ROTANEWS176 E POR TERRA 02/01/2023 07h28 Por Vanessa Ortiz
João Araújo, conhecido como Didi, atendeu Pelé desde que ele chegou em Santos, em agosto de 1956
Reprodução/Foto-RN176 Didi atendeu Pelé por mais de 60 anos Foto: Vanessa Ortiz
A barbearia de João Araújo, conhecido como Didi, há poucos metros do Estádio Urbano Caldeira, amanheceu cheia. Todos queriam conhecer e ver quem era o famoso cabeleireiro de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Abatido, ele recebeu a todos com muita simpatia e, mesmo rodeado de repórteres, conciliava os atendimentos de fãs do Rei do Futebol.
O Rei do Futebol morreu na tarde da quinta-feira, 29, de falência múltipla de órgãos em decorrência de um câncer de cólon, após ficar internado por um mês. O velório será nesta segunda-feira, 2, na Vila, e o enterro será um dia depois, na terça-feira, 3, às 10h, no Memorial Necrópole Ecumênica.
Ao Terra, ele contou que foi o criador do topete do ex-jogador, há mais de 60 anos. Ainda jovem, com apenas 17 anos, Pelé chegava a Santos, no litoral de São Paulo, para jogar no time que leva o mesmo nome da cidade. A partir daquele 8 de agosto de 1956, o clube não seria mais o mesmo. Aliás, o mundo do futebol não seria mais o mesmo.
Reprodução/Foto-RN176 Didi continua a atender no mesmo espaço, na Vila Belmiro, em Santos Foto: Vanessa Ortiz
Didi lembra bem o dia em que o Rei chegou à cidade. “A primeira vez que eu o vi, Waldemar de Brito já era meu freguês. O Waldemar foi buscar ele em Bauru para vir para cá, no Santos. Quando eles vieram, onde ele passou primeiro foi aqui. Passou aqui, bateu um papo com a gente, conheceu nós e o salão”, conta.
Waldemar de Brito ficou conhecido como descobridor do Pelé. Em 1954, ele estava à frente do Bauru Atlético Clube e se impressionou com a capacidade do então menino correndo atrás da bola. Por isso, trouxe o jogador ao Santos, onde ele se consagrou. Foi a partir daí, que a história do futebol, como conhecemos hoje, mudou. A história mudou também para o João Araújo, que passou a ter o maior ídolo que o esporte já conheceu como cliente e amigo.
Cortes para a vida toda
Didi foi o criador do topete que o Rei do Futebol usava, uma das marcas registradas dele. O cabeleireiro relembra que Pelé não conseguiu cortar o cabelo quando chegou na cidade litorânea, mas, dias depois, voltou ao estabelecimento, que se mantém no mesmo espaço da Vila Belmiro.
O estabelecimento, simples e bem pequeno, é cheio de referências ao ex-jogador e ao time do coração, o Santos. Dentro, além das fotos com Pelé, pôsteres e até recortes de matérias de jornais antigos que falem do clube ou ídolo, há uma cadeira para atendimento, e outros dois ou três bancos para os clientes aguardarem.
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Foi ali, que Pelé cortou seu cabelo pela primeira vez com Didi. “Um dia ele foi cortar o cabelo e falou: ‘ó Di, eu queria que você fizesse um topete, porque ninguém nunca fez para mim’. Falei que ia tentar. ‘Vou trabalhar nesse topete para saber o que você quer’. Mas eu, como sou bom na tesoura, consegui perfilar o topete do jeito que ele gostaria”, conta sorrindo, enquanto fecha o salão, que tem uma placa escrito: “Cabeleireiro do Pelé, e de você também”.
Relação com Pelé
A partir daquele dia, Didi se tornou o cabeleireiro oficial do Rei. “Ele virou cliente e não saiu mais. Foi cliente até um dia desses”, diz com tristeza. Inclusive, desde que Pelé perdeu a mobilidade, Didi ia atendê-lo. “Eu ia até o Guarujá [onde Pelé residia com a esposa, Márcia Aoki], ou até em São Paulo. Era assim”.
A relação dos dois era bem próxima. Inclusive, quando soube da morte do amigo, precisou fechar o estabelecimento, devido a tristeza da notícia. “Nós éramos muito amigos. Foi boa a minha relação com ele, gostava muito do meu amigo, e ele gostava muito de mim”, diz rindo, enquanto uma amiga dele se aproxima, e conta que vai guardar a camisa 10, do Santos, que Pelé autografou especialmente para Didi.
Reprodução/Foto-RN176 Didi exibe a camisa 10, usada por Pelé no Santos Foto: Vanessa Ortiz
O profissional, que tem 84 anos, conta que atendeu seu cliente mais fiel há menos de um ano, quando o ex-jogador já estava tratando o câncer de cólon, que descobriu em setembro de 2021. Ele relembra ainda o último atendimento: “Conversamos um pouco, ele cortou o cabelo e eu vim embora. Desse dia para cá, nunca mais nos vimos”.
Para o idoso, Pelé era como um pai, apesar da idade muito próxima dos dois. O cabeleireiro fala do amigo no presente, como se ele ainda estivesse entre nós, pois assim como para o mundo, Pelé é eterno.
“Ele é uma pessoa muito boa, e nesse tempo todo que nós estivemos juntos, não tenho nada a dizer do Pelé, só elogiar. Ele é um grande homem. Levou o futebol para o mundo todo. Não foi só o Brasil que perdeu, não. Foi uma perda mundial. Igual a esse não vai ter mais, esse veio para ficar na história mesmo”, finaliza.