Felicidade em ponto e nó

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 24/10/2020 04:10

RELATO

Ao assumir a responsabilidade pela própria vida, Celi despertou para seu ilimitado potencial, tornando sua história exemplo de encorajamento

 

Reprodução/Foto-RN176 Celi Monteiro de Carvalho, Conselheiro da Comunidade Vila Silvia, RM Cangaíba, Sub. Penha-Ermelino, CCLP, CGESP.

Para Celi, a prática budista é um caminho certo para a vitória. E, embora muitas vezes tenha se deparado com situações desafiadoras, jamais deixou de acreditar que é possível ultrapassá-las por meio da fé. Passados 44 anos como membro da BSGI, conta ao Brasil Seikyo sobre a sua trajetória de convicção, sonhos e profundo senso de missão.

Por um sonho

Essa história se inicia em 1973, ano em que ele sai da pacata Almenara, MG, com destino à capital paulista, na tentativa de ingressar numa carreira artística. “Estava com 22 anos. Abri mão do conforto e da proteção dos meus pais e vim com meu primo para São Paulo, guiado pelo ardente sonho de estudar, ser cantor, dançarino, alfaiate ou talvez estilista de moda.”

No entanto, a realidade na nova cidade é distante dos seus planos e, já nas primeiras semanas, sem amigos e a família por perto, com a saúde debilitada e sem encontrar trabalho, Celi passa a dormir na rua, no bairro da Mooca. Mas, certo dia, conhece Danilo, dono de uma alfaiataria, que lhe dá a chance de apresentar suas habilidades com a costura; e assim consegue o primeiro emprego. “Trabalhava o dia inteiro e, após o expediente, continuava pernoitando na rua. Milton, o outro dono da empresa, percebeu que eu pegava no sono enquanto operava a máquina de costura. Naquela ocasião, tivemos uma sincera conversa. Com lágrimas nos olhos, contei-lhe sobre a minha situação. ‘Garoto, a partir de hoje você vai ficar aqui na alfaiataria’, disse. Dias depois, seu filho, Reinaldo, benevolentemente me ensinou o Nam-myoho-renge-kyo. Tamanha foi a minha pureza em recitá-lo que o fiz esperando encontrar uma chave que perdi numa noite. Pelo simples fato de localizá-la, decidi praticar o budismo e, em menos de dois meses, em 12 de março de 1976, recebi o Gohonzon determinado a mudar a minha vida.”

Ele continua: “Recitava duas horas de daimoku todos os dias com a convicção de que ‘Não há oração sem resposta’. Pouco tempo depois, com a ajuda de Milton, aluguei um quarto perto da alfaiataria. Em paralelo, fazia serviços por conta própria. Ainda sem saber se teria sucesso profissional, realizava a prática budista diária calcado no estudo dos escritos de Nichiren Daishonin. O trecho ‘Aqueles que creem no Sutra do Lótus parecem viver no inverno, mas o inverno nunca falha em se tornar primavera’ sempre me incentivou”.1

O fluxo de trabalho aumentou. Agora, numa condição melhor, o jovem do interior de Minas Gerais avança em seus planos. “No ano seguinte (1977), eu me mudei para uma casa confortável, com espaço para trabalhar. Na organização, dedicava-me à propagação do budismo, sem falhar na recitação do daimoku. Estava feliz e motivado com a prática e, apesar de estar longe da família, sentia que minhas orações nos aproximavam.”

Revolução humana

A visita à família, em 1979, representa para Celi o sucesso da conclusão de uma difícil etapa. Haviam se passado seis anos e tudo o que conquistou era motivo de alegria para os pais. “Minha vida mudou muito. O desânimo já não existia, a saúde foi restituída e me sentia confiante e muito feliz. Nosso encontro foi como uma grande festa.” De volta a São Paulo, retoma o antigo objetivo de estudar: “Queria ser uma pessoa valorosa para o kosen-rufu e, nessa empreitada, alinhado à prática e à participação nas atividades, fiz um curso de modelagem industrial, tornando-me estilista. Ao longo do tempo, conscientizei-me de que praticamos o budismo para realizar a revolução humana, tendo em vista a paz mundial, e que nossas decisões estão sempre atreladas a isso”, reflete.

À medida que se abriam novos caminhos, também surgiam outros desafios, algo que para ele é sinônimo de aprimoramento: “Certa fase, fui mal compreendido pelos familiares por adotar a filosofia do budismo. Mas, sem desanimar, segui orando pela felicidade deles. Meu sentimento foi tão profundo que três dos meus irmãos iniciaram a prática budista com meus incentivos. Nossa irmã mais velha sofria há muito tempo com neurastenia (distúrbio psicológico que resulta do enfraquecimento do sistema nervoso central), com crises cada vez mais severas. Ela já havia passado por diversos tratamentos médicos e alternativos sem sucesso, quando a internei num hospital especializado no interior de São Paulo. Foi um período difícil em que fortaleci a fé convicto das palavras de Nichiren Daishonin, que afirma: ‘O Nam-myoho-renge-kyo é como o rugido de um leão. Que doença pode, portanto, ser um obstáculo?’.2 Assim, semanas depois ela recebeu alta, retomando o convívio social, o trabalho e a prática budista. Anos depois termina de cumprir sua missão nessa existência serenamente, sendo um grande exemplo de superação para nós”.

Em paralelo, Celi se aperfeiçoa profissionalmente, ganha visibilidade e, em 1982, é contratado pela Rede Bandeirantes como estilista e costureiro: “O primeiro trabalho foi na novela Os Imigrantes, para a qual produzi o figurino dos personagens — uma experiência enriquecedora. Conheci vários atores e atrizes em início de carreira e fiz amizades. Estava extasiado e absorvido pelo ritmo intenso da rotina na TV. Precisava pegar cinco conduções para chegar à emissora e, como a carga horária de trabalho era exaustiva, deixei a carteira de clientes que tinha informalmente. No início, tudo corria bem; no entanto, tempos depois, tais condições, somadas à instabilidade dessa área, me fizeram repensar os planos”, explica.

Ao buscar apoio de uma amiga na organização, decide que é hora de ganhar a autonomia necessária para desfrutar uma carreira feliz na costura: “Objetivei abrir um ponto comercial no melhor local no bairro da Mooca e adquirir casa própria. Isso aconteceu quase dois meses depois, quando montei uma confecção de roupas femininas e masculinas. Mais tarde, com a ajuda do amigo, Reinaldo, adquiri o tão sonhado imóvel”.

Muita fé

Celi se torna uma pessoa de coragem. Sem recuar diante das adversidades, pouco a pouco transforma sua história num exemplo de superação. “Mesmo quando perdi clientes, diminuindo consideravelmente minha renda e ficando sem dinheiro para comprar alimentos, persisti na recitação de duas, três, até cinco horas de daimoku diárias e agora tinha o apoio de minha irmã, Benildes, e sua filha morando comigo. Era 1984, ano em que recebemos Ikeda sensei no Brasil. Fazia parte do querido grupo Gajokai (da Divisão Masculina de Jovens) e confeccionei os uniformes das crianças que interpretaram a coreografia do Balão Mágico no Festival Cultural, rea­lizado na época. Isso me possibilitou fazer vários outros trabalhos como costureiro na organização posteriormente. Para participar dos ensaios, fazia bicos num restaurante. Muitas vezes, para conciliar meus horários, dormia no local em que aconteciam os encontros. Minha sobrinha integrava o balé clássico e, trabalhando como diarista, conseguiu custear suas despesas. Apesar das dificuldades, estava feliz por fazer parte daquela movimentação”.

Faltando 55 dias para a chegada de Ikeda sensei, os membros aguardam com expectativa. Eles se atentam aos detalhes e apoiam uns aos outros na luta para vencer as dificuldades. “Participava de todas as reuniões e lancei o desafio de ensinar a prática budista para dez pessoas até a data do festival. Em meio a esses esforços, soube que atuaria na tribuna de honra ao lado do nosso querido mestre, um grande benefício, além de oportunidade que ficou gravada em minha memória. O festival foi memorável e renovei meu juramento, atuando pelo kosen-rufu ainda com mais gratidão, e assim ultrapassei os obstáculos da vida pessoal.”

Encorajado, compartilha a filosofia da revolução humana com mais e mais amigos. Ele detalha: “Minha prática sempre foi centrada no shakubuku. Auxiliei mais de cem pessoas a iniciar a prática budista e parte delas é composta por meus familiares. Sinto que isso proporcionou uma significativa mudança em minha família; para nós uma chance de evidenciar a força para vencer muitos desafios”.

Ele complementa: “Isso foi determinante quando, na véspera do meu aniversário de 40 anos, sofri um grave acidente de carro numa estrada em Minas Gerais junto com dois dos meus irmãos, Antônio e Arnaldo, e o amigo José. Nosso veí­culo despencou 75 metros numa ribanceira e fomos socorridos por um caminhoneiro. Meu irmão, Antônio, não resistiu aos ferimentos e faleceu, e nosso amigo teve várias escoriações. Arnaldo e eu entramos em coma. Após 21 dias na Unidade de Terapia Intensiva, fiquei internado por seis meses. Nesse período, tive o apoio incondicional da família. Além disso, muitos companheiros budistas viajaram de São Paulo a Belo Horizonte preocupados comigo. Suas visitas foram importantes e me fizeram sentir acolhido pela família Soka. Ao ouvir da líder da comunidade, Dirce, que não deveria morrer sem cumprir minha missão, refleti que tinha um caminho para continuar trilhando”, rememora.

Assim, Celi o faz. Recuperado, retoma as atividades, empenhando-se pelo desenvolvimento da localidade. “Criamos um ritmo alegre para as reuniões, o que aproximou os membros, gerando uma onda de amizade entre todos nós. Waldir e Sandra, que são um casal, se tornaram meus grandes amigos. Juntos, fundamos o Distrito Vila Silvia, fazendo a luta pelo kosen-rufu se expandir. Sempre me empenhei na Gakkai para concretizar os ideais de Ikeda sensei.”

Ele, que recentemente se reaproximou do amigo Reinaldo, acredita que os laços de companheirismo cultivados na Soka Gakkai são inquebrantáveis: “Há algum tempo ele já não participava mais das atividades, estava desmotivado. Então, eu o trouxe de volta. Um dia, ele me ensinou o Nam-myoho-renge-kyo; hoje, eu lhe retribuo com gratidão”, comemora.

É essa benevolência e esse senso de missão que fazem de Celi um amigo querido e admirado pelos membros e pela família. Para ele, tal alento resulta da sincera prática da fé, somada à unicidade com o Mestre. “A base para viver de forma grandiosa”, complementa. “Ter conhecido o budismo significou para mim uma oportunidade de mudar o destino e de lutar pela felicidade. Assim, minha vida tomou um novo rumo; uma direção de prosperidade, alegria e forte convicção, na qual colhi vários benefícios a ponto de afirmar que tenho tudo o que preciso para ser feliz”, finaliza.

Notas:

  1. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin, v. I, p. 559.
  2. Ibidem, p. 431.

Celi Monteiro de Carvalho, 67 anos. Costureiro e empresário. Conselheiro da Comunidade Vila Silvia, RM Cangaíba, Sub. Penha-Ermelino, CCLP, CGESP.