ROTANEWS176 E LADOBI 07/04/2016 00:00 Por Marcio Caparica(@marciocaparica)
Na ilha de Golem Grad, na Macedônia, 74% das relações sexuais da população de tartarugas nativa se dá entre indivíduos do mesmo sexo – e elas nem foram “doutrinadas” por ninguém
“Pega então os gays, coloca todos numa ilha e volta lá em alguns anos para ver o que acontece!”. Esse é um dos argumentos mais recorrentes e batidos (e entediantes) que os detratores da população LGBT usam para tentar “provar” que a homossexualidade vai contra a natureza do “crescei e multiplicai-vos”. Afinal, a homossexualidade seria um “desvio” aprendido com as “más companhias”. O que não faltam são exemplos de homossexualidade em animais silvestres – e, aqui vai mais um, o de uma população de tartarugas que faz, e muito, sexo homossexual.
Quase como nos delírios dos fundamentalistas, essa história acontece numa ilha isolada. Num artigo publicado na revista Behavioral Ecology, o professor Xavier Bonnet, do Centro de Estudos Biológicos da França, descreve o resultado de sete anos de observação da população de tartarugas Hermann na ilha de Golem Grad, que fica no meio de um lago na Macedônia. Essa ilha apresenta várias características únicas: para começar, a população é quase toda de machos (os pesquisadores acreditam que isso acontece porque a ilha tem poucos lugares para se botar ovos com a temperatura ideal para gerar fêmeas). O relevo da ilha também faz com que a população de tartarugas naturalmente se divida em dois grupos: as que vivem perto da praia, a nível do mar, e as que vivem num platô na parte central da ilha. Entre a população que vive na praia, 77% dos indivíduos são machos. Na população do platô apresenta uma diferença ainda maior: 95% das tartarugas que vivem ali são machos.
Os pesquisadores observaram que, quanto maior a concentração de um só sexo, mais sexo homossexual acontecia. Entre as tartarugas do platô, 74% dos encontros sexuais acontecia entre indivíduos do mesmo sexo – enquanto, no grupo da praia, a cifra é de 33%. Os cientistas também observaram que as tartarugas da ilha de Golem Grad também montavam “tartarugas jovens, tartarugas mortas, esqueletos (cascos vazios) de tartarugas, e duas foram vistas tentando copular com pedras que tinham um formato que vagamente lembrava a de uma tartaruga”. Esses comportamentos todos eram mais frequentes no platô cheio de machos.
Reprodução/Foto-JC A ilha de Golem Grad é uma prisão natural de 18 hectares com alta densidade populacional de tartarugas – aproximadamente 60 indivíduos por hectare. a) Precipícios verticais separam a subpopulação do platô (5% de fêmeas) da subpopulação da praia (23% de fêmeas). b) Um macho montando outro macho, que por sua vez está montando outro macho mais jovem. c) Um macho montando uma pedra. d) Um macho montando uma fêmea.
Os biólogos consideram que há duas justificativas para isso: primeiramente, quando as tartarugas macho ficam excitadas e não encontram uma fêmea, baixam o nível de exigência até encontrar algo que lhes resolva o apuro (comportamento também muito observado em seres humanos, diga-se de passagem). Além disso, o processo evolucionário nunca apresentou algum motivo para “corrigir” esse comportamento.
Ou seja, do ponto de vista evolucionário, é útil que tartarugas machos tentem copular com qualquer coisa que se pareça com uma tartaruga, porque, no final das contas, algumas dessas cópulas vão acabar acontecendo com fêmeas e o resultado serão ovinhos de tartaruga. Em situações com escassez de fêmeas, não há dano algum quando machos resolvem seus problemas com outros machos (ou cascos, ou pedras…). Teoricamente, afirmam, com o passar do tempo a população poderia ter evoluído para a criação de mecanismos que os tornariam mais exigentes, mas provavelmente “o desenvolvimento, manutenção e funcionamento de estrututuras neuroendócrinas que filtrariam o comportamento homossexual em tartarugas macho seria muito dispendioso (e inútil)”.
Pois então, o sonho dos fundamentalistas de uma ilha cheia de machos existe, apesar de que com tartarugas. E a espécie lá não desapareceu – como, aliás, também não desapareceria numa ilha de humanos. Quem vai dizer que o que essas tartarugas faz vai contra a natureza?