Boeing 707 da Varig foi sequestrado três vezes e direcionado para Cuba em todas as ocasiões
ROTANEWS176 E AIRWAY 29/09/2016 00h00 THIAGO VINHOLES
AVIAÇÃO COMERCIAL
Reprodução/Foto-RN176 O “PP-VJX” voou com a Varig até 1986; em seguida foi vendido a FAB (Domínio Público)
No final da década de 1960, o Brasil, então comandado pela ditadura militar, passava por um dos momentos mais críticos de sua história, com uma série de grupos contrários ao governo, e muitos deles armados. Militantes e fugitivos políticos tentavam sair do país a todo momento. O destino mais procurado era Cuba, que fornecia auxílio e treinamento a praticamente qualquer movimento disposto a lutar contra regimes aliados dos Estados Unidos. Mas como chegar até a ilha de Fidel Castro?
De avião, oras! Entre 1969 e 1972, 15 aviões foram sequestrados no Brasil, quase todos direcionados para Havana. De todos esses incidentes, três deles aconteceram com o mesmo avião, o Boeing 707 “PP-VJX”, da Varig, num intervalo de menos de seis meses. Devido a frequência de capturas, tripulantes apelidaram a aeronave de “Expresso Cubano”.
O primeiro sequestro aconteceu no dia 4 de novembro de 1969, no voo RG863, quando a aeronave realizava o trecho Buenos Aires – Santiago do Chile, originado no Rio de Janeiro, do aeroporto do Galeão. O 707 voava com 89 passageiros e 12 tripulantes, quando os sequestradores, nove homens e uma mulher, armados com pistolas exigiram que o avião fosse desviado para Havana.
O Boeing estava a apenas 30 minutos de Buenos Aires e não tinha combustível suficiente para realizar o longo voo até Cuba, a partir daquele ponto. Desta forma, os sequestradores, todos brasileiros, exigiram que o avião fosse direto para Santiago do Chile, onde deveria ser reabastecido e em seguida voar para Havana.
Na parada rápida realizado no Chile, os captores permitiram que uma mulher grávida e seu marido desembarcassem da aeronave.
Os sequestradores do voo da Varig eram membros do grupo terrorista brasileiro “Frente de Libertação Nacional”, e queriam viajar até Cuba para receber treinamento militar e sobre técnicas de guerrilha. Com os taques reabastecidos, o VJX decolou às 17h33 da capital chilena e seguiu para Havana, em uma viagem que durou cerca de 10 horas. A aeronave aterrissou no Aeroporto José Marti, em Havana, às 1h28 do dia 5.
Reprodução/Foto-RN176 Equipe de televisão acompanha a parada do PP-VJX em Santiago do Chile
Na capital cubana, os passageiros e tripulantes foram desembarcados e submetidos a interrogatórios. Em seguida, foram levados ao Hotel Riviera. O avião da Varig ficou 15 horas retido em Cuba e pode decolar somente a tarde. No voo de volta ao Rio de Janeiro, a aeronave realizou uma escala em Nassau, Bahamas, e reabasteceu em Caracas, na Venezuela, onde o capitão da aeronave, o comandante Geraldo Knippling, ordenou a saída de quatro passageiros que insistiam em voar direto para Santiago do Chile, inclusive ameaçando sequestrar o avião novamente!
O voo RG863 terminou somente no dia 6, às 18h26, quando a aeronave finalmente pousou no Galeão, onde foi cercada pela polícia. Passageiros e tripulantes, depois do interrogatórios em Cuba e a longa viagem, também foram interrogados pelas autoridades brasileiras, ainda no mesmo dia. Três semanas depois, o mesmo avião da Varig…
Reprodução/Foto-RN176 A imprensa também acompanhou o Boeing da Varig em Bahamas
Kit Cuba
Nos anos 1960 e 1970, sequestros de aviões eram comuns no mundo todo. Não havia praticamente nenhum controle de segurança nos aeroportos antes do embarque dos passageiros nas aeronaves. Nesse período, a América Latina e os EUA foram os principais protagonistas desses casos, e Cuba quase sempre era o destino exigido pelos sequestradores.
Devido ao alto risco, a Varig já havia colocado em seus aviões de rotas internacionais um conjunto de cartas e mapas para os procedimentos de aproximação do aeroporto de Havana, para o caso de uma eventualidade – a tripulação do voo RG863 tinha esse manual. Nos EUA, as companhias aéreas também deixavam na cabine um guia de frases básicas em espanhol para os caso dos pilotos precisarem negociar com sequestradores, quase sempre de origem latina.
O segundo sequestro VXJ
No dia 28 de novembro de 1969, 22 dias após ser sequestrado, o mesmo Boeing 707 da Varig realizava o voo RG827, que partia de Paris, fazia escala em Londres, e tinha como destino o Rio de Janeiro. A aeronave decolou da capital francesa às 18h48, e cerca de 20 minutos depois, quando passava por Portugal, um passageiro de nacionalidade argelina, armado com uma pistola e uma faca, invadiu a cabine de comando e anunciou o sequestro da aeronave. Sua exigência? Desviar o avião para Havana.
Reprodução/Foto-RN176 Escala do PP-VJX em Caracas, antes do voo para o Galeão
O Boeing, pilotado pelo comandante Délio Lima, voava com 81 passageiros e 15 tripulantes. A ordem do sequestrador foi obedecida e o avião seguiu para Cuba. Antes de pousar em Havana, a aeronave precisou reabastecer em Porto Rico e conseguir um “kit Cuba”, com os dados para pousar na ilha no Caribe. Chegando em Havana, todos os ocupantes foram interrogados pela polícia cubana e enviados para o Hotel Riviera, nesse tempo o principal ponto de descanso para quem era sequestrado.
À noite, o VJX foi liberado e pode retornar ao Brasil. Na volta, o 707 da Varig parou em Caracas para reabastecer e também repor a comida a bordo, que já havia acabado. O Boeing pousou no Rio às 13h52 do dia 30, após mais uma longa jornada forçada.
Terceiro sequestro
O último sequestro do “Expresso Cubano” ocorreu no dia 12 de março de 1970. A aeronave fazia o voo RG862, de Santiago do Chile para Nova Iorque, com escalas em Buenos Aires e Rio de Janeiro.
Logo após decolar no Chile, em direção a Argentina, o comandante Floriano Bortolo Scalabrim foi avisado pelos comissários de que um homem armado havia feito uma aeromoça refém, ordenando, como de costume, o desvio imediato do avião para Havana.
Reprodução/Foto-RN176 O Boeing 707 era o principal avião da Varig nos anos 1970, em rotas internacionais (Frank C. Duarte Jr)
O combustível que o Boeing da Varig carregava não era o suficiente para realizar o trajeto até Cuba, e assim a aeronave precisou retornar a Santiago para completar os tanques. A bordo da aeronave estavam 28 passageiros e 13 tripulantes. O jato decolou novamente às 20h30 e em cerca de nove horas alcançou Havana.
O VJX pousou na capital cubana às 4h30 do dia 13 e todo procedimento de rotina foi realizado, com o interrogatório de passageiros e tripulantes, seguido do repousou do Hotel Riviera. Dessa vez, no entanto, o Boeing da Varig foi liberado somente dois dias depois de pousar da ilha. Nesse tipo de situação, a devolução das aeronaves era negociada pela embaixada da Suíça em Cuba, pois o Brasil ainda não tinha relações diplomáticas com Cuba.
No dia 15, o avião decolou do Aeroporto José Marti às 19h30, com escala em Caracas às 23h30 (hora de Brasília). Em seguida o 707 partiu para o Galeão, onde aterrissou às 5h55 da manhã do dia 16 de março.
Na noite daquele mesmo dia o VJX foi escalado para voar até Miami, nos EUA, com escala em Belém do Pará, seguindo com valentia sua carreira de voos comerciais com a Varig, sem sofrer mais nenhum sequestro. O avião mais sequestrado da história voou com a empresa gaúcha até 1986, ano em que foi vendido para a Força Aérea Brasileira (FAB) e transformado na versão KC-137.
Reprodução/Foto-RN176 O antigo Boeing da Varig voou até 2013 com a Força Aérea Brasileira (FAB)
No serviço militar, o PP-VJX assumiu a matrícula FAB 2402 e foi equipado com componentes especiais para voar em missões de transporte e reabastecimento aéreo. O jato, também ficou conhecido como “Sucatão”, foi utilizado pela FAB até junho de 2013, quando foi desativado.
Fonte: Avionweb