ROTANEWS176 E UOL 08/05/2016 22h20
Reprodução/Foto-RN176 Obama dando nó na sua gravata na em sua residência presidencial
Quando Barack Obama trabalhava como assistente comunitário na triste paisagem de decadência industrial do South Side de Chicago nos anos 80, tentava seguir um lema da profissão: “Sonhemos com o mundo como gostaríamos que ele fosse, mas lidemos com o mundo como ele é.”
A simples ideia de Barack Obama na presidência era impossível de imaginar no mundo como ele era então. Mas, três décadas depois, tornou-se uma realidade, e uma variação desse lema parece apropriada para o momento que atravessamos: “Paremos de comparar Obama com o Presidente que pensámos que ele poderia ser, e lidemos com o Presidente que ele tem sido.”
Após mais de sete anos de permanência na Casa Branca, Obama está a organizar os seus últimos meses, antes que a sua presidência deslize do presente para o passado, das manchetes diárias para aos livros de História. Isso só acontecerá efectivamente ao meio-dia do dia 20 de Janeiro do próximo ano, mas o debate sobre a sua herança começou muito antes e tem-se intensificado à medida que ele se aproxima dos últimos metros da sua improvável e surpreendente carreira política.
Das muitas maneiras de olhar para a presidência de Obama, a primeira é inseri-la na sequência da sua vida. O passado é o prólogo para todos os presidentes, de forma mais ou menos acentuada, mesmo que este trabalho os desafie de formas que nada do que viveram antes conseguiria. Para Barack Obama, a linha que liga a história da sua vida com a realidade do que ele tem sido enquanto 44.º presidente é evidente e consistente.
A primeira ligação envolve uma forma de ambição característica de Obama. O seu desígnio político surgiu relativamente tarde. Não foi um líder na escola primária, nem na secundária, nem na universidade. Ao contrário de Bill Clinton, não tinha uma mãe a dizer a toda a gente que o seu filho acabado de entrar para a primeira classe iria ser presidente quando fosse crescido. Quando Obama era criança em Honolulu, o seu avô branco gabava-se de que o seu neto era um príncipe havaiano, mas isso era mais para explicar a cor da sua pele do que para promover aspirações familiares.
Mas mal a ambição se apossou de Obama, fê-lo com um intenso sentido de missão, por vezes raiado por dúvidas sobre si próprio mas na maior parte das ocasiões repleto de confiança, aproximando-se até do messianismo. No final do seu segundo ano no Occidental College [faculdade em Los Angeles] começou a falar acerca da sua vontade de mudar o mundo. No final do seu período como assistente comunitário em Chicago, começou a falar sobre como a única forma de mudar o mundo era através do poder das eleições. Quando em 2000 foi derrotado, pela única vez na sua carreira, nas eleições para um lugar no Congresso, questionou-se sobre se estaria realmente destinado a grandes feitos, tal como pensava estar, mas rapidamente chegou à conclusão de que necessitava de outra prova e começou a preparar-se para concorrer pelo estado do Illinois ao Senado, para onde conseguiu ser eleito em 2004.
Foi essa mentalidade que o colocou na Casa Branca. Não foi um descuido de linguagem ter dito na campanha eleitoral de 2008 que queria imitar Ronald Reagan e alterar “o rumo da América” de formas que os mais recentes presidentes, incluindo Clinton, não tinham conseguido. Obama não queria apenas ser presidente. A sua missão era deixar uma herança enquanto Presidente com resultados práticos, o equivalente liberal de Ronald Reagan. Para se comparar com os presidentes mais conceituados, e para aprender com os seus legados, teve reuniões privadas na Casa Branca com um grupo de elite de historiadores norte-americanos.
Obama não queria apenas ser presidente. A sua missão era deixar uma herança enquanto Presidente com resultados práticos, o equivalente liberal de Ronald Reagan
David Maraniss
Actualmente é cada vez mais possível argumentar que ele se aproximou do seu objectivo. As suas decisões foram incapazes de minorar a vaga de desastres humanos na Síria, e até agora falhou no encerramento de prisão de Guantanamo, em Cuba, e não conseguiu mais do que pequenas alterações em duas questões internas a que dá muita atenção – a imigração e o controlo de armas de fogo. Mas do Affordable Care Act [a reforma também conhecida como Obamacare] à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e ao acordo nuclear com o Iraque, do programa de estímulos que iniciou a lenta recuperação da recessão de 2008 ao resgate da indústria automóvel de Detroit, das iniciativas face ao aquecimento global e energias renováveis ao veto do oleoduto Keystone, da retirada de tropas de combate do Iraque e do Afeganistão e a morte de Osama bin Laden ao reatamento de relações com Cuba, os feitos liberais foram-se acumulando, qualquer que seja a nossa opinião sobre as suas políticas.
E tudo isto foi feito enquanto enfrentava críticas de vários sectores por parecer distante, se não mesmo arrogante, por não ser mais resoluto nas suas relações com os membros do Congresso de ambos os partidos, por não se zangar o suficiente em ocasiões em que alguns pensavam que o devia fazer, ou por não ser um líder agressivo e dominador.
Uma promessa de unidade
Os seus sucessos foram enquadrados por dois actos vindos dos seus adversários numa tentativa de lhe diminuir a autoridade. Primeiro, uma promessa dos líderes republicanos de que tudo fariam para que ele fosse um Presidente de apenas um mandato; no final, quando faltavam apenas onze meses para terminar o seu segundo mandato, juraram que iriam impedir que ele nomeasse alguém da sua confiança para o importante lugar no Supremo Tribunal que ficara vago com a morte de Antonin Scalia, o ícone conservador. Os seus anos na Casa Branca também assistiram a uma tentativa de o deslegitimar a nível pessoal, envolvendo a sua vida em mitos falaciosos – questionando se ele não seria um estrangeiro no meio do nosso povo, tendo afinal nascido em segredo no Quénia, apesar de haver documentos que provam o contrário, e insinuando que ele seria muçulmano, algo que também contrariava factos provados. Some-se a tudo isto um novo e estridente mundo tecnopolítico de intermináveis opiniões e julgamentos instantâneos e uma erosão, que dura há décadas, da estabilidade económica da classe operária e da classe média e que estava a fazer com que cada vez mais pessoas, de várias ideologias, se sentissem relegadas para trás, com dúvidas, iradas e divididas, conduzindo a uma situação nacional em nada propícia à promessa de unidade que levou Obama para a Casa Branca.
Reprodução/Foto-JRN176 Do álbum de fotografia da família: Barack Obama, com a mãe Ann Dunham
Obama tem muitas responsabilidades no que toca à forma como a sua presidência foi percepcionada, na medida que a sua retórica de campanha eleitoral elevou as expectativas de que poderia eliminar a crescente divisão política nacional. A sua ascensão política iniciou-se em 2004, quando o seu discurso de apresentação na Convenção Democrática o instalou no imaginário nacional, baseando-se na sua capacidade única de entrecruzar a sua vida pessoal – filho de pai queniano e mãe vinda de uma pequena cidade do Kansas – com um qualquer desígnio transcendente e transversal. Unidade na diversidade, o ideal do mosaico americano que estava constantemente a ser posto à prova, geração após geração, em parte realidade, em parte mito. Apesar de Obama ter romantizado a relação entre os seus pais, que foi breve e disfuncional, a sua história de comunidade era mais do que uma construção destinada à campanha eleitoral: estava profundamente enraizada na ideia que fazia de si próprio.
Quando era jovem, Obama por vezes sentia-se afastado dos seus colegas de escola e faculdade, de variadas raças e crenças, enquanto os observava a instalarem-se em nichos bem definidos de cultura, apresentação e ocupação. Disse a um amigo que sentia “montes de inveja deles”, mas acreditava que devido à sua própria história pessoal, à sua ascendência inter-racial, às suas vivências num Havai multicultural e na exótica Indonésia, e à sua infância sem “estrutura ou tradição em que me apoiar”, não tinha outra solução senão tentar abraçar o mundo o mais que pudesse. “A única forma de amenizar o meu sentimento de isolamento era absorver todas as tradições (e todas as) classes, torná-las minhas, e tornar-me delas”, escreveu. Estas ideias manteve-as ao longo da sua carreira política no Illinois e no caminho para a Casa Branca, onde elas foram colocadas à prova como nunca antes lhe acontecera.
Reprodução/Foto-RN176 O discurso de apresentação na Convenção Democrática em 2004 instalou o então senador do Illinois no imaginário nacional REUTERS
Na maioria dos políticos, as suas forças são também as suas fraquezas, e as suas fraquezas são também as suas forças. No caso de Obama, torna-se visível na sua descontracção. Na sua presidência houve por vezes apelos vindos de todos os quadrantes para que ele se mostrasse mais activo. Foi criticado pelos liberais por não atacar mais os republicanos que estavam a atrasar a implementação das suas medidas, ou os banqueiros e credores de Wall Street cujas jogadas gananciosas e irresponsáveis ajudaram a arrastar o país para a recessão. Foi criticado pelos conservadores por não ser mais firme e afirmativo na denúncia dos terroristas islâmicos, ou por não ser mais beligerante no confronto com o Presidente russo, Vladimir Putin.
A sua descontracção enquanto Presidente pode ser melhor compreendida olhando para as forças sociológicas que o moldaram antes de chegar a Casa Branca. Exista um provérbio havaiano que diz: “O mais importante é manter a calma.” Foi nessa cultura que Obama se fez adolescente na ilha de Oahu, e antes disso nos quatro anos em que viveu com a sua mãe em Jacarta, na Indonésia. Nunca mostrar demasiado de si. Nunca se precipitar. Manter uma distância pessoal e viver segundo o seu próprio ritmo e noção do tempo. Esta sensibilidade foi exacerbada quando desenvolveu uma paixão pelo jazz, o estilo musical mais “cool” e descontraído, enquanto parte da sua aprendizagem autodidacta da sociedade negra veio dos tempos em que vivia com os seus avós brancos num local com muito poucos afro-americanos. À medida que entrava no mundo da política, a sociedade predominantemente branca demonstrou-lhe de forma bem clara os perigos de se afirmar como um jovem negro colérico. Enquanto assistente comunitário, trabalhou a capacidade de liderança sem falar sobre isso abertamente, fazendo com que os moradores sem posses que ele ajudava a organizar-se sentissem a sua própria sensação de poder. Enquanto professor de Direito Constitucional na Universidade de Chicago, desenvolveu o gosto pelo pensamento racional.
Diferentes abordagens
Tudo isto formou um Presidente que estava confortável a trabalhar calmamente, a determinar o seu próprio ritmo, à espera que as circunstâncias se virassem a seu favor.
Reprodução/Foto-RN176 Obama ensaia um salto enquanto grava um vídeo para um programa de TV sobre o plano de reformas que ficou conhecido como Obamacare PETE DE SOUZA/CASA BRANCA
Mostrou-se ele demasiado descontraído nas suas relações com outros políticos? Uma maneira de considerar esta questão é comparando-o com Bill Clinton. Ambos saltaram do isolamento geográfico, Havai e Arkansas, longe dos centros do poder, em estados que nunca antes haviam fornecido presidentes da República. Ambos provêm de famílias problemáticas caracterizadas por ausência do pai e por alcoolismo. Ambos sentiram por vezes uma sensação de abandono. Obama tinha ainda o desafio adicional de tentar resolver a sua identidade racial. Mas os dois lidaram com situações muito parecidas de formas diametralmente opostas.
Em vez de encarar de frente os problemas e as contradições da vida, Clinton especializou-se apenas em rodeá-las e afastá-las. Tinha uma necessidade insaciável de estar rodeado de outras pessoas para se afirmar. Quando era adolescente chamou um amigo para ir a sua casa apenas para ficar a vê-lo a resolver um problema de palavras cruzadas. A sua vida passou a girar em redor da sobrevivência e de controlar o ambiente que o rodeava. Mantinha caixas de sapatos cheias de cartões com os nomes e os telefones de pessoas que poderiam vir a ajudá-lo. Caracterizava-se por estar sempre a olhar para o futuro. Cada dia de manhã, ao acordar, perdoava-se a si próprio… e seguia em frente. O seu lema era “O que é se segue?”. Aperfeiçoou essas capacidades e tornou-se uma força da natureza política, um especialista em transacções políticas. Foi isso que o carregou até à Casa Branca, e foi isso que o meteu em sarilhos na Casa Branca, e o safou dos problemas, num ciclo interminável de quedas e recuperações.
Obama passou a maior parte dos seus anos de jovem adulto – desde que saiu do Havai para o continente e para a universidade em 1979 até à altura em que deixou Chicago para se instalar na Faculdade de Direito de Harvard, cerca de uma década mais tarde – a tentar perceber quem era, a examinar as contradições raciais, culturais, pessoais, sociológicas e políticas que a vida lhe colocava. Interiorizou tudo, primeiro retirando-se do mundo durante um período na cidade de Nova Iorque e depois lentamente regressando à medida que ia descobrindo a sua identidade enquanto assistente comunitário em Chicago.
Reprodução/Foto-RN176 Obama e Clinton — formas diferentes de manter o poder PETE DE SOUZA/CASA BRANCA
Em vez de investir em frente incessantemente, como fazia Clinton, Obama reduziu o ritmo. Todos os dias, mal acordava, escrevia o seu diário, analisando o mundo e o seu lugar nele. Emergiu desse processo com uma noção e uma crença em si próprio que o ajudaram a subir no mundo da política até chegar à Casa Branca, e que depois lhe criaram problemas na Casa Branca, ou pelo menos originaram críticas à forma como trabalhava. Sentia que se tinha conseguido resolver as contradições da sua vida, por que razão não conseguiria o resto do país resolver as grandes contradições da vida norte-americana? Por que não conseguia o Congresso fazer o mesmo? A resposta dos republicanos foi que as acções do Presidente eram diferentes das suas palavras, e que utilizava a linguagem do compromisso mas muitas vezes não agia de acordo com ela. Tinha montado uma impressionante organização para ser eleito, mas baseava-se mais na ideia de Obama do que num longo historial de contactos pessoais. Não tinha um equivalente à caixa de sapatos de Clinton cheia de aliados, e não partilhava a profunda necessidade do seu antecessor democrata de estar sempre com gente à volta. Não tinha o interesse no lado pessoal da política que era uma segunda natureza de presidentes como Clinton ou Lyndon Johnson.
Políticos de ambos os partidos queixaram-se de que Obama parecia distante. Não os chamava muitas vezes. Quando podia estar a confraternizar com membros do Congresso, lisonjeando-os e fazendo-os sentir-se importantes, muitas vezes regressava para a sua residência para jantar com a mulher, Michelle, e as duas filhas, ou ia jogar golfe com o mesmo restrito e íntimo grupo de amigos da escola secundária e funcionários da Casa Branca.
E aqui é necessário fornecer um contexto histórico. Muita da vida anterior de Obama tinha sido uma longa busca de um lar, o qual ele finalmente encontrou em Michelle e nas filhas, Malia e Sasha. Alturas houve, era Obama senador pelo Illinois e vivia durante alguns meses num quarto de hotel em Springfield, em que Michelle lhe fez ver a sua infelicidade pela obsessão do marido pela política, e em como aquele sentimento de pertença a um lar, pelo qual ele tanto tinha lutado, poder estar em perigo. Após chegar à Casa Branca, e com todas as solicitações sobre o tempo de que dispunha, se tivesse hipótese de escolha, sentia-se mais inclinado a estar com a sua família do que a sair com políticos. Isto era tanto uma força como uma fraqueza, enriquecendo a imagem da primeira família presidencial negra.
Uma questão complexa
O facto de Obama ter sido o primeiro Presidente negro, e de a sua família ser a primeira família presidencial americana negra, concede-lhe um lugar incontestado nas páginas da História. Pouco tempo após ter tomado posse, a simples menção desse facto parecia já irrelevante, se não mesmo aborrecida, mas não esqueçamos que quando foi eleito pela primeira vez, em 2008, se tratou de um acontecimento que abalou preconceitos, e a sua magnitude e os seus efeitos não parecem tender a diminuir. Mesmo que alguma da retórica política do ano que corre apele a um regresso a uma antiga América, o mais provável é que, à medida que o século avance, e independentemente do que acontecer na eleição presidencial de 2016, Obama venha a ser visto como o pioneiro que quebrou um arcaico e distante período de 220 anos de dominação branca e masculina.
Reprodução/Foto-RN176 O Presidente dos Estados Unidos Barack Obama e sua esposa Michelle Obama no hall do salão da Casa Branca em Fevereiro de 2015 – PETE DE SOUZA/CASA BRANCA
Mas que tipo de Presidente negro tem ele sido? A sua vida lança luz sobre a complexidade desta questão. A sua mãe, branca, que cuidadosamente lhe ensinou a história dos negros desde tenra idade, mas que morreu quase dez anos antes de o filho chegar à Casa Branca, teria ficado orgulhosa por ele ter quebrado a barreira racial. Mas também lhe incutiu o ideal humanista da universalidade da Humanidade, uma filosofia que ela exemplificou com a própria vida, casando-se com um queniano e mais tarde com um indonésio e trabalhando para ajudar as mulheres dos países mais pobres do Mundo. Obama acabou por encontrar a sua paz e conforto enquanto homem negro com uma família negra, mas a sua persona pública e a sua persona política eram mais parecidas com a da sua mãe.
Em várias ocasiões da sua carreira Obama enfrentou críticas, vindas de alguns afro-americanos, de que ele, por não ter crescido numa comunidade de minorias e por ter tido um percurso académico em universidades de elite, não seria “suficientemente negro”. Este argumento foi uma das razões pelas quais perdeu a eleição para o Congresso em 2000 para Bobby L. Rush, um antigo Black Panther, mas a sorte muda e as atitudes mudam com ela: não há cena mais impressionante e reveladora, no último discurso de Obama no Congresso sobre o Estado da Nação, do que a do congressista Rush ansiosamente à espera na coxia e a estender o braço na esperança de ser reconhecido pelo Presidente que por ali passava.
Enquanto Presidente, Obama raramente abandonou a postura institucional para revelar o que lhe ia no íntimo. Mostrou-se sempre relutante em trazer a questão racial para a discussão política, e nunca afirmou publicamente aquilo em que muitos dos seus apoiantes acreditavam – que parte do antagonismo face à sua presidência tinha base no racismo. Ele queria ser avaliado pelo conteúdo da sua presidência e não pela cor da sua pele. Uma excepção surgiu em Julho de 2013, quando Trayvon Martin, um adolescente negro desarmado, foi atingido e morto na Florida por um vigilante de bairro armado com uma arma de fogo. Falou sobre ter partilhado a experiência de afro-americanos, ao serem perseguidos quando estavam a fazer compras num centro comercial, ou serem ignorados por um táxi na rua, ou um carro a fechar o sistema de segurança quando se aproximavam – tudo coisas que, afirmou, também lhe tinham acontecido. Declarou que Trayvon Martin podia ter sido seu filho, e depois acrescentou: “Outra forma de dizer isto é: Trayvon Martin podia ter sido eu há 35 anos.”
Reprodução/foto-RN176 Visia de Barack Obama ao Quénia, terra-natal do pai do 44.ª Presidnete dos Estados Unidos REUTERS
Quase dois anos mais tarde, em Junho de 2015, Obama atingiu o que pode ser considerado o ponto emocionalmente mais poderoso da sua presidência, um momento que fica como herança, ao encontrar uma mensagem universal numa expressão retirada de um espiritual negro. Vezes sem conta durante os seus dois mandatos ele tinha conseguido realizar a difícil tarefa de tentar consolar a nação após mais um tiroteio e assassínio em massa, engasgando-se com as suas lágrimas sempre que falava de como as crianças eram as vítimas, como tinha acontecido em 2012 na Escola Primária Sandy Hook, em Newton, estado do Connecticut. Agora estava mais numa vez a enviar uma mensagem profundamente sentida, no fim de uma cerimónia fúnebre em Charleston, na Carolina do Norte, em honra do reverendo Clementa Pinckney, um dos nove afro-americanos mortos por um jovem atirador branco durante um serviço religioso na Emanuel African Methodist Episcopal Church. É pouco provável que qualquer outro Presidente tivesse feito o que Barack Obama fez naquele dia, quando todas as diferentes partes da sua história de vida se uniram com um desejo nacional de reconciliação e começou a cantar: “Amazing grace, how sweet the sound, that saved a wretch like me…[Maravilhosa graça, quão doce é o som, que salvou um miserável como eu…].”