Fora do comum? Jovem conta por que passou por cirurgia para diminuir o clitóris

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL  05/01/2023 09:03                                                                                Por Bruna Alves

Ter um clitóris grande, fora do “comum”, não é uma patologia, mas, sim, uma disfunção chamada atualmente de diferença do desenvolvimento sexual (DDS). A causa pode englobar desde problemas genéticos até distúrbios hormonais (por exemplo, como consequência do uso de anabolizantes).

 

Reprodução/Foto-RN176 Não há um tamanho certo para o clitóris, mas caso a mulher sinta algum desconforto com o órgão, ela deve procurar ajuda médica – GETTY IMAGES

Recentemente, a Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará, vinculado à rede Ebserh, realizou duas cirurgias de clitoroplastia — um procedimento de correção do clitóris.

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Uma das pacientes operadas foi uma cearense de 22 anos. Em entrevista à BBC News Brasil, a jovem Maria* conta que fazia um tratamento hormonal no complexo hospitalar desde dezembro de 2021, mas sempre se queixava com a médica sobre o tamanho do seu clitóris, que aumentava ainda mais durante suas relações sexuais, algo que a deixava extremamente constrangida.

“Quando comecei a ter relação, com 18 anos, eu percebi que o meu clitóris inchava fora do comum. E isso era uma coisa que me incomodava muito”, diz.

Ela perguntou à ginecologista em uma das consultas se havia a possibilidade de diminuir o órgão, pois sofria com essa situação havia anos.

De acordo com os médicos, Maria apresenta uma condição genética que acabou ocasionando uma hipertrofia, ou seja, um acrescimento anormal do clitóris.

“No dia a dia, ele [o órgão] não me incomodava, eu me sentia normal, mas, no ato da relação sexual, eu olhava e ficava pensando que aquilo não era normal. Por isso eu queria diminuir de qualquer jeito”, relata a jovem, acrescentando que o seu parceiro sexual nunca demonstrou incômodo com a situação, mas a aconselhava a buscar um tratamento já que ela própria se queixava constantemente.

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Como não havia cirurgião especialista no hospital, o procedimento demorou um pouco. Por fim, às vésperas do último Natal, o hospital no Ceará contou com a ajuda de um ginecologista especialista de São Paulo, que aceitou se deslocar para fazer a operação.

“A cirurgia foi muito bem e a minha recuperação está sendo ótima. Agora eu me sinto uma mulher completa, porque, para mim, antes eu não era normal. Para muita gente, isso é só um probleminha, mas para quem vive assim é difícil”, descreve.

“Ter um clitóris aumentado é uma alteração do desenvolvimento comum, mas não é uma doença”, afirma Marcelo Praxedes Monteiro Filho, ginecologista responsável pelas cirurgias e doutorando em urologia pela Universidade de São Paulo (USP).

A paciente conclui que “vão ser dois meses de recuperação, mas hoje eu sou uma mulher realizada e não vou mais ser constrangida na relação sexual”.

O que é clitoroplastia?

Reprodução/Foto-RN176 Pesquisadores realizam clitoroplastias na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, no Ceará, ensinando a técnica para outros médicos – ARQUIVO PESSOAL

 

 

 

É uma cirurgia para diminuir o tamanho do clitóris — mas não sua função. Afinal, o órgão conta com mais de 8.000 terminações nervosas responsáveis, especialmente, por gerar prazer no ato sexual.

Esse órgão, semelhante a um “botãozinho”, varia de tamanho de pessoa para pessoa, mas costuma ter bulbos com 10 centímetros de comprimento de cada lado da glande, dentro da vagina.

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Clitoromegalia é o nome técnico para o aumento do clitóris. Monteiro Filho, que tem sua linha de pesquisa baseada em cirurgia de afirmação de gênero, cita algumas causas para essa hipertrofia. São elas:

  • alterações genéticas, que podem ser percebidas desde o nascimento;
  • produção aumentada do grupo de hormônios masculinos, os androgênios;
  • uso de anabolizantes. A testosterona, por exemplo, é um tipo de hormônio usado para ganhar massa muscular mais rápido. Em contrapartida, produz hormônios masculinizantes em excesso;
  • uso de hormônios durante a gestação;
  • alterações hormonais por diversas causas;
  • tumores que aumentam a produção de hormônios masculinos;
  • síndrome dos ovários policísticos, em casos extremos;
  • sem causa definida

O especialista explica que na síndrome dos ovários policísticos (SOP), por exemplo, há um aumento dos hormônios androgênicos (masculinos).

“SOP é considerada a doença endócrina mais comum nas mulheres em idade reprodutiva. Sua prevalência é de 5% a 17% nessa faixa etária. E pode causar irregularidade menstrual, acne, excesso de pelos no corpo. E, em casos mais graves, aumento do clitóris”, comenta Monteiro Filho.

O clitóris tem tecidos (corpos cavernosos) que se enchem de sangue quando há excitação, o que faz com que ele aumente, naturalmente, de tamanho. Isso é comum em todas as mulheres, mas, no caso de quem tem clitoromegalia, ele aumenta ainda mais devido ao tecido erétil.

Isso pode causar uma ereção maior do que a esperada, gerando desconforto durante as relações sexuais.

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Além disso, segundo os especialistas, muitas mulheres também não se sentem confortáveis ao usar biquínis ou roupas muito justas (como calça jeans) pelo tamanho do órgão, que pode chamar a atenção.

“Na cirurgia, nós retiramos justamente esses tecidos que estão aumentados, que são os corpos cavernosos. Mas preservamos toda a parte sensitiva e vascular da paciente, que são as mais importantes”, explica o médico ginecologista.

O clitóris tem um tamanho definido?

Não há um tamanho padrão para o clitóris. Por isso, o ideal é buscar um especialista quando realmente houver um incômodo visual ou sexual.

“A paciente não deve ficar medindo se o clitóris está aumentado ou não, porque, na verdade, isso é uma questão muito pessoal. E se estiver um pouquinho aumentado e ela estiver satisfeita, não tem problema”, aconselha o pesquisador em cirurgia de afirmação de gênero.

Reprodução/Foto-RN176 O clitóris conta com mais de 8.000 terminações nervosas, responsáveis sobretudo por gerar prazer no ato sexual – GETTY IMAGES

Contudo, há uma classificação na literatura médica chamada de Prader, que varia, numericamente, de 1 até o 4, usada para definir o grau de anomalia física da genitália. Essa avaliação, no entanto, só pode ser feita por um especialista.

Cirurgia não é comum em hospitais públicos

Apesar de causar grande desconforto em muitas mulheres, o clitóris aumentado ainda não é uma prioridade em hospitais públicos. Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil alegam que se trata de um procedimento delicado, que necessita de cirurgião especializado — por isso a dificuldade de acesso.

De qualquer forma, a porta de entrada são os grandes hospitais públicos, como os universitários, que contam com profissionais capacitados.

Após a avaliação inicial e realização de exames, os próprios médicos encaminham as pacientes para o hospital que realize o procedimento mais perto de sua residência.

Para se ter ideia da dificuldade de acesso, essa é apenas a terceira vez que clitoroplastias são realizadas no Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará. E todas foram com finalidade de ensino médico.

Zenilda Vieira Bruno, ginecologista, chefe da Divisão Médica da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed-UFC), destaca que a proposta da divisão é diminuir o clitóris de mulheres que têm problemas genéticos ou que sofreram de alguma patologia que causou o aumento do órgão.

“Se a pessoa toma anabolizantes, ela sabe que vai correr o risco de ter reações e, entre elas, está o aumento do clitóris, o surgimento de espinhas e pelos no corpo. A nossa indicação é que a paciente pare de tomar e normalmente o sintoma regride depois”, explica a professora da UFC.

Ela afirma que as cirurgias não foram realizadas em pacientes transexuais, mas em mulheres com alterações no seu órgão genital.

Os médicos que costumam operar o clitóris são os cirurgiões pediátricos, pois o ideal é corrigir anomalias ainda na infância. Ginecologistas e urologistas também se especializam nesse tipo de procedimentos.

Por fim, vale ressaltar que ainda existe um tabu muito grande quando o assunto é sexo, mas é importante que mulheres tenham um conhecimento maior do próprio corpo para que busquem ajuda médica em caso de desconforto estético ou mesmo funcional.

*Nome trocado para preservar a identidade da entrevistada

– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64144718