Convidado, o americano Donald Trump decidiu não participar do Fórum de Paris sobre a Paz, a ser liderado pelo francês Emmanuel Macron
ROTANEWS176 E POR VEJA 10/11/2018 09:00
Reprodução/Foto-RN176 Avanço de tropas: cachorro puxa carroça com metralhadora belga em local não identificado no norte da França. (Collection Odette Carrez/Reuters/VEJA)
Às 11h deste domingo, 11 de novembro, o presidente da França, Emmanuel Macron, se reunirá no Arco do Triunfo a cerca de 60 líderes europeus e americanos para relembrar o silêncio definitivo nas trincheiras e campos de batalha da Europa cem anos antes. Não houve pausa mais esperada no mundo entre 1914 e 1918, os anos do conflito mais violento jamais visto na história da humanidade.
A Primeira Guerra Mundial foi encerrada em 1918 com a assinatura do armistício no vagão de trem convertido em escritório do marechal francês Ferdinand Foch, estacionado na floresta de Compiègne, no norte da França. Provocado pela ânsia imperialista das potências da época, o conflito entre os impérios da Alemanha e da Áustria-Hungria, de um lado, e os aliados França, Rússia e Reino Unido, de outro, causou a morte de 40 milhões de militares e civis e milhões de feridos.
Reprodução/Foto-RN176 Soldado francês em trincheira que havia acabado de ser atingida por uma bomba em Mont Tetu, perto de Massiges, no leste da França (Collection Odette Carrez/Reuters/VEJA) /Reuters/VEJA)
Neste domingo (11), Macron será o protagonista do Fórum de Paris sobre a Paz, cujo objetivo será “lembrar a necessidade de defender e reforçar o multilateralismo mundial” e “apresentar soluções para uma melhor organização do planeta”. Trata-se de um tema refutado especialmente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que declinou do convite para participar desses debates. O encontro será encerrado por Macron e pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres.
Reprodução/Foto-RN176 A primeira-ministra britânica Theresa May, e o presidente francês, Emmanuel Macron, colocam uma coroa de flores no memorial franco-britânico da Primeira Guerra Mundial, em Thiepval – 09/11/2018 (Ludovic Marin/Pool/Reuters)
Na sexta-feira, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, reuniu-se com Macron em Sommes e visitou com ele o cemitério franco-britânico de Thiepval, no Norte da França. Ambos depositaram uma coroa de flores em homenagem aos combatentes caídos, com a papoula britânica e o mirtilo francês. A visita antecipada de May marcou o ponto forte da presença britânica nas comemorações internacionais do centenário do fim do conflito.
“Há um século, as forças britânicas combateram lado a lado com nossos aliados europeus no front ocidental. Hoje, na França e na Bélgica, nós nos debruçamos sobre nossa história comum, mas também sobre nosso futuro compartilhado, construído sobre a paz, a prosperidade e a amizade”, afirmou May por meio de comunicado.
Na manhã deste sábado, Macron receberá Trump no Palácio do Eliseu, antes de se encontrar com a chanceler alemã, Angela Merkel, na “clareira do Armistício”, em Rethondes, na floresta de Compiègne, onde também foi assinada, em 1940, a capitulação da França pelo próprio Adolf Hitler. Segundo o Eliseu, esses encontros simbolizarão o desfecho do processo de reconciliação entre os dois países.
Nos últimos dias, Macron promoveu um périplo “memorial” pelo norte e leste da França para destacar as dimensões internacional e diplomática do fim da Primeira Guerra. Nesta sexta pela manhã, entre outros, ele esteve em um centro social de Lens, uma cidade mineradora. Um milhão de pessoas, de um total de seis milhões de habitantes da região de Hauts-de-France (norte), vive no limiar da pobreza, sobrevivendo a uma taxa de desemprego de 11,6%.
Uma das questões postas aos historiadores sobre o fim da Primeira Guerra é a sua influência no conflito ainda mais brutal que eclodido na Europa, no Pacífico e na África vinte anos depois.
Controverso Pétain
Os périplos de Macron pelos antigos campos de batalha não foram totalmente tranquilos. Na quarta-feira (7), ele enfrentou uma onda de críticas após ter qualificado o marechal Philippe Pétain, que comandou o regime colaboracionista de Vichy, como um “grande soldado” durante a Primeira Guerra Mundial.
O porta-voz do Exército, Patrik Steiger, anunciara na véspera que, neste sábado, será celebrada uma cerimônia em homenagem aos oito marechais que comandaram as forças francesas durante a Primeira Guerra Mundial. Pétain entre eles. O anúncio provocou polêmica.
O marechal francês Philippe Pétain: herói da Primeira Guerra e traidor na Segunda Guerra Mundial – 1935
Reprodução/Foto-RN176 O marechal francês Philippe Pétain: herói da Primeira Guerra e traidor na Segunda Guerra Mundial – 1935 (Hulton Archive/Getty Images)
“É legítimo que façamos uma homenagem aos marechais que levaram o Exército à vitória”, disse Macron na cidade de Charleville-Mézières. “Durante a Primeira Guerra Mundial, ele foi um grande soldado, é um fato”, declarou o presidente francês, com o cuidado de acrescentar que Pétain tomou “decisões desastrosas” durante a Segunda Guerra Mundial, ao colaborar com o regime nazista.
Seus comentários provocaram duras críticas de políticos opositores e de líderes da comunidade judaica, por reabrir um doloroso capítulo da história da França, que continua dividindo o país há décadas.
Francis Kalifat, do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (Crif), disse que estava “chocado” com os comentários de Macron e lembrou que Pétain foi julgado por “alta traição”.
“Pétain é um traidor e um antissemita”, tuitou Jean-Luc Mélenchon, do partido de extrema esquerda França Insubmissa, fazendo eco a várias mensagens furiosas.
Philippe Pétain foi considerado um excelente estrategista, sobretudo por ter detido o avanço alemão em Verdun em 1916. Mas durante a Segunda Guerra Mundial, comandou o regime de Vichy, que colaborou ativamente com os ocupantes nazistas. Ele foi condenado à morte por traição, mas sua pena foi comutada à prisão perpétua.
“Não perdoo (os atos de Pétain), “não apago nada” da história da França, declarou Macron mais tarde, tentando acabar com a polêmica.
Extrema direita alemã
Em um movimento paralelo à comemora dos 100 anos do Armistício, a extrema direita alemã tenta melhorar a imagem do Império Alemão e seu papel na Primeira Guerra Mundial. A ideia é mudar a opinião sobre o Império, que a consciência coletiva alemã considera como a principal potência destrutivas do século XX.
A revista Compact, aliada ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), publicou uma edição especial dedicada ao Tratado de Versalhes de 1919, que impôs a Berlim a obrigação de pagar reparações colossais aos países vitoriosos.
O título da revista lembra a retórica revanchista usada nos anos 1920 pelos nostálgicos do Império e, depois, pelos nazistas: “A Vergonha de Versalhes: como as potências vitoriosas dominaram a Alemanha”.
Essas opiniões distintas sobre o Reich não são novas e estavam na raiz de um debate que agitou a esfera pública alemã a partir dos anos 1960, com o nome de “controvérsia de Fischer”.
Em seu livro “Os objetivos de guerra da Alemanha Imperial 1914-18”, Fritz Fischer, professor da Universidade de Hamburgo, tentou demonstrar que a Alemanha do kaiser Guilherme II foi a primeira a buscar o conflito, a partir de julho de 1914, para saciar sua ânsia de poder em escala mundial.
Segundo o autor, as origens da ascensão ao poder dos nazistas estão nessa ambição jamais satisfeita.
“Essa interpretação de Fischer, que é compartilhada principalmente pela esquerda, se apoia em uma crítica viral contra o Império Alemão, o militarismo e o imperialismo, e considera que apenas uma democracia forte pode compensar (o dano feito antes de 1945)”, explica Jörn Leonhard, professor da Universidade de Friburgo em Brisgóvia.
O AfD acredita que essa interpretação é a dos vencedores da guerra e defende que o Império é um modelo positivo. O partido de extrema direita quer “revalorizar o Império (…) porque [representa um Estado] por sua vez moderno, por seu forte desenvolvimento industrial, e muito conservador”, diz o historiador Klaus-Peter Sick. “Os valores do Reich alemão correspondem a ‘Disciplina e Ordem’, os mesmos da AfD”, acrescenta.
Os representantes da extrema direita salpicam em seus discursos referências ao chanceler imperial Otto von Bismarck (1815-1898) e à “era dos castelos prussianos”, verdadeiros “orgulhos germânicos”. O objetivo deles é “que os alemães estejam orgulhosos da história e da nação alemã e que não vejam em todas as partes o fantasma do nazismo”, explica Sick.
Para Sick, trata-se também de aproveitar o fato de que as gerações que viveram os dois conflitos mundiais estão desaparecendo.
Os alemães voltaram a se interessar pela Primeira Guerra Mundial com a publicação em 2013 do livro “Os sonâmbulos: como a Europa entrou em guerra em 1914”, do historiador australiano Christopher Clark. O autor explica que a Alemanha e o Império Austro-Húngaro tiveram uma grande responsabilidade no início do conflito. Mas aponta a Rússia, a França e o Reino Unido também como culpados, ao alimentarem a escalada militar.
O sucesso desse livro “mostra uma necessidade arraigada de se livrar de reprovações e da culpa”, segundo o jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Na Alemanha, os horrores da primeira metade do século XX continuam sendo um tema muito espinhoso. As comemorações sobre os 100 anos do armistício foram mínimas. Em Berlim, em meados de outubro, foi realizada uma conferência chamada “Ganhar a paz”, fechada para o público. Mas não aconteceram grandes cerimônias.
“Os políticos alemães consideram muito importante não abrir velhas feridas”, diz Leonhard. “E é também esta a visão de Angela Merkel (…) Isso faz parte de sua personalidade, muito reservada”.
(Com EFE e AFP)