ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 24/03/2023 10:25 DA REDAÇÃO CADERNO ESPECIAL DO JBS
Acompanhe os relatos de duas integrantes da Divisão Feminina do Distrito Cidade de São Sebastião que evidenciaram a força da prática budista em momentos cruciais.
Reprodução/Foto-RN176 Foto: BS / Arquivo pessoal
No dia 18 de fevereiro, estava voltando para casa no carro de um amigo, indo da Barra do Sahy para Boiçucanga, em São Sebastião, quando nos deparamos com a saída do bairro alagada e intransponível devido às fortes chuvas e aos deslizamentos. Era sábado e só conseguiria sair de lá na terça-feira.
No domingo, dia 19, soubemos que, além das estradas, as moradias nos morros também haviam sido afetadas, principalmente na Vila Sahy, próxima de onde eu estava. Casas destruídas e soterradas pela água e lama, que escorriam das montanhas como um choro da natureza. Ouvi relatos terríveis sobre as condições das vítimas, mas também de verdadeiros heróis e heroínas que auxiliaram outros moradores.
Foi tudo muito traumático para as pessoas. O esgoto espalhou-se pelos caminhos e pelo mar. Barcos percorriam as ruas, carros boiavam, as praias eram cenários de devastação, com árvores enormes caídas e destroçadas. Pilhas de móveis e colchões nas esquinas, grandes danos materiais, mas que não se comparam à perda de vidas na tragédia.
Entretanto, conforme aprendi no budismo, senti que não era por acaso que eu estava ali naquele momento. Servi de apoio para algumas pessoas, conscientizei outras, auxiliei no cadastro de moradores desalojados e descarreguei mantimentos de um helicóptero. Também ajudei a evacuar turistas, a registrar imagens para as redes sociais, a articular doações e a transportar colchões.
Mapeei a localização dos membros da BSGI atingidos e, junto com outros líderes, fui visitá-los. Em particular, para mim, ficou claro quanto precisamos desenvolver a organização e apoiar os membros na região, com base no conceito da revolução humana, e concretizar o kosen-rufu na localidade. Além disso, atuar para que as ações negativas do ser humano não destruam o meio ambiente e causem tragédias como essa.
Sou mãe solo e, enquanto estive isolada na Barra do Sahy, meu filho Téo, de 16 anos, ficou em casa, sem contato comigo devido à interrupção da energia elétrica e dos meios de comunicação. Mesmo assim, ele se engajou no trabalho voluntário em um projeto local que distribuía refeições para as famílias atingidas. Nesse momento, percebi os resultados de tê-lo criado nos jardins da Soka Gakkai. Além disso, nossa casa ficou intacta e meu filho esteve seguro.
Quando a pista foi liberada, voltei para casa. Continuei fazendo entregas de doações e a apoiar a articulação das ações, mas de forma virtual para não me arriscar demais e porque estava preparando uma exposição de arte em São Paulo, pois sou artista visual.
Alguns dias depois, realizamos nossa reunião de palestra presencial e dialogamos sobre tudo o que aconteceu, incentivando-nos e determinando transformar a situação. Praticamos o budismo das pessoas do povo, da dignidade da vida. Que as conquistas venham! Que a lótus (ou a nativa vitória-régia) emerja dessa lama toda e possamos transformar o veneno em remédio!
Yara Amaral Gurgel de Barros, responsável pela DF do Bloco Boiçucanga
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Moro em Boiçucanga e, no fim de semana em que ocorreram as enchentes e os deslizamentos, estava em casa recebendo meu amigo Cadu, meu irmão Leonardo e sua esposa, Patrícia, que moram em Novo Horizonte, interior de São Paulo.
No sábado, dia 18, por volta das 22 horas, meu filho Pedro foi a uma casa de shows para encontrar os amigos, apesar da chuva forte que caía. O restante de nós, já muito cansados, nos deitamos para dormir cerca de uma hora depois.
De madrugada, acordei com um barulho alto no quarto. Era meu gato, que pulou do guarda-roupas e saiu miando. Assustada, sentei-me à beira da cama. Ao me levantar, senti as pernas molharem até a altura da canela. Estava sonolenta e não entendi o que estava acontecendo. Quando acendi a luz, vendo o quarto inundado, achei que tinha esquecido alguma torneira aberta.
Acordei meu irmão, fomos todos para a sala e nos demos conta de que era uma enchente! Começamos a desligar e a tirar os aparelhos eletrônicos da água, atônitos, sem saber bem o que fazer.
Sentada no encosto do sofá, comecei a recitar daimoku mentalmente, quando meu amigo alertou que o oratório estava começando a boiar. Rapidamente, separamos as partes do móvel e colocamos em um lugar seguro para que o Gohonzon não molhasse. Foi tudo muito rápido.
Assim que amanheceu, levantamos e fomos até o portão. A água na calçada estava na altura da cintura, e três carros passaram flutuando e pararam na esquina. Meu irmão olhava, incrédulo, para seu automóvel tomado pela água.
Até aquele momento, não havia me preocupado com meu filho, pois pensava que estaria bem dentro da casa de shows. Mas, conforme as horas foram passando, fomos recebendo notícias pelas redes sociais e nos dando conta da dimensão da tragédia. Comecei a ficar preocupada. Passei a telefonar e a enviar mensagens para todos os amigos dele e seus pais.
Por volta das 13h30, Pedro entrou pelo portão, com o corpo todo encharcado pela água barrenta, pálido e em choque. Ele nos relatou que precisaram sair da casa de shows a nado e voltaram a pé porque a estrada estava bloqueada. Junto com os amigos, ele teve de passar por cima de montes de barro e pedras enormes que haviam acabado de despencar. Eu só conseguia pensar na proteção que tivemos por estarmos vivos e na gratidão que eu sentia por meu filho ter chegado bem.
Reprodução/Foto-RN176 Vanessa Staford Cardiel, integrante da DF do Bloco Boiçucanga – Foto: BS / Arquivo pessoal
Passamos os dias seguintes tirando a água lamacenta, limpando e organizando a casa. Ao final, estava exausta física, mental e emocionalmente. Com a liberação da rodovia, meu irmão e minha cunhada puderam, enfim, retornar para a casa deles.
Naquela noite, a campainha tocou. Estava chovendo e pensei: “Quem será?”. Chegando ao portão, vi que eram a minha amiga Yara Amaral, responsável pela DF do bloco, e líderes do Distrito São Sebastião e da RM Litoral Norte. Além de mantimentos e de materiais de limpeza, eles trouxeram conforto e solidariedade em sua visita, além de transmitir uma mensagem de incentivos do presidente da BSGI, Miguel Shiratori. Meus olhos se encheram de lágrimas, fiquei emocionada e grata por fazer parte de uma organização tão maravilhosa.
Agradeço aos líderes e companheiros da nossa organização e a todos os que estão recitando daimoku para as pessoas atingidas pela tragédia na região. Agradeço também à minha mãe, aos meus familiares e amigos, que têm nos ajudado neste momento desafiador.
Fotos: BS / Arquivo pessoal