trabalho tinha algo a ser dito e, mais do que isso, que as pessoas queriam escutá-lo. A ficha demorou super para cair. Mas, quando caiu, eu foquei tanto no que isso representava não só para mim, mas para os meus, que me recompus rápido e logo comecei a entender quais mensagens eu queria trazer e reverberar na existência das pessoas. Minha existência é política, meu corpo é político e eu entendia a responsabilidade de ser a primeira mulher negra a assinar uma coleção para a Marvel. Foi um mergulho interno muito grande, para só então voltar para a superfície e começar a materializar cada ideia. A maneira que todo o meu processo foi respeitado pela equipe da Marvel impactou completa e positivamente o resultado da coleção. Além disso, me preocupei em trazer comigo quem já tinha uma conexão com a minha história. Quem caminhou comigo desde o início e acreditou em cada passo que eu dei. Desde a equipe de beleza que me acompanha há muito tempo, direção e fotografia que foi assinada por grandes e talentosos amigues, modeles que estavam comigo desde a primeira coleção que fiz em 2011, produção que foi feita por duas amigas que estão comigo desde a primeira coleção também. Até a minha mãe que assinou a trilha sonora e que é a responsável por eu poder trilhar meu caminho e contar a minha história. Tudo isso somado a grandiosidade e significância que é ter o filme Pantera Negra e as figuras das mulheres de Wakanda refletindo nas telas a nossa ancestralidade.
Pode contar um pouco sobre como foi o processo de criação das releituras dos personagens por parte dos artistas? Qual foi o papel da sua mentoria nesse processo?
Claro, tudo começou com o convite para ser mentora do projeto ‘O Poder é Nosso’, depois da coleção ‘Realeza’, e de lá para cá, a Marvel entendeu a conexão que tudo isso representava e me convidou para o projeto. Quando fui apresentada aos artistas, minha preocupação e olhar atento estava em jamais perder o foco na identidade do trabalho deles durante o processo. E, mais do que isso, que a história deles também estivesse impressa ali. Então, fiz um mergulho no trabalho de cada um, escutei as histórias pessoais deles, trocamos expectativas, simbologias dentro da arte de cada um e, a partir disso, começamos a entender com quais personagens cada artista se conectava. Era importante nisso tudo que o artista também enxergasse um pouco da sua história, na história do personagem que retrataria. Criar um elo entre artista e personagem foi fundamental para a veracidade do projeto. Depois disso, os artistas desenvolveram suas artes da maneira que fosse mais real para cada um. Enquanto isso, eu criava também um guia de estilos com peças que também representassem essas identidades. Ao mesmo tempo, a Marvel também se preocupou em buscar como parceiros do projeto, empresas que acreditassem na grandiosidade disso tudo e que, mais do que isso, já tivesse em sua estrutura um olhar atento a todos os valores defendidos no projeto.
Você se interessou por moda bem cedo, aos 11 anos. Você consegue se lembrar o que foi que te cativou naquele momento?
Sim. Foi com essa idade que passei a desenhar as modelos da TV que desfilavam nas passarelas e a acompanhar o cenário fashion à distância, por acreditar que fazer parte dele era algo muito longe da minha realidade, principalmente por ser uma mulher negra, até que prestei o Enem e por meio do ProUni, comecei a cursar Design de Moda na Faculdade Belas Artes em São Paulo e, a partir dali, apresentei minha primeira coleção ao público e iniciei minha carreira profissional na moda em 2010 como estilista júnior em uma marca presente na SPFW.
Você diz que não se via pertencente a esse mundo por ser uma mulher negra e periférica. Hoje, você é um nome importante para a moda brasileira e conseguiu diversos feitos. Como é para você olhar para trás e perceber onde chegou?
Quando eu era pequena, ainda que pessoas negras – desde sempre – já sustentassem o mercado da moda – não somente o mercado de moda! -, eu nunca as via dando entrevistas nos canais, falando sobre seus trabalhos nessa área e/ou sendo apontadas como grandes referências criativas, ainda que elas fossem tudo isso. Elas estavam ali o tempo todo, mas os espaços para que elas falassem não existia. Isso impactou drasticamente como eu me enxerguei por muito tempo. Não ter tido referências com histórias próximas das minhas, me fez acreditar por muito tempo que eu não merecia estar nesses lugares. Hoje, olhando para esse projeto, eu consigo imaginar como seria para a Jal de 11 anos de idade ter visto 5 artistas negros, com origens parecidas com as minhas, encabeçando, junto com a Marvel, um projeto desses. Com certeza, eu não teria deixado de acreditar nas minhas potências por tantos anos. E, com absoluta certeza, isso não teria feito tanta gente com histórias parecidas, terem sido obrigadas a desistirem no meio do caminho. O que eu mais gosto da história é ver corpos pretos contando sua própria história e estando em condição de vitória, visibilizando suas potências e potencializando os seus.
Você define que seu trabalho como artista é primeiro sobre roupas e depois sobre pessoas. Pode definir um pouco mais do porquê disso?
Sim. O meu trabalho é muito mais do que fazer roupas porque com elas, quero criar questionamentos.
Além da Marvel, você tem sua própria marca, trabalhou com Anitta e Cardi B, se apresentou em SPFW, Casa de Criadores e mudou os figurinos de ópera do Theatro Municipal. Para você, qual é a importância de ter uma mulher preta realizando tudo isso?
Trabalhar com a Casa de Criadores foi uma via de mão dupla. Ter marcas lideradas por mulheres negras e outras corporalidades não-hegemônicas dentro do evento colabora para a inserção e sensibilidade de pautas que antes ou não eram abordadas, ou não tinham espaço suficiente para isso. Por outro lado, de um ponto de vista mais pessoal, foi também começar a me enxergar pertencente àquele e a tantos outros espaços. Além de poder colaborar mais efetivamente para discussões necessárias para o setor. Uma vez que o alcance do meu trabalho passou a ser maior – graças ao espaço do evento e ao fomento e curadoria de novos estilistas promovido pelo idealizador da CdC, André Hidalgo -, meu trabalho conseguiu colaborar para mudanças que eu acredito serem necessárias, como a presença de mais pessoas não-brancas nos espaços, à geração de trabalho e renda à essas pessoas e os impactos sociais que tudo isso causa. Já no Theatro Municipal, o convite veio da CdC, do CCSP e do Theatro Municipal e foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Ter podido chegar perto de figurinos de óperas que eu jamais pude sequer sonhar em assistir e ressignificá-los para o meu olhar: o de uma mulher negra, vinda da periferia, cria um total paradoxo nisso tudo, já que esses figurinos eram parte do acervo de espetáculos que não foram pensados para pessoas como eu. Foi poder responder à sociedade que, mesmo que essa estrutura social racista, classista, misógina, homofóbica e toda infinidade de fobias sociais, tenha tentado podar minhas potências, minha resposta é continuar viva, criando e em movimento constante.
Que referência você e a equipe de artistas negros que participou de O Poder é Nosso espera impactar o público com o trabalho desempenhado?
A ideia não era apenas convidar cinco artistas para esse projeto, mas pensar formas de realizar um trabalho com real impacto social, já que não é somente sobre nós, mas em como isso reverbera noutras existências e em como o projeto ainda objetiva colaborar para mudanças sociais reais. Esperamos que todes entendam esse impacto. Esse é só o começo!