ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 27/01/2023 09:15 REDE DA FELICIDADE Dr.Daisaku Ikeda
Incentivos extraídos do romance Nova Revolução Humana.
Reprodução/Foto-RN176 Ilustração mostra membros da Soka Gakkai residentes na favela Dokan em uma animada reunião ao ar livre
No aterro próximo ao porto de Hakata, na cidade de Fukuoka,1 surgira uma favela que ficou conhecida como Dokan. Era um local que mesmo os moradores da vizinhança hesitavam em chegar perto. Essa favela desapareceu posteriormente com a urbanização do aterro, não havendo mais nenhum vestígio atualmente. O lugar era inicialmente uma região deserta. Existia apenas uma fábrica de gelo e alguns depósitos espalhados ao longo de uma estrada que cortava o aterro. Algum tempo após a guerra, grandes manilhas utilizadas na canalização de esgotos foram abandonadas nesse local e as pessoas que haviam perdido a casa nos bombardeios começaram a se alojar nelas, tampando os lados abertos com esteiras de palha — um adulto podia ficar em pé curvando-se um pouco. Essas manilhas, em japonês são chamadas de dokan, e eram enormes. Não recebiam nenhum tipo de assistência dos órgãos públicos; eram pessoas marginalizadas pela sociedade japonesa.
O ambiente era extremamente perigoso. Roubos, brigas e derramamento de sangue eram frequentes. Havia barracas de jogos de azar e fábricas clandestinas de bebidas alcoólicas. Viciados em drogas e alcoólatras arrastavam-se entre os barracos. A polícia não conseguia prender os suspeitos que se refugiavam na favela. Os moradores da vizinhança chegavam a proibir as crianças de entrar nesse antro sem lei. Apesar de tudo, as ondas da propagação do budismo atingiram também a favela Dokan e os primeiros membros começaram a surgir por volta de 1954.
Cerca de um ano antes, uma senhora chamada Tatsu Matsumoto, que residia nas proximidades de Dokan, conhecera uma moradora da favela e começou a lhe falar sobre o Budismo de Nichiren Daishonin e a frequentar seu barraco, movida pelo sincero desejo de lhe ensinar o caminho da felicidade. No início, ninguém deu ouvidos às explicações sobre o budismo. Todos os moradores da favela haviam passado pelas piores amarguras da vida e tinham abandonado qualquer tipo de esperança e perdido a confiança nas pessoas. Por essa razão, suas palavras, que prometiam felicidade por meio da prática budista, eram tidas como engodo.
No entanto, ela não desistia. Todos têm o direito de ser felizes e o Gohonzon garante a felicidade — com esta convicção e recitando muito daimoku, ela persistia em seu intento conversando intensamente com os moradores de Dokan.
Com o passar do tempo, seus esforços resultaram na conversão de algumas pessoas. Estas começaram a demonstrar mudanças em suas amarguradas fisionomias, tornando-se mais alegres e radiantes com a comprovação dos benefícios da prática budista na vida diária. Constatando esses resultados com os próprios olhos, os moradores de Dokan começaram a ouvir e a aceitar com sinceridade as explicações sobre o budismo. Além disso, os companheiros que tinham conhecidos morando na favela ajudavam Tatsu Matsumoto na propagação.
Em 1956, o número de praticantes já atingia trinta famílias. Um ano depois, era de sessenta, e no ano seguinte, chegou a 150. Em 1962, mais de quatrocentas famílias estavam praticando o budismo. Embora não houvesse registro da quantidade de famílias residentes na favela, os associados que ali moravam estimavam que mais da metade havia se convertido.
Pela manhã, vozes recitando gongyo e daimoku ecoavam por todos os cantos de Dokan. Logo depois, os membros saíam animados para o trabalho. À noite, muitos barracos se transformavam em locais de reunião de palestra nos quais as pessoas se apertavam no pequeno espaço para ouvir os relatos de benefícios, e sorrisos alegres repercutiam pela vizinhança.
Com o aumento de integrantes na favela Dokan, cresceu também o número de crianças matriculadas nas escolas, normalizando assim a frequência às aulas. O que mais impressionava a polícia era a queda no índice de delitos.
As pessoas que viviam marginalizadas encontravam na prática budista a luz da esperança, a força e a coragem de viver dignamente. O grande feito da Soka Gakkai era o ato de penetrar em meio às pessoas em sofrimento, despertando-as para uma nova vida.
Hisayuki Imura era uma dessas pessoas. Ele se revitalizou por meio da prática e posteriormente se tornou responsável de comunidade. Quando se abrigou na favela Dokan, no início de 1954, estava com 37 anos.
Tinha esposa e três filhos, de 8, 5 e 2 anos. Ele trabalhara antes como contador de uma mineração e tinha um futuro promissor. Porém, sofria de asma havia alguns anos. Com o agravamento das crises, não podia trabalhar normalmente; as faltas tornaram-se mais frequentes e prolongadas e a empresa teve de dispensá-lo. Por algum tempo, a empresa foi generosa com ele oferecendo moradia para sua família. Depois disso, sem poder pagar o aluguel, a única solução foi vagar pelas ruas geladas no inverno arrastando a família.
Quando via a esposa e os três filhos andando calados e tristes pela neve, sentia um forte aperto no coração. Porém, não tinha forças sequer para dizer palavras de conforto. Depois de bater à porta de parentes pedindo abrigo, não tinha mais aonde ir. Andando pelas ruas de Hakata, em Fukuoka, pensava sempre em encontrar algum lugar para se matar. Porém, era salvo pelo sorriso dos filhos que brincavam inocentemente. Mesmo pensando em fazer alguma coisa por eles, não tinha onde abrigá-los.
As pessoas comemoravam a chegada do ano-novo. Fugindo do clima festivo, Imura continuava vagando até chegar, completamente desnorteado, à favela Dokan. Depois de algum tempo, também resolveu levantar um barraco. (…)
Embora tivesse dado um teto, mesmo que precário, para as crianças, precisava trabalhar para sustentá-las. Contudo, não podia arranjar emprego devido à sua doença nem executar trabalhos pesados.
Imura percebeu que havia um clube de corridas de lancha2 próximo à favela Dokan onde um grande número de pessoas fazia apostas. Pensou então em montar uma banca para vender alguns petiscos aos frequentadores do clube. Juntou algumas caixas de madeira e uma porta velha e montou uma banca. Com a ajuda da esposa, começou a vender bolinhos de arroz e espetos de legumes cozidos. Apesar dos esforços de ambos, o lucro era pouco, não o suficiente para comprar arroz para os filhos. Mesmo assim, tinham onde morar e dormir. Quando chegou o verão, o esgoto a céu aberto começou a exalar um cheiro insuportável e o barraco foi invadido por pernilongos. Nesse ambiente, as crises de asma se tornaram mais intensas e Imura chegou a pensar que poderia morrer a qualquer momento. Ele já tinha perdido toda a vitalidade e não via esperança nenhuma de se recuperar da enfermidade. Sua tosse era intermitente, quase o impedindo de falar. Nessas circunstâncias, ele conheceu o budismo por um freguês que frequentava sua banca. No início, Imura ouvia apenas por ouvir as palavras que seu amigo tentava lhe transmitir com muito entusiasmo.
— Você também pode ser uma pessoa feliz! — dizia-lhe o amigo.
Imura espantava-se ao ouvir essas palavras. Felicidade era algo que havia desaparecido de sua vida chegando a ser doloroso lembrar que existia. Apesar de ouvir as explicações com certa ironia no começo, Imura acabou sendo tocado pela convicção do amigo. Depois de algum tempo, seu irmão, que vivia no subúrbio de Fukuoka, foi visitá-lo. Imura soube então que ele também havia ingressado na Soka Gakkai. Como a vida ia de mal a pior e ele próprio já estava no fundo do poço, decidiu praticar o budismo, embora não acreditasse em tudo o que ouvira. Isso ocorreu em novembro de 1955, dois anos depois de ter-se mudado para a favela Dokan.
Imura começou a recitar gongyo e daimoku. Em pouco tempo, passou a sentir um novo dinamismo em sua vida e a vontade de viver se tornava cada vez maior. “Vou ser feliz!” — ele começou a sentir realmente que poderia alcançar a felicidade. Com essa nova disposição, empenhou-se também nas atividades e seguiu fielmente as orientações dos veteranos. Ao mesmo tempo, dedicava-se a propagar o budismo para os outros moradores de Dokan. Em pouco tempo de prática, percebeu que aconteceram dois fatos interessantes. O primeiro foi o fim das crises de asma. Mesmo quando ocorria alguma mudança no clima, não sofria qualquer sintoma da doença. O outro foi o repentino aumento de clientes em sua barraca de petiscos. Ficou até assustado com a renda, que havia multiplicado muitas vezes. (…) Imura conseguiu reformar a barraca e chegou a comprar um pequeno trailer. Chegava a falar com a esposa que acumularia boa sorte e abriria um restaurante. Dedicava-se com entusiasmo às atividades e ao estudo do budismo. Ao aprender sobre o princípio da transformação do destino, esforçava-se ainda mais em conversar com as pessoas sobre os benefícios da prática budista. (…)
Reprodução/Foto-RN176 Hisayuki Imura e sua esposa vendem alimentos na barraca que montaram – Ilustrações: Kenichiro Uchida
Mesmo que fosse xingado e expulso, não desanimava e insistia na sua nobre missão como um mensageiro do Buda. Entretanto, com o coração endurecido pelas amarguras da vida, os moradores de Dokan não aceitavam mais nenhuma palavra de alento e se conformavam dizendo simplesmente: “Nada poderá tirar a gente deste buraco. Quanto mais espernear, pior será. Nunca sairemos deste poço!”.
A propagação do budismo na favela Dokan era uma luta contra a apatia e a desesperança no coração dos moradores. Imura permanecia firme e dizia a cada um deles: “Você não deve se entregar tão facilmente. É a sua vida que está em jogo. Por isso, tente pelo menos experimentar este budismo. Depois disso, poderá fazer o que quiser!”. Seu empenho começou a frutificar gradativamente e algumas pessoas se interessaram em praticar ao seu lado. Após dois anos de conversão, Imura criou um bloco dentro da favela Dokan e tornou-se seu responsável. A reunião de palestra era realizada frequentemente, embora houvesse apenas um local, no canto de um depósito, que comportava todos os associados. Na maioria das vezes, reuniam-se num barraco apertado ou ao ar livre em torno de um poste para aproveitar a iluminação. (…) Nas atividades de conversão, Imura não media esforços e muitas vezes viajava para as cidades distantes das províncias de Kyushu e da região de Chugoku. Com esse empenho, o bloco alcançou cem famílias em 1962 e foi transformado em comunidade, tendo Imura como responsável. As atividades tornaram-se cada vez mais intensas e os relatos de benefícios eram ouvidos por todos os cantos de Dokan. Mais tarde, em 1966, Imura conseguiu alugar uma casa onde instalou um modesto restaurante, deixando Dokan no passado. Com o tempo, o restaurante foi obtendo bons resultados e ele passou a introduzir pratos mais sofisticados no cardápio. Anos depois, adquiriu uma casa própria, podendo assim oferecer um conforto maior à família. Além de se empenhar nas atividades, contribuía também nas campanhas sociais, tornando-se presidente de uma associação de bairro. Cada morador de Dokan possuía um drama de vida vencido por meio da prática budista. Conseguiram sair do abismo cheio de sofrimento e encontraram novas esperanças. Por isso, suas palavras sobre o budismo e sobre a vida conseguiam convencer qualquer pessoa.
No topo: Ilustração mostra membros da Soka Gakkai residentes na favela Dokan em uma animada reunião ao ar livre
O personagem do presidente Ikeda no romance é Shin’ichi Yamamoto, e seu pseudônimo, como autor, é Ho Goku.
Fonte:
IKEDA, Daisaku. Aceleração. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 6, p. 111-118, 2019.
Notas:
- Cidade de Fukuoka: Capital da província de Fukuoka, em Kyushu, localizada mais ao sul das quatro ilhas principais do Japão.
- Corridas de lancha: Uma forma legalizada de jogos de azar no Japão, similar à corrida de cavalos.
Ilustrações: Kenichiro Uchida