ROTANEWS176 08/12/2022 10:35 Por Jorge Kuranaka
COLUNISTA
Reprodução/Foto-RN176 Foto ilustrativa da matéria – Foto: Viváglio Kawano / GETTY IMAGES
No Brasil, estima-se que temos em torno de 55 milhões de cães e mais de 24 milhões de gatos, além de peixes e aves que, juntos, somam 140 milhões de animais de estimação. No distante Japão, o cachorro da raça Akita é considerado “tesouro nacional” e símbolo de dignidade, bravura e devoção.
Interessante que o respeitado Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), há dois anos, tenha dedicado sua revista de outubro/novembro de 20201 inteiramente ao tema “Famílias Multiespécies”,2 com abordagens bastante inovadoras.
Para a professora Tereza Rodrigues Vieira, entrevistada pela revista, autora do livro Família Multiespécie: Animais de Estimação e Direito,3 “Se, em tantas famílias, os pets são tratados como filhos por seus tutores, é natural que se busque também o ‘melhor interesse’ desses bichos”. A abordagem não é limitada à proteção penal de cães e gatos, como fez a Lei nº 14.064/2020, a “Lei Sansão”, mas a de inserir questionamentos e buscar soluções cruzando-se enfoques interdisciplinares de direito de família, bioética, direito ambiental, direito animal e biodireito.
Diante dos crescentes e inegáveis laços afetivos entre os chamados “pets” e os humanos, o que pode ser considerado um fenômeno sociocultural, segundo Tereza Rodrigues Vieira, é de admitir um aprofundamento do conceito de família, nele se incluindo os animais de estimação, fazendo surgir a discussão em torno de famílias multiespécies.
Nesse sentido, se os casais, pais humanos de animais, como cães e gatos, se divorciam, é possível discutir-se no Judiciário quanto a guarda, visitas e alimentos.
Anos atrás, o IBDFAM formulou o Enunciado nº 11,4 assim redigido: “Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”.
Outros questionamentos possíveis de serem feitos: se os pets passam a integrar o conceito ampliado de família, poderia o animal ser penhorado para garantia de dívida de seu tutor? Seria possível o abono da falta no trabalho, em caso de ida do empregado-tutor ao veterinário para socorrer seu pet? O direito brasileiro tradicionalmente considera a pessoa humana como o titular de direito e o animal como mero objeto do direito (teoria antropocêntrica). O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direito dos Animais, da Unesco, de 1978. Mas nosso Código Civil, de 2002, diferentemente das legislações alemã, suíça e austríaca, considera os animais como “coisas”, ou seja, objetos de direito.
O Judiciário paulista determina às autoridades de saúde fornecer a crianças com autismo tratamento de equoterapia, método que emprega cavalos para estimular a sociabilidade.
O Enunciado nº 11, já mencionado, deu origem ao Projeto de Lei do Senado nº 542/2018. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no mesmo ano de 2018, confirmou decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinando que, com a separação, a cachorra Yorkshire do casal ficasse com a ex-companheira.5 O assunto avança no meio forense brasileiro.
Bem a propósito e de forma muito atual, a nova e importante Carta da Soka Gakkai,6 aprovada em 2021, além de dispor no preâmbulo sobre “respeito pela dignidade da vida” e “respeito pela dignidade humana”, traz no primeiro de seus artigos referência ao “ensinamento budista de respeito à dignidade de todas as formas de vida”.
Reprodução/Foto-RN176 Reprodução/Foto-RN176 Jorge Kuranaka Procurador do Estado, mestre em direito. É vice-coordenador da Coordenadoria Norte-Oeste Paulista (CNOP) e consultor do Departamento de Juristas da BSGI – Foto: GETTY IMAGES / Viváglio Kawano
Procurador do Estado, mestre em direito. É vice-coordenador da Coordenadoria Norte-Oeste Paulista (CNOP) e consultor do Departamento de Juristas da BSGI
Notas:
- Revista IBDFAM, ed. 53. Disponível em: https://ibdfam.org.br/publicacoes/revista-ibdfam. Acesso em: 29 nov. 2022.
- Família multiespécie: “É a família formada pelo vínculo afetivo constituído entre seres humanos e animais de estimação”, segundo Rodrigues da Cunha Pereira (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. São Paulo: Editora Saraiva, 2017).
- VIEIRA, Tereza Rodrigues; SILVA, Camilo Henrique. Família Multiespécie: Animais de Estimação e Direito. Zakarewicz Editora, 2020.
- Aprovado durante o X Congresso Brasileiro de Direito de Família.
- STJ — Resp.: 1713167SP217/0239804-9. DJe 09.10.2018.
- Terceira Civilização, ed. 650, out. 2022, p. 8-9.
Foto: Viváglio Kawano / GETTY IMAGES
FONTE: JORNAL BRASIL SEIKYO