Coragem, esperança e sabedoria

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 24/03/2023 09:45                                                                        CADERNO NOVA REVOLUÇÃO HUMANA                                                                                                                Por Ho Goku

  

Reprodução/Foto-RN176 Desenho da ilustração da matéria – Ilustraçõe: Kenichiro Uchida

PARTE 61

Na tarde do dia 13 em que ocorreu a visita à Universidade de Moscou, realizou-se o evento “Tarde da Amizade Estudantil Japão-União Soviética”.

Ele foi descortinado com o esplêndido desfile dos “Anjos da Paz” da Fuji Kotekitai, realizado no espaço frontal da universidade e depois o palco se transferiu para o Palácio da Cultura da universidade, onde aconteceu o festival da amizade e da paz.

O Coral Ginrei da Universidade Soka e os grupos representantes da Divisão Sênior e da Divisão Feminina apresentaram as canções Kurodabushi e Haha, e quando entoaram a famosa canção russa Katyusha, a batida das palmas que acompanhavam a canção ressoou em grande sintonia e todos se tornaram um só. As apresentações da parte da Universidade de Moscou também foram entusiásticas, de piano e orquestra de câmara, coral e dança de músicas tradicionais russas com integrantes vestidos com trajes étnicos. Então, foram cantadas pelos corais de ambas as universidades Shiki no Uta [Canção das Quatro Estações], em japonês, e Yuko no Waltz [Valsa da Amizade], em russo. O coração de todos, japoneses e russos, se fundiu um ao outro magnificamente.

O Palácio da Cultura, palco das apresentações, era um local de profunda recordação para Shin’ichi. Foi onde proferiu havia seis anos, em maio de 1975, o discurso intitulado “Um Novo Caminho para o Intercâmbio Cultural do Oriente e do Ocidente”. Nele, enfatizou energicamente que é por meio do intercâmbio cultural que será aberto o “caminho da seda espiritual” que possibilitará a união do mundo, de norte a sul, e de leste a oeste.

Agora, diante dos olhos, realizava-se o intercâmbio cultural e de amizade dos jovens japoneses e sovié­ticos, e Shin’ichi sentia que, de fato, estavam para ser estabelecidos os elos do “caminho da seda espiritual”. A cada término de apresentação, ele aplaudia efusivamente, inclinando o corpo para a frente.

Na tarde do dia 14 de maio, Shin’ichi e comitiva visitaram o Krem­lin e se encontraram com o primeiro-ministro Nikolai Aleksandrovich Tikhonov. Por esse dia ser o do seu aniversário de 76 anos, Shin’ichi o presenteou com um buquê de flores.

Shin’ichi então disse:

— Não sou político, exímio economista ou diplomata, mas gostaria de fazer proposições com toda a franqueza.

O primeiro-ministro respondeu correspondendo a ele:

— Será um prazer!

Criou-se um ambiente harmonioso e animado para o diálogo.

As pessoas, originalmente, almejam a paz. O que revela e une esses corações formando uma grande rede não são retóricas floreadas nem discursos pomposos sem conteúdo. São diálogos honestos e abertos que acontecem como expressão da mais sincera humanidade.

PARTE 62

Shin’ichi Yamamoto disse ao primeiro-ministro Tikhonov:

— O grande anseio de toda a humanidade é o fim das guerras. Nesse sentido, imagino quanto as pessoas do mundo inteiro poderão se tranquilizar se o secretário-geral Brejnev e o primeiro-ministro Tikhonov da União Soviética saírem de Moscou, e escolhendo um bom local como a Suíça, realizarem consistentes diálogos com o presidente dos Estados Unidos, e com os líderes da China e do Japão. Em prol da paz mundial, acredito ser importante convocar sem falta conferências de cúpula, empenhar em conversações absolutamente contrárias às guerras, e seguir transmitindo um sentimento de segurança e tranquilidade para toda a humanidade.

Shin’ichi também se referiu às relações entre Japão e União Soviética:

— Antes de se falar de “tratados” em si, é necessário conhecer o coração dos japoneses e realizar intercâmbios culturais para desenvolver a confiança mútua. E ainda, sem se apegar à grande premissa do passado, é preciso somar esforços diligentes para realizar diálogos entre as cúpulas em que se obtenha a concordância de ambos os povos.

Abordando as questões econômicas e comerciais entre os dois países, o primeiro-ministro Tikhonov teceu sua impressão:

— Talvez o intercâmbio cultural esteja um passo atrasado. Sua asserção é algo importante.

Então, deixou clara sua intenção de continuar os intercâmbios pela paz e pela cultura daquele momento em diante também.

Shin’ichi entregou-lhe em mãos uma carta escrita por ele e endereçada ao secretário-geral Brejnev agradecendo o convite para a visita à União Soviética.

O presidente Yamamoto havia falado da importância da conferência da cúpula norte-americana e soviética em suas propostas de paz comemorativas do Dia da SGI (26 de janeiro) de 1983 e de 1985. Isso porque muitas pessoas estavam apreensivas com a intensidade dos confrontos entre Estados Unidos e União Soviética.

Reprodução/Foto-RN176 Desenho da ilustração da matéria – Ilustraçõe: Kenichiro Uchida

Em 1985, com a ascensão do secretário-geral Mikhail Gorbachev, o leme foi guinado em direção ao término da Guerra Fria. Em novembro desse ano, a Conferência da Cúpula dos Estados Unidos e da União Soviética se tornou realidade, com a participação do presidente norte-americano Ronald Reagan, em Genebra, Suíça, impulsionando o diálogo entre o Leste e o Oeste.

Em dezembro de 1989, Gorbachev e o presidente dos Estados Unidos George W. Bush dialogaram na ilha de Malta. Eles puseram fim à Guerra Fria e declararam que ambos os países iriam cooperar entre si e iniciar a construção de uma nova ordem mundial.

No ano seguinte, 1990, Shin’ichi encontrou-se com Gorbachev, que havia se tornado o primeiro presiden­te da Rússia. Os dois continuaram a manter a amizade também depois desse encontro, e lançaram juntos a coletânea de diálogos Nijuuisseiki no Seishin no Kyoukun [Lições Morais do Século 20].

PARTE 63

Na noite do dia 14, data em que se encontrou com o primeiro-ministro Nikolai Tikhonov, Shin’ichi Yamamoto ofereceu um jantar de agradecimento no hotel em que estava hospedado, convidando, entre outras, pessoas que atuaram nas atividades e personalidades das diversas esferas da sociedade russa.

No dia seguinte, visitou a Casa de Tolstói e o museu situados em Moscou.

A residência do grande escritor estava preservada exatamente da forma como fora construída no século 19. Era uma construção de madeira de dois andares e o piso rangia ao ser pisado, fazendo lembrar os tempos antigos. Ele passou os últimos dezenove anos de sua vida nessa casa simples. No escri­tório, havia peças como mesa, cadeira, porta-caneta e tinteiro, exatamente como estavam quando Tolstói era vivo. Ele mesmo cortava as lenhas para pechka (aquecedor russo). Também estava exposto o avental que ele usava quando fazia essa atividade.

Foi nessa casa que surgiu sua última grande obra, Ressurreição, e muitas obras-primas. A comitiva seguiu para o Museu Tolstói. No prédio de teto alto que transmitia a solenidade da história, estavam expostas várias redações da época em que Tolstói era estudante do ensino fundamental, além de seu diário, que escreveu por toda a vida, manuscritos de obras como Guerra e Paz e Anna Karenina, esculturas e pinturas dele.

Dentre esses itens, o que chamou a atenção de Shin’ichi Yamamo­to foi um peso de papel feito de vidro verde, colocado ao lado de um manuscrito censurado. Nele estavam gravadas muitas assinaturas e palavras que exaltavam Liev Tolstói. Foi um presente oferecido pelos trabalhadores de uma fábrica de vidros.

“O senhor teve o mesmo destino que as muitas pessoas grandiosas que foram precursoras de sua época”; “O povo da Rússia o considera como seu nobre e estimado grande homem, e nos orgulharemos disso eternamente”.

Enquanto, de um lado, empenhava esforços na salvação do povo que era forçado à pobreza, do outro, Tolstói lutou com a pena contra todas as mentiras e hipocrisias, como da Igreja e do governo corruptos. Por isso, suas obras foram alvo de rigorosa censura, tiveram a publicação interrompida, e ele foi excomungado pela Igreja. Mas o povo enfurecido o protegeu e bradou veementemente pela justiça.

O povo desperto soube discernir a farsa dos clérigos e buscou uma religião verdadeira em prol das pessoas simples. A sabedoria do povo seleciona as religiões.

PARTE 64

Tolstói continuou a buscar obstinadamente o que seria uma verdadeira religião e uma verdadeira fé.

Ele seguiu enxergando “deus” dentro das pessoas. Este não era o “Deus” pregado na Igreja, mas sim o mais elevado espírito humano, um “deus” como cristalização da voz interior da própria pessoa. E em prol da felicidade das pes­soas do mundo, ele pregou a renovação da moralidade humana, a negação da violência e a resistência ao mal por meio da “não resistência”. Essas declarações contrariavam os ensinamentos da Igreja Ortodoxa Russa da época, que estava intimamen­te ligada ao poder estatal.

Por esse motivo, não só a obra Ressurreição, como também seus argumentos religiosos como “Onde se Encontra a Minha Fé” e “O Reino de Deus se Encontra dentro de Si” tiveram dificuldades para serem publicados no país, e precisou-se recorrer a impressões clandestinas ou a publicações fora do país.

“As vozes de insulto serão recebidas pelas futuras gerações como ecos da glória” — essas são palavras de Victor Hugo que influenciaram significativamente Tolstói.

Em meio às árduas tentativas do governo e da Igreja em conter Tolstói, quem o apoiou foi o povo. Com isso, ele concentrou ainda maior louvor e esperança do mundo. Mahatma Gandhi foi uma dessas pessoas que tinha profunda empatia com seus pensamentos e suas ações.

A excomunhão da Igreja também produziu um efeito totalmente contrário. Nem o governo nem a Igreja passaram a não mais controlar inadvertidamente Tolstói, que tinha o mundo como aliado.

O foco das opressões foi direcionado para os seus discípulos. Vladimir Chertkov foi expulso do país. Pavel Biriukov ficou exilado por oito anos em terras distantes, mas sem jamais se curvar, completou mais tarde a obra biográfica A Vida de Tolstói, com o desejo de deixar registradas a verdade e a grandiosa caminhada do seu mestre.

O povo, que apoiava Tolstói, também foi exposto à pressão; pessoas foram presas só por possuírem um livro dele com venda proibida. No entanto, o povo não se abalou. As pessoas sentiram profundamente sua integridade e sua empatia na forma de ser da religião que ele almejava.

Reprodução/Foto-RN176 Desenho ilustrativa da matéria – Ilustraçõe: Kenichiro Uchida

O valor de uma religião está naquilo que ela proporciona às pessoas. Uma religião em prol das pessoas é aquela que lhes transmite coragem, esperança e sabedoria, fortalece seu coração e lhes possibilita se libertarem dos grilhões de todos os tipos de sofrimento.

PARTE 65

Com a visita à casa e ao museu de Tolstói, Shin’ichi Yamamoto se sentiu fortalecido, como se tivesse obtido coragem com o modo de vida do grande escritor. Shin’ichi refletia profundamente sobre as pala­vras deixadas por Tolstói em seu último diário: “Faça aquilo que tem de ser feito, independentemen­te do que aconteça…”.

Shin’ichi sentia no âmago de sua vida a missão que deveria desafiar por toda a sua existência: “Paz mundial é kosen-rufu mundial”.

A comitiva também conheceu o Pavilhão Espacial do Centro Panrusso de Exposições. Ao observar a exibição, como a dos satélites artificiais, podem-se sentir novamente o empenho e a disposição da União Soviética pela exploração espacial. Shin’ichi Yamamoto relatou suas impressões à pessoa que os acompanhava:

— É uma tecnologia extraor­dinária. Por favor, utilize essa elevada capacidade tecnológica e científica em prol da paz e da prosperidade da humanidade. Com certeza as pessoas do mundo inteiro anseiam por isso.

O dia 16 de maio era o da conclusão da viagem de oito dias à União Soviética e da entrada na Europa, em direção a Frankfurt, Alemanha Ocidental.

Antes de partir, Shin’ichi e comitiva foram convidados pelo ministro Elyutin do Ministério da Educação Especializada do Ensino Fundamen­tal e Médio da União Soviética, e dialogaram navegando pelo canal que liga os rios Moskva e Volga. A conversa a respeito do intercâmbio educacional foi entusiástica. Através das janelas do barco, via-se uma exten­sa e bela paisagem verdejante às margens do canal. Foi por esse canal que Moscou se transformou numa cidade estratégica de grande importância fluvial, ou seja, ela se tornou uma “cidade portuária” que se liga a cinco mares: Branco, Báltico, Cáspio, Azov e Negro.

Shin’ichi ponderou que o intercâmbio educacional era semelhante à construção de um canal. Isso porque é uma tarefa que une pessoas que estão separadas por nações e ideologias visando o futuro, e cria “cidades portuárias” de amizade que levam ao grande oceano da paz.

A comitiva de Shin’ichi partiu do Aeroporto de Sheremetyevo da cidade de Moscou às 19 horas, após receberem os cumprimentos de despe­dida de personalidades como o reitor Logunov. O sol ainda brilhava cintilantemente em Moscou, cidade do norte, no horário de verão. Banhada pelos raios de luz, a aeronave voou alto para o grande céu.

“Muitos companheiros estão me aguardando na Europa!” — assim palpitava com entusiasmo o coração de Shin’ichi.

Conclusão do capítulo “Levantando Voo”

O personagem do presidente Ikeda no romance é Shin’ichi Yamamoto, e seu pseudônimo, como autor, é Ho Goku.

Ilustrações: Kenichiro Uchida