ROTANEWS176 E POR AH 15/01/2023 04h20 Por Fabio Previdelli
Arquivos liberados em dezembro incendeiam discussão sobre relação da CIA com Lee Harvey Oswald
Reprodução/Foto-RN176 JFK em sua limusine momentos antes do assassinato – Domínio Público via Wikimedia Commons
Em dezembro do ano passado, os Arquivos Nacionais dos Estados Unidos divulgaram 13.173 documentos relacionados ao assassinato de John Fitzgerald Kennedy — episódio que completa 60 anos em 22 de novembro.
Por mais que Lee Harvey Oswald seja apontado como único responsável pela morte de um dos presidentes mais populares da história norte-americana, seu icônico pronunciamento dizendo ser apenas um “bode expiatório”, toda a confusão da Comissão Warren e o polêmico filme de Oliver Stone ‘JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar’ (1991) colocaram um grande ponto de interrogação no caso.
Reprodução/Foto-RN176 JFK no momento em que é atingido por um tiro (cena mostrada no filme JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar) / Crédito: Divulgação/ Warner Bros
Novos documentos, velhas suspeitas
Embora mais de 13 mil documentos tenham sido divulgados, o número é mais chamativo do que parece. Afinal, em sua maioria, os arquivos são trivialidades, clichês e até mesmo burocracias. Mas isso não signifique que nada de bom tenha sido tirado de lá. Muito pelo contrário.
Se detalhes das investigações sobre o assassinato em si não tenham tido um avanço significativo, o mesmo não podemos dizer sobre anebulosa vida de Lee Harvey Oswald antes de conseguir a ‘fama’ que tanto se pintou almejar.
Entre as interseções, conforme aponta matéria do The Intercept, uma delas diz respeito a relação entre Lee e a CIA, mais precisamente sobre seu tempo como jovem fuzileiro nas instalações navais de Atsugi, no Japão, em 1957.
Reprodução/Foto-RN176 Imagem CE 133-A, uma das três “fotos de quintal” conhecidas/ Crédito: Marina Oswald/Domínio Público via Wikimedia Commons
Contextualizando a importância do assunto, em Atsugi havia uma plataforma de lançamento para voos de espionagem U-2 sobre a União Soviética. Por lá também funcionava um centro de pesquisa da CIA sobre drogas psicodélicas.
“Um memorando da CIA intitulado ‘Truth Drugs in Interrogation’ revelou a prática da agência de dosar agentes marcados para perigosas missões no exterior”, aponta David Talbot no livro “The Devil’s Chessboard” (2015), biografia sobre o ex-diretor da CIA Allen Dulles.
Alguns cronistas da vida de Oswald sugeriram que ele era um dos jovens fuzileiros navais em quem a CIA realizou seus testes com ácido”, explica o autor.
Os documentos divulgados recentemente se relacionam a este período, revelando detalhes sobre a resposta da CIA ao testemunho de um ex-contador da agência de que o serviço de espionagem havia empregado Oswald.
Teorias infundadas?
O papel da CIA, todavia, continua sendo um dos grandes mistérios não resolvidos sobre o assassinato de Kennedy. Um levantamento publicado pela AXIOS pouco antes da divulgação dos novos documentos, inclusive, mostrou que a maioria dos norte-americanos acredita que JFK foi morto como parte de uma conspiração que ia além de Lee Harvey.
Já cerca de um terço crê que a CIA, ou elementos dentro da agência de inteligência tiveram uma participação no fatídico episódio.
A principal destas teorias aponta que a morte de John Kennedy foi uma resposta à demissão de Dulles após o fracasso na Invasão da Baía dos Porcos, em 1961, quando um grupo de contrarrevolucionários cubanos tentou derrubar Fidel Castro. Há também quem acredite que Kennedy sucumbiu pelo fato dele ser um defensor do fim da Guerra no Vietnã e na diminuição do poder militar como um todo.
Reprodução/Foto-RN176 O revolucionário cubano Fidel Castro/ Crédito: Getty Image
De certo é que um memorando, de 1978, aponta que um funcionário financeiro da CIA, James Wilcott Jr., informou a um painel da Câmara que explorava o assassinato que “a CIA contratou Lee Harvey Oswald quando Oswald serviu em Atsugi”.
Porém, o mesmo documento lança dúvidas sobre isso, observando que ele chegou a Tóquio em 1960, depois que Oswald deixou a base, o que sugere que a afirmação de Wilcott é baseada em informações de “segunda mão”.
Uma versão deste mesmo documento foi desclassificada pelo governo Trump, em 2017, mas este ainda obscurecia o nome de um funcionário da agência: Dan Nieschur, que atendeu a pedidos de investigadores do Congresso na década de 1970 e pesquisou os arquivos de Oswald.
Ainda no memorando, escrito por uma pessoa identificada com as iniciais ‘JHW’, há o apontamento que Russ Holmes, oficial da CIA, “herdou os chamados arquivos de Oswald, mas que ele garantiu que a Agência não teve contato com Oswald”.
O documento aponta que “registros contrários” podem estar em “EA” – uma provável referência ao escritório da CIA no Leste Asiático – e que estes seriam “procurados e verificados se encontrados”.
Os novos arquivos de JFK incluem também uma série de registros pessoais ligados a Wilcott, cujo testemunho perante o comitê da Câmara no final dos anos 1970 ganhou enorme repercussão.
CIA e Lee Harvey
De fato é que os anos anteriores de Oswald fazem muito mais sentido se pensado numa conexão com a CIA do que uma vida alheia a agência. Segundo Talbot, após estudar russo enquanto estava nas forças armadas — provavelmente na Escola de Línguas do Exército em Monterey, Califórnia —, Lee Harvey foi dispensado após uma falsa alegação de problemas de saúde por parte de sua mãe.
À época, o homem tido como assassino de JFK estava completamente falido, apenas com 203 dólares em seus registros bancários. Mesmo assim, ele pegou um barco para a Inglaterra apenas nove dias após sua alta. De lá, voou de transporte militar para a Finlândia, onde ficou em dois dos melhores hotéis de Helsinque. Por fim, foi num trem noturno até Moscou.
Na cidade soviética, se apresentou na Embaixada dos Estados Unidos para anunciar que se tornaria um desertor. A equipe da embaixada, todavia, apontou mais tarde que seu discurso soou de uma maneira um tanto quanto estranha, parecendo até mesmo falas ensaiadas, aponta o The Intercept.
Reprodução/Foto-RN176 Oswald sendo escoltado pela polícia em 22 de novembro de 1963/ Crédito: Getty Images
Mais estranho que isso, porém, foi o fato dele ter voltado para os Estados Unidos, dois anos e meio depois, de uma maneira tão curiosa quanto deixou o país. E tudo isso sem ser monitorado?
Se a série de movimentos foram realmente feitos a mando da agência de inteligência norte-americana, Oswald desempenhou um importante papel como peão neste jogo de xadrez. Longe desse contexto, porém, sua história parecia muito mais com a de uma peça fora do tabuleiro, o que beira quase ao impossível.
Castro: O alvo
Sabe-se, porém, que a CIA é conhecida por ter explorado usos criativos de psicodélicos, e que Dulles estava ciente destas atividades, chegando até mesmo a propor algum uso das mesmas.
Em 2 de março de 1960, aponta relatório desclassificado pela CIA na última onda de liberações, o diretor da agência de inteligência informou Richard Nixon, então vice-presidente, sobre um plano para lidar com Castro e Cuba.
O registro, outra versão de um documento também já previamente desclassificado, inclui planos de sabotagem econômica da produção de cana e interferências nas entregas de petróleo.
Uma das ideias mais mirabolantes apontadas no briefing, todavia, segundo a CIA, aparenta ser uma referência a uma dosagem de LSD em Castro, droga que a agência testava na época.
Reprodução/Foto-RN176 Fidel Castro/ Crédito: Getty Images
Nixon foi informado de que a CIA tinha “uma droga que, se colocada na comida de Castro, faria com que ele se comportasse de maneira tão irracional que uma aparição pública poderia ter resultados muito prejudiciais para ele”.
A alegação de que a CIA também não conhecia Lee Harvey cai por terra devido a George de Mohrenschildt, geólogo petroleiro e informante da agência, que se tornou um dos grandes amigos de Oswald meses antes do assassinato.
Na primavera daquele ano, aliás, ele viajou para Nova York, Filadélfia e Washington. Paralelamente a isso, um documento desclassificado recentemente aponta que a Divisão de Operações Domésticas da CIA fez uma busca por de Mohrenschildt, por “motivo exato desconhecido”, criado por um analista da CIA.
Nesta época, o braço secreto da divisão era dirigido por E. Howard Hunt, espião norte-americano posteriormente envolvido no escândalo Watergate, que mais tarde em sua vida confessou ter aprendido, antes do tempo, uma conspiração que visava assassinar Kennedy. O plano envolvia figuras de alto escalão da CIA.
“É interessante que o interesse de Allen em de Mohrenschildt coincidiu com a parte anterior desta viagem”, conclui o memorando, referindo-se a Gale Allen, um oficial de caso da Divisão de Operações Domésticas da CIA na época, “e as informações sugerem que possivelmente Allen e de Mohrenschildt possivelmente estavam no mesmo ambiente em Washington, DC, por volta de 26 de abril de 1963.”