Fluxo e refluxo

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  12/06/2021 07:39

REDAÇÃO/ESPECIAL

No Budismo de Nichiren Daishonin, nascimento e morte são partes inexoráveis da vida

Reprodução/Foto-RN176 Foto ilustrativa do fluxo e refluxo da Maré – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Em toda a sua vastidão, os ocea­nos impressionam. São imensas extensões de águas salgadas (globalmente, cerca de 320 milhões de milhas cúbicas) que encobrem amplas depressões da Terra, equivalentes a pouco mais de 70% da superfície do planeta. Responsáveis pela vida de milhões de espécies, os oceanos carregam mistérios e fantasias cultivados desde o início da humanidade e registrados em diversas obras literárias. Pouca gente sabe, mas são as influências da Lua e do Sol que ocasionam um fenômeno bastante popular: o fluxo e o refluxo das marés.

Esses movimentos, facilmente percebidos nas águas oceânicas, também já serviram de ilustração para explicar outros grandes mistérios da humanidade: a vida e a morte. No capítulo 16, “A Extensão da Vida”, do Sutra do Lótus, consta que “fluxo” corresponde à vida, e “refluxo”, à morte.1 Analisando dessa perspectiva, o Buda afirma que a vida não aparece nem desaparece com a morte, mas, sim, são faces de um mesmo fenômeno. Com base no conceito de “natureza originalmente inerente ao nascimento e à morte”,2 o Dr. Daisaku Ikeda, presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), declara:

Estar vivo é o estado no qual nossa vida se manifesta ativamente, e a morte é o estado no qual ela retorna à condição latente ou potencial. Essa é a verdadeira natureza da vida”.3

Nascimento e morte

O budismo explica a existência de quatro estágios da vida: a exis­tên­cia durante o nascimento, a existên­cia durante a vida, a existência durante a morte e a existência durante o período entre a morte e o renascimento (existência intermediária ou estágio intermediário). Dessa maneira, o que chamamos de vida compreende essas quatro etapas num ciclo de repetição eterna.

Esse ciclo forma um pulsar eterno no qual a vida busca o tempo todo uma oportunidade de se manifestar novamente e isso ocorre sempre que as condições forem adequadas. Leia-se “condições adequadas”, a combinação entre causas internas e condições externas (outras vidas e ambiente propícios para manifestação dos efeitos), que podem ser representadas pelos princípios básicos budistas de “origem dependente” (engi)4 e da “unicidade da vida e seu ambiente” (esho-funi).5

A cultura de cada povo ou civilização interfere na forma de compreender a morte. Para o Budismo de Nichiren Daishonin, a morte é algo realmente profundo, conforme pondera o presidente Ikeda:

Começamos a entender que a morte é mais que ausência de vida; que, junto com a vida ativa, ela é necessária para a formação de um todo maior e essencial. Esse todo maior reflete a profunda continuidade da vida e da morte que experimentamos como indivíduos e expressamos como cultura. Nosso principal desafio é estabelecer uma cultura baseada na compreen­são da relação entre vida, morte e eternidade.6

Potencial imensurável

A vida humana é dotada de força ilimitada. No Budismo de Nichiren Daishonin, chamamos esse poder de iluminação ou condição de buda. Todos os seres humanos são dotados com esse elevado potencial e é possível despertá-lo por meio do estudo e da prática budista. E essa é a missão da SGI: despertar cada pessoa para sua infinita capacidade interior como meio para conquistar a felicidade absoluta, o que é possível constatar pela sincera atuação dos membros da organização. São eles os responsáveis por ensinar às pessoas sobre o Gohonzon e sobre a recitação do Nam-myoho-renge-kyo como atitudes para manifestar a condição de buda e a sabedoria budista, iluminando tanto a vida manifesta como a latente (morte).

O budismo ensina ainda a importância de ter um bom mestre que nos conduza a esse caminho rumo à iluminação. Nos dias atuais, esse mestre é representado pela figura do presidente Ikeda, alguém que dedica a vida a compreender os ensinamentos budistas, vivenciando-os e transmitindo-os não somente para os membros da Gakkai de hoje, mas também para as gerações futuras. Esses ensinamentos são fonte de iluminação e por meio deles aprendemos que é possível transformar as causas negativas acumuladas e garantir um futuro de felicidade — não somente nesta, mas também nas próximas existências. O Budismo Nichiren é a filosofia que transcende as barreiras da morte.

Olhar de buda

Em meio à realidade que vivemos atualmente, é crucial resgatarmos o valor fundamental da vida e jamais negligenciarmos os cuidados com a saúde. Para um budista, a sabedoria oriunda da prática diá­ria do daimoku lhe permite encarar tudo de forma mais profunda e proa­tiva. Ikeda sensei incentiva:

Mas, para um buda — para alguém que tem consciência da Lei Mística e que compreende a eternidade da vida —, o nascimento, o envelhecimento, a doença e a morte constituem um ritmo fundamental. Eles exalam a fragrância das quatro nobres virtudes: eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza.7 Para os mortais comuns que praticam a Lei fundamental do Nam-myoho-renge-kyo e se dedicam totalmente a ela, o ciclo de nascimento, envelhecimento, doença e morte também será imbuído da fragrância dessas quatro virtudes.8

O praticante do Budismo de Nichiren Daishonin compreende o valor da vida e a importância de zelar pelos demais. Sem se permitir entrar em desespero, percebe a oportunidade e dá significado a tudo, exercitando em meio à sociedade o benefício de manifestar a mais elevada condição ainda nesta existência, por dias melhores para todos.

A morte confere um significado maior à vida

Trechos de orientações do presidente Ikeda publicadas na série Sabedoria para Criar a Felicidade e a Paz.9

Enquanto ficamos procrastinando, dizendo a nós mesmos: “Vou me esforçar com afinco um dia” ou “Empreenderei mais esforços depois de terminar de fazer isto”, nossa vida passa e, antes que nos apercebamos, enfrentaremos a morte sem ter conquistado nada, sem ter acumulado algum tesouro interior realmente profundo na vida. Muitas pessoas vivem desse modo. Quando chega o momento final, é tarde demais para arrependimentos.

Pensando bem, quer a morte o aguarde daqui a três dias, três anos ou três décadas, a realidade é essencialmente a mesma. Por isso é tão importante viver de forma plena neste exato instante, de modo que não tenha nenhum arrependimento se vier a morrer a qualquer momento.

Da perspectiva da eternidade, até mesmo um século não passa de um instante. É uma verdade genuína, como afirma Daishonin, o fato de que “este é o último momento de sua vida”.10 O presidente Josei Toda também dizia: “Na verdade, praticamos o budismo para o momento de nossa morte”.

Nenhuma certeza é maior do que a morte. Por esse motivo, é vital que assumamos para nós a tarefa de acumular os tesouros do cora­ção que perdurarão pela eternidade. A maioria das pessoas, contudo, protela esta que é a mais primordial de todas as tarefas, ou a posterga para algum dia no futuro. (…)

A consciência da morte confere um significado maior à nossa vida. Despertar para a realidade da morte nos propicia buscar o eterno e nos motiva a valorizar ao máximo cada momento.

E se não houvesse morte? A vida prosseguiria infinitamente e é provável que se tornaria terrivelmente maçante.

A morte nos faz valorizar o presente. Afirma-se que a civilização moderna ignora ou rejeita a morte. Não é coincidência o fato de se tratar também de uma civilização caracterizada pela busca desenfreada dos desejos. Uma sociedade ou civilização, bem como o indivíduo, que tentar fugir da questão fundamental da vida e da morte, entrará em decadência espiritual por se restringir à atitude de viver o momento e não conseguir enxergar além.

Fonte: Brasil Seikyo, ed. 2.260, 31 jan. 2015, p. B2.

Reprodução/Foto-RN176 Autor Dr. Daisaku Ikeda, ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Notas:

  1. Cf. The Lotus Sutra and Its Opening and Closing Sutras (Sutra do Lótus). Tradução: Burton Watson. Tóquio: Soka Gakkai, cap. 16, p. 267.
  2. The Record of the Orally Transmitted Teachings (Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente). Tradução: Burton Watson. Tóquio: Soka Gakkai, p. 127.
  3. Brasil Seikyo, ed. 2.260, 31 jan. 2015.
  4. “Origem dependente”: Doutrina budista que expressa a interdependência entre todas as coisas. Ensina que nenhum ser ou fenômeno existe por si só; eles existem ou ocorrem por causa de sua relação com outros seres ou fenômenos. Tudo no mundo vem a existir em resposta a causas e condições, nada pode existir independente de outras coisas ou manifestar-se isoladamente.
  5. “Unicidade da vida e seu ambiente”: Esse princípio básico explica que tudo no universo está interligado pelo fio invisível da Lei Mística de causalidade budista (de Myoho-renge-kyo). Para saber mais, veja o Brasil Seikyo, ed. 2.559, 10 abr. 2021.
  6. IKEDA, Daisaku. Desvendando os Mistérios da Vida e da Morte. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 90.
  7. “Quatro nobres virtudes”: Quatro nobres qualidades da vida do Buda, também conhecidas como paramita das quatro virtudes — eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza.
  8. IKEDA, Daisaku. Diálogo sobre Religião Humanística. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. III, 2018. p. 205.
  9. Brasil Seikyo, ed. 2.260, 31 jan. 2015.
  10. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, 2014. p. 225.
  11. IKEDA, Daisaku. Desvendando os Mistérios da Vida e da Morte. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019. p. 112.

Fontes:

Site oficial da Universidade Federal de Santa Catarina. Marés. Disponível em: https://planetario.ufsc.br/mares/#:~:text=As%20mar%C3%A9s%20s%C3%A3o%20movimentos%20de,Sol%20exercem%20sobre%20os%20oceanos.&text=As%20mar%C3%A9s%20tamb%C3%A9m%20ocorrem%20em,observar%20que%20as%20mar%C3%A9s%20oce%C3%A2nicas Acesso em: 2 maio 2021.

IKEDA, Daisaku. Desvendando os Mistérios da Vida e da Morte. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2019.

IKEDA, Daisaku. Diálogo sobre Religião Humanística. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II e III, 2018.