Estratégia evangélica é ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário, diz pesquisadora

ROTANEWS176 E FOLHA DE SÃO PAULO 31/10/2016 02:00

ELEIÇÕES 2016

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Reprodução/Foto-RN176 A professora Christina Vital, 42, da Universidade Federal Fluminense, estuda há mais de 15 anos a relação de evangélicos com a politica

THAIS BILENKY                                                                                                                                     31/10/2016  02h00

A vitória do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, na eleição municipal do Rio é um passo fundamental na estratégia do segmento evangélico de ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário.

Para a pesquisadora Christina Vital, 42, da Universidade Federal Fluminense, que estuda a atuação política dos neopentecostais, conseguir chegar à Presidência da República é importante para eles como estratégia para barrar no Supremo Tribunal Federal temas de minorias -como a pauta gay- que travam embate com esses religiosos.

O crescimento do PRB, partido ligado à Igreja Universal, porém, causa tensão entre outras denominações, que se veem ameaçadas por seu poderio político e econômico.

Folha – Qual é a consequência da vitória de Marcelo Crivella no Rio para os evangélicos na política?
Christina Vital – Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação do espaço público.

Muitas lideranças da Assembleia de Deus e outras denominações veem com apreensão o crescimento de uma corrente que não lhes representa e é avassaladora em termos econômicos e de ocupação do espaço público.

Mas, por outro lado, desde pelo menos 2014, há um investimento de importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos Executivos. No Legislativo, é mais fácil, você fala para um núcleo. Para o Executivo, tem de conciliar a fala para a base religiosa com a fala para a sociedade em geral.

Essa unidade pode crescer para 2018?
A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.

A Assembleia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista já o apoiam. Até o momento, a Universal do Reino de Deus consegue ser inimiga de católicos e de outros evangélicos. Tem uma condição muito singular. E pensar que teve queda no número de fieis desde 2000. Os religiosos da Universal dialogam para muito além do universo religioso. Têm uma pauta mais conservadora, neoliberal.

Os resultados municipais de 2016 evidenciam uma mudança na estratégia, com discurso mais moderado ou perfis mais palatáveis para o eleitorado que não é evangélico?
Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.

Em uma candidatura majoritária, não se pode ter referência apenas em uma base, você tem de falar para um público mais geral. E aí eles ativam elementos que não são evidentemente religiosos, como a forte inclinação para falar do cuidado com as pessoas, da atenção, e motivação da individualidade.

Em 2011, Crivella disse que Lula ajudou a Universal a se expandir dentro e fora do Brasil. Além disso, dirigentes do PSDB o apoiaram no segundo turno. Em que medida políticos tradicionais facilitaram o crescimento de quadros evangélicos no país?
Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação.

Os partidos e todo candidato têm interesse em números de massa. E as organizações religiosas são em estatística de associativismo das poucas que continuam crescendo.

A ocupação do Executivo mira o Judiciário?
No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a ‘cabeça’, falou exatamente a palavra ‘cabeça’, em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.

A gente acompanha o crescimento de mobilização de juízes evangélicos ou sensíveis à causa evangélica na Associação de Juristas Evangélicos, que se espelha na Associação de Juristas Católicos, da qual Ives Gandra Martins é o grande representante.

Desde pelo menos 2006, o Judiciário tem sido o Poder que vinha possibilitando a garantia de direitos de algumas minorias, direitos esses ameaçados, digamos assim, pelo comportamento legislativo. Os evangélicos falam de uma judicialização da política e eles estavam se organizando para combatê-la

Crivella afirmou que a sua entrada na política foi imposta pela Universal, a despeito de sua resistência. Como se dá a escolha de quadros na igreja para serem lançados?
Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.

Mangabeira Unger apontou benefícios na ascensão de evangélicos por sua ‘bênção à prosperidade’. A senhora concorda?
Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.

A bandeira de Benjamin Franklin e do calvinismo, que forma a base do discurso do comportamento americano, é muito diferente da teologia da prosperidade, que tem a ver com consumo e ostentação, com individualidade, e não com produção, contenção, disciplina do trabalho e coletividade. Isso é preocupante, não a ascensão dos evangélicos de modo geral.

O PRB em São Paulo lançou o deputado Celso Russomanno à prefeitura, que é católico e tentou se dissociar da religião. Qual é o espaço para o laicismo no partido?
O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.

As igrejas aumentam a sua influência inclusive entre o crime organizado, e políticos ligados a milícias declararam apoio a Crivella. Até onde vão as concessões de evangélicos nas negociações políticas?
Tem de ter pragmatismo, porque o universo politico demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.

Mesmo esses religiosos no Congresso Nacional não representam todos os evangélicos no Brasil em todas as pautas. Na questão do aborto e LGBT, sim, há correspondência. Mas na pauta da arma e da pena de morte, há enorme descompasso, segundo o Datafolha. Os religiosos no Congresso são mais conservadores. Eles têm interesses para muito além do universo religioso, propriamente, passam por interesses pessoais e partidários.

Os evangélicos no Brasil são, em geral, contra a pena de morte, contra a ampliação do armamento e contra o Estado liberal, defendem o Estado protetor. Enquanto a maior parte dos políticos religiosos no Congresso é a favor do liberalismo. Tem um descompasso aí.