Coração iluminado

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 13/05/2023 10:03                                                                        BUDISMO NA VIDA DIÁRIA                                                                                                                                        Por Fabio Oda 

 

Reprodução/Foto-RN176 Desenho do busto de Fabio Oda, coordenador da Divisão Sênior da BSGI de ilustração da matéria – Ilustração: BS / GETTY IMAGES

Estamos à beira de mais um colapso de civilizações? O Império Romano, os vikings e os maias são apenas alguns exemplos de povos que se extinguiram. A conclusão do historiador britânico Arnold J. Toynbee (1889-1975), apresentada em sua principal obra, Um Estudo da História, é de que “grandes civilizações não são exterminadas, mas acabam com a própria existência”.

As possíveis causas de um colapso social incluem catástrofe natural, guerra, doenças, fome, crise econômica, declínio populacional e migração em massa, entre outros. Naturalmente, estamos nos referindo a fatos que ocorreram há muitos séculos. Contudo, algumas características que determinaram a queda dessas civilizações estão cada vez mais presentes nos dias atuais. Por isso, pesquisadores, antropólogos e historiadores alertam para a possibilidade de estarmos percorrendo a mesma rota dos ancestrais e, apesar de todo o desenvolvimento do conhecimento humano nas mais diversas áreas, não ficarmos imunes a esse risco.

Por essa razão, considero abso­lutamente correta e cada vez mais verdadeira a conclusão que o Dr. Toynbee e o presidente Ikeda tiveram em seus diálogos, compilados na obra Escolha a Vida, de que a religião assumirá um papel preponderante para o resgate do estado de humanidade da civilização no século 21.

Diante do cenário atual, em que a vida na sociedade gera muita insegurança, conflitos, apatia, medo e desesperança, o papel da religião tem um profundo significado: prover o ser humano de condições para conduzir uma existência de valores e significados, de forma plena, realizada e feliz — eis a nossa missão e o propósito da Soka Gakkai! E a forma de concretizar essa missão é cada qual promover a sua revolução humana para a felicidade de si e da sociedade. Esse é o real aspecto prático do estado de buda.

Os Três Mestres da Soka Gakkai — Tsunesaburo Makiguchi, Josei Toda e Daisaku Ikeda —, que viveram em meio aos intensos horrores da Segunda Guerra Mundial, ensinaram a maneira correta de viver, a partir do despertar do indivíduo para sua missão com base na prática do Budismo Nichiren.

Buda é a pessoa que despertou para a suprema verdade da vida. E o caminho para trilhar essa nobre jornada encontra-se na prática da fé para a consecução do estado de buda. Portanto, estado de buda não é uma condição de poderes místicos, sobrenaturais, em que é necessário um profundo conhecimento de algo ou longo tempo de preparação específica para conseguir atingi-la. Pelo contrário, é a manifestação do âmago da vida. É a força ilimitada existente no ser humano, apresentada no seu aspecto mais virtuoso de humanidade, compaixão e sabedoria. É um estado de plena liberdade, livre de sofrimento e de ilusão. E a forma de manifestá-lo é por meio da recitação do daimoku e das atitudes prezando ao máximo o respeito à dignidade da vida, o ser humano, o meio ambiente e a sociedade na vida diária.

Mais que pensamento positivo, o estado de buda é a sabedoria que nasce da percepção sobre a verdadeira natureza da realidade, mesmo enfrentando as mais difíceis circunstâncias. Estado de buda é viver com a certeza da vitória, inspirado numa percepção correta da realidade, sem fuga, sem alienação. É uma condição inabalável de vida que gera alegria constante e supera todos os outros tipos de satisfação.

O presidente Ikeda orienta:

Originalmente, vocês próprios são o supremo Buda. A essência dessa fé é cultivar essa convicção. Acreditem em si mesmos, vivam em prol do kosen-rufu com autoconfiança e sigam estendendo as luzes da felicidade da Lei Mística para sua localidade.1

Buda é aquele que se levanta em meio ao povo para conduzir todos os seres humanos, sem exceção, à suprema iluminação. Paradoxalmente, se a pessoa perde a sensibilidade de olhar para o sofrimento do outro, de chorar pela dor do outro, de se indignar com o drama do próximo e, efetivamente, de lutar pela felicidade das pessoas, entendo que ela se distancia da essência do propósito da prática do budismo, deixando sua vida de buda ser dominada pela ilusão e pelos “três venenos” — avareza, ira e estupidez.

Mas se engana quem acredita que somente pelo fato de estar praticando estará imune às funções do mal. As funções malignas são muito hábeis e sorrateiras, e, quanto menos se espera, elas dominam a mente e conduzem a pessoa ao mundo da escuridão fundamental, levando-a a desistir e a agir contrariada, magoada ou com sentimento negativo.

A única forma de não se deixar levar pela negatividade é conectar a vida ao caminho da unicidade de mestre e discípulo, lapidando o tesouro do coração por meio de uma sincera e correta prática diária.

Finalizando, gostaria de compartilhar uma experiência que me trouxe um aprendizado profundo e emocionante.

Recentemente, fui visitar um companheiro da Divisão Sênior que, no passado, conquistou uma extraordinária revolução financeira, viajando pelo mundo e propa­gando o budismo. Empresário bem-sucedido, praticante esportivo diário, desfrutava uma vida de satisfação junto com a família e os companheiros da organização.

Contudo, em 2019, seu carma se manifestou e, desta vez, de forma avassaladora. Ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Uma doença incurável, progressiva, sem nenhum tratamento e letal. Atualmente, ele se encontra deitado permanentemente numa cama, tendo apenas o movimento dos dedos das mãos, da cabeça e a fala como meios para se comunicar.

Ciente da real gravidade da doen­ça, sem expressar nenhuma tristeza, ele acorda todos os dias com disposição e alegria de viver mais um dia para conseguir propagar a Lei pelo bem e pela felicidade das pessoas com quem interage. Com muita emoção, vive cada instante manifestando a mais elevada gratidão ao Gohonzon e a Ikeda sensei.

Ele falou: “Eu não sei de onde vem, é algo inexplicável, mas sinto uma felicidade incontrolável em meu coração. Hoje, eu sou mais feliz do que antes, quando tinha plena saúde e viajava pelo mundo. Mesmo parado nessa cama, posso recitar daimoku e fazer shakubuku cumprindo a minha missão. É uma imensa felicidade! Enquanto tiver vida para exercer esta missão, estarei à disposição para contribuir em prol do desenvolvimento do kosen-rufu e corresponder ao presidente Ikeda”. Que emocionante! Que vida iluminada!

Quando conectamos nossa vida à vida do Mestre, nasce uma fonte inesgotável de energia; livre de sofrimento, do medo, da lamúria e da tristeza; um estado absolutamente feliz e realizado, sem arrependimentos. É a expressão do tesouro do coração do estado de buda. Ao dialogar com ele, senti que sua condição de vida reflete um dos ensinamentos do buda Nichiren Daishonin que diz: “O Nam-myoho-renge-kyo é a maior das alegrias”.2

Eu também estou lutando dia­­­ria­mente contra as minhas limitações e fraquezas para ser feliz e realizado, mesmo vivendo num mundo tão conturbado, cheio de sofrimentos, injustiça, ilusão e dificuldades. Por isso, sou imensamente grato à nossa organização Soka, ao presidente Ikeda e ao Gohonzon por me proporcionarem a oportunidade de conviver com pessoas de genuína fé, que me ensinam, inspiram e conduzem ao correto caminho do altruísmo, da revolução humana, da iluminação do estado de buda.

Muito obrigado.

Fabio Oda, coordenador da Divisão Sênior da BSGI

Notas:

  1. IKEDA, Daisaku. Brado da Vitória. Nova Revolução Humana, v. 30-II, p. 25, 2020.
  2. Nichiren Daishonin Gosho Zenshu[Coletânea dos Escritos de Nichiren DaishoninDaishonin]. Tóquio: Soka Gakkai, p. 788.

Ilustração: BS / GETTY IMAGES