ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 22/06/2023 15:10 REFLEXÕES SOBRE CIDADANIA
Reflexões sobre cidadania (parte 10)
Comissão de Estudos sobre Consciência Política da BSGI.
Reprodução/Foto-RN176 Desenho humana para ilustração da matéria – Ilustração: GETTY IMAGEM
É comum ouvirmos a expressão “budismo é a própria sociedade”. Nichiren Daishonin, por exemplo, escreveu que “o budismo é como o corpo, e a sociedade, como a sombra. Quando o corpo se inclina, a sombra faz o mesmo”.2
O princípio da “fusão harmoniosa da lei secular com a Lei budista” (obutsu myogo) relaciona esses dois mundos. “Lei secular” corresponde ao conjunto de normas, instituições, costumes e convenções que regem a sociedade, enquanto “Lei budista” refere-se à essência do ensinamento do Buda.
No Japão da época de Daishonin, esse princípio era entendido de forma distorcida, pois se associava a lei secular à ordem e à autoridade, e ao poder do imperador e da classe política, enquanto a Lei budista era associada ao domínio dos grandes templos e dos monges e sacerdotes poderosos.
Assim, a fusão da lei secular e da Lei budista era entendida como a relação harmoniosa entre o imperador e a classe política, de um lado, e os monges e sacerdotes, do outro.
Nichiren Daishonin revolucionou esse entendimento ao colocar a amenização do sofrimento das pessoas comuns e sua felicidade como os elementos que definem a fusão da lei secular e da Lei budista. Ou seja, as leis seculares e a atuação dos governantes devem ser voltadas para a garantia do bem-estar das pessoas, assim como a Lei budista enfatiza a dignidade da vida de cada ser, porque todos possuem o estado de buda como condição inata.
No escrito Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra, Daishonin explica como o sofrimento por que passava o povo japonês à época (lei secular) estava associado à crença nas seitas budistas que ignoravam o ensinamento do Sutra do Lótus (Lei budista). A amenização do sofrimento das pessoas só seria possível quando a filosofia de paz e a valorização da dignidade da vida exposta no Sutra do Lótus constituíssem a base para a sociedade.
Tanto a atuação social de Daishonin como a dos três primeiros presidentes da Soka Gakkai — Tsunesaburo Makiguchi, Josei Toda e Daisaku Ikeda — aplicam esse princípio, pois eles dedicaram a vida ao propósito de enaltecer a dignidade da vida expressa nos ensinamentos do Sutra do Lótus e à busca pela paz mundial (kosen-rufu). Em resumo, ao encontro entre a felicidade individual e o bem-estar da sociedade.
Daisaku Ikeda explica que as leis seculares abrangem dimensões amplas da sociedade, não se restringindo a relações de poder nem tampouco a interpretações restritas sobre a política:
A lei secular refere-se às atividades dos homens como a arte, a educação, a economia, a política, as quais são necessárias para a manutenção da vida comunitária, na qual se inclui a contribuição para a paz e a cultura. E a lei budista é a que cultiva a dignidade da vida, que por sua vez serve como solo fértil de onde brota e floresce a cultura de uma sociedade. A “fusão” significa ter o budismo como base dessas atividades; não indica a incorporação do budismo nessas áreas nem a formação de um sistema próprio. Aplicando esse princípio na vida das pessoas, significa que cada uma atuará ativamente pela paz e pelo bem-estar social como resultado do seu despertar para a missão de criar uma nova era tendo como base o aprimoramento do caráter por meio da fé. Este é o significado de “fusão”. Portanto, o que liga o budismo à lei secular é o próprio ser humano, seu espírito. Em conclusão, a missão religiosa dos budistas é essencialmente cumprir essa missão social como seres humanos. Somente quando uma religião capacita as pessoas a realizar esse propósito pode ser chamada de “religião viva”. O budismo não é mero idealismo. Uma verdadeira religião é aquela que permite que o estandarte da vitória humana seja hasteado bem alto em meio à realidade do nosso mundo. É por isso que estou tentando diligentemente abrir a estrada da paz e da cultura.3
Shin’ichi Yamamoto (pseudônimo no presidente Ikeda no romance Nova Revolução Humana) menciona, na sequência do trecho acima, a fundação do Instituto de Estudos Orientais (mais tarde, Instituto de Filosofia Oriental) e da Associação de Concertos Min-On como exemplos de aplicação do princípio de obutsu myogo.
Essa lista poderia claramente ser ampliada para incluir a fundação e o desenvolvimento das escolas e universidades Soka; os corais, as orquestras e bandas musicais; o Museu de Arte Fuji; o Instituto Soka Amazônia; a elaboração das Propostas de Paz de Ikeda sensei e, na verdade, todas as iniciativas e ações da Soka Gakkai voltadas para a promoção da cultura, da educação e da paz, tendo como fundamento o Budismo de Nichiren Daishonin.
Do ponto de vista individual, a aplicação do princípio budista da “fusão harmoniosa da lei secular com a Lei budista” ocorre em meio aos nossos esforços diários, quando temos a oportunidade de alicerçar nossas ações e nosso comportamento na sólida base de vida fundamentada nos princípios do Budismo de Nichiren Daishonin.
Portanto, compreendendo que “budismo é a própria sociedade” e que “prática da fé é a própria vida diária”, podemos nos valer de nossas experiências, habilidades e virtudes lapidadas por meio da prática do budismo para criar relações ainda mais humanas e enriquecedoras com nossos familiares, amigos e colegas de trabalho. Dessa maneira, de forma reiterada e coletiva, acabamos por oferecer uma incontestável contribuição para a sociedade na construção de uma cultura de paz e de educação que valoriza a vida humana.
Fonte:
Terceira Civilização, ed. 415, mar. 2003.
Notas:
- Comissão de Estudos sobre Consciência Política da BSGI: Grupo criado para a pesquisa e a produção de materiais que versam sobre cidadania e política à luz dos princípios budistas, dos escritos de Nichiren Daishonin e das publicações oficiais da Editora Brasil Seikyo.
- Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 307, 2017.
- IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 3, p. 234, 2019.
Ilustração: GETTY IMAGES