“É a conexão mais profunda”, diz mãe deficiente visual sobre amamentação

ROTANEWS176 E POR DELAS 03/12/2018 09:00                                                                                                Por Claudia Ratti

Sabrina Porto, 33 anos, fala sobre como amamentar foi a forma que ela encontrou para se conectar à sua filha de maneira única. Leia a história

“Nossos olhos não se encontram, mas nossas mãos sim. Meu calor te envolve enquanto te nutro. Esse é o seu lugar, o meu lugar”. É dessa forma que Sabrina Porto, de 33 anos, descreve os momentos em que amamenta a filha Kendra, de 2 anos e 1 mês. Por ser deficiente visual total, a mãe encontrou na amamentação uma forma de se conectar à pequena de uma maneira única e particular.

Reprodução/Foto-RN176 Sabrina Porto, 33 anos, é deficiente visual e conta em entrevista ao Delas como a amamentação a conecta à filha – Arquivo pessoal

Em entrevista o  Delas , Sabrina conta sobre a jornada de amamentação , que nem sempre é fácil, que tem trilhado coma filha. “Eu sempre tive muita certeza de que eu queria amamentar, mas não entendia nada sobre”, fala.

Quando engravidou, esse desejo se intensificou, e Sabrina mergulhou em um mundo de práticas alternativas ligadas ao parto natural e humanizado. Foi nesse processo que entrou em contato com os benefícios de amamentar e as inúmeras possibilidades que o ato poderia oferecer à sua futura filha.

“ Eu tinha certeza de uma coisa: meu parto não seria como eu queria, mas eu iria amentar”

No entanto, por conta de alterações nos exames e complicações na hora de dar à luz, o sonho do parto natural e em casa não foi possível. Com isso, o desejo de amamentar apenas se intensificou.

“Eu tinha certeza de uma coisa: meu parto não seria como eu queria, mas eu iria amentar. Eu sabia o quanto a nutrição do leite materno era rica e o quanto era importante para a criança. Então, eu sabia que iria amamentar”, fala.

No dia do parto, Sabrina precisou recorrer a uma maternidade para ter uma cesárea e a filha nascer com segurança. A mãe conta que apesar de não ter saído como o planejado, seu marido e sua doula trabalharam para fazer que a experiência da cesariana fosse o mais humanizada e respeitosa possível.

E foi nesse momento que a sua trajetória amamentando a pequena Kendra começou. “Na própria mesa de cirurgia ela já mamou e essa foi a coisa mais incrível do mundo”, relembra.

A mãe conta que durante a gravidez conheceu vários grupos online de mães que trocam experiências sobre a maternidade. Por conta disso, quando a filha nasceu, ela já havia lido muito sobre o ato de amamentar e conhecia as melhores dicas para conseguir nutrir a pequena da melhor forma.

“Eu já tinha lido tanto que consegui fazer a pega!”, fala. Sabrina relembra que foi nessa hora que ela entendeu o que de fato significaria amamentar sua filha. “Quando eu senti aquela boquinha pela primeira vez no meu peito eu senti algo como uma doação profunda. É uma sensação de poder nutrir o seu filho e ser alimento dele”, conta.

Amamentação conecta mãe e filha

Reprodução/Foto-RN176 Por não enxergar, a amamentação foi a forma que Sabrina encontrou para se conectar profundamente à filha – Arquivo pessoal

 Pelo fato de Sabrina ser uma pessoa com deficiência visual total, ela encontrou na amamentação uma forma de se conectar e até se comunicar com a filha. “É a calma dela, é o nosso aconchego, é o contato. É a nossa conversa silenciosa”, diz.

Ao contrário do que se pode imaginar, a falta de visão não foi um empecilho. Na verdade, foi uma ponte para uma conexão profunda. “Embora eu não enxergue e a gente não consiga trocar olhares, nós encontramos outras formas de nos comunicarmos”, afirma.

“ É a calma dela, é o nosso aconchego, é o contato. É a nossa conversa silenciosa”

Dessa forma, o tato foi sentido que se tornou um grande aliado de Sabrina e Kendra. A mãe relembra que desde muito pequena a filha tem o toque como principal contato com ela. “Às vezes ela mama de olhinho fechado e faz carinho no meu rosto. Em 90% das vezes em que ela mama é segurando a minha mão ou fazendo carinho. É a conexão mais profunda que eu tenho com ela”, comenta.

Apesar de descrever com muito carinho esse momento que tem com a filha, Sabrina reconhece que não é possível romantizar a amamentação . “Embora seja cansativo, afinal, existem noites difíceis e reconheço que não é um mar de rosas, mas, sim, é uma conexão muito profunda”.

A mãe entende o ato de amamentar como uma forma natural de acalmar e nutrir a filha, sem precisar recorrer aos acessórios de plástico, como mamadeiras ou chupetas.

Além disso, Sabrina entende o amamentar como uma conexão que se limita apenas a ela e a filha. Por isso, é algo tão especial. “Eu tenho um marido super companheiro e que faz tudo, mas ele sempre me fala: ‘a única coisa que eu não posso fazer é amamentar’. E é isso. É uma coisa que ninguém pode fazer por mim. Somos só eu e ela. É algo nosso”.

Sabrina ainda comenta que mesmo conhecendo muito sobre o tema e com a certeza de que iria amamentar, a insegurança em relação a esse momento foi uma realidade durante a gestação.

“ É uma dança muito linda e muito nossa, que ninguém consegue dançar por nós”

“Eu tinha muito medo por não enxergar. Eu me perguntava como seria quando ela olhasse para mim e não encontrasse o meu olhar de volta, porque eu sei que quem enxerga troca muito olhar na hora de amamentar”, lembra a mãe.

“Mas nós descobrimos juntas o nosso caminho de toque, de aconchego, de abraço. Eu faço carinho no cabelo dela, ela faz carinho em mim… É uma dança muito linda e muito nossa, que ninguém consegue dançar por nós”, conta.

Dificuldades da amamentação

Reprodução/Foto-RN176 O preconceito com pessoas com deficiência visual, como Sabrina, foi um dos fatores que dificultou a amamentação – Arquivo pessoal

Sabrina conta que nem sempre foi fácil trilhar esse caminho com Kendra, principalmente pelo fato de ela e o marido serem  deficientes visuais totais. De acordo com a mãe, houve muito preconceito em relação a isso e várias pessoas chegaram a acreditar que eles não seriam capazes de cuidar da filha e, no caso dela, de nutrir Kendra. Ainda na maternidade chegaram a oferecer fórmulas infantis à criança, afirmando que ela estava com baixa glicemia – o que não era verdade.

No primeiro ano de vida de Kendra, as dificuldades continuaram com profissionais afirmando que o leite de Sabrina não era suficiente para o desenvolvimento da criança. “Misturou-se o preconceito em relação à amamentação com o preconceito relação à nossa deficiência porque acharam que nós não seríamos capazes de cuidar dela”, fala. Apesar de todas as dificuldades, a mãe e o pai seguiram e provaram que ambos são capazes de garantir o desenvolvimento da filha.