Mecanismo de defesa de cefalópodes é usado há 160 milhões de anos

ROTANEWS176 E POR VEJA 22/05/2012 14h09

 Descoberta de melanina em bolsas de tinta de antepassados da lula leva pesquisadores a concluir que a produção dessa substância existe desde o período Jurássico

Reprodução/Foto-RN176 bolsa de tinta (British Geological Society/VEJA)

Um grupo internacional de cientistas descobriu a presença de melanina em duas bolsas de tinta pertencentes a fósseis de cefalópodes de 160 milhões de anos. O pigmento encontrado é praticamente idêntico ao de linhagens descendentes do animal pré-histórico estudado: lulas, sépias e polvos. O estudo envolveu pesquisadores dos Estados Unidos, Índia, Japão e Reino Unido e foi publicado nesta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences(PNAS).

Para chegar a esses resultados, os cientistas analisaram um fóssil encontrado há dois anos no Sudoeste da Inglaterra. A descoberta indica que o mecanismo de defesa usado por cefalópodes – como sépias, polvos e lulas – que consiste na liberação de tinta para confundir e assustar seus predadores, é a mesma desde o período Jurássico (compreendido entre 199 milhões e 145 milhões de anos atrás).

 

Melanina é um pigmento biológico encontrado em bactérias, fungos, plantas e animais que tem uma série de funções ecológicas e bioquímicas: ajuda animais a se proteger contra predadores, raios solares nocivos, causadores de doenças e também compõem a aparência física que alguns animais usam como atração de seus pares para reprodução, como é o caso nas penas coloridas de algumas aves.

CEFALÓPODES

Classe de moluscos invertebrados ao qual pertencem a lula, o polvo e a sépia. Esses animais produzem uma tinta escura que é usada como mecanismo de defesa: ao se sentirem ameaçados, contraem a glândula de tinta e lançam na água uma grande nuvem negra que assusta e distrai um possível predador. Essa classe leva esse nome porque uma de suas características é a presença de tentáculos – espécie de patas – ligados à cabeça do animal.

“Embora os outros componentes orgânicos dos cefalópode que estudamos já tenham se esvaído há muito tempo, nós descobrimos através de vários métodos de pesquisa que a melanina se manteve em uma situação em que conseguimos estudá-la com um detalhamento profundo”, disse John Simon, químico e professor da Universidade de Virginia e um dos autores do estudo.

Uma das bolsas de tinta estudada é única intacta já descoberta. Phillip Wilby, do Centro Britânico de Pesquisa Geológica encontrou as bolsas em Christian Malford, Wiltshire, oeste de Londres, perto de Bristol. As amostras foram analisadas por um grupo de especialistas em melanina que, usando avançados métodos químicos, concluiu que a melanina foi preservada ao longo do tempo.

Em uma segunda etapa, os pesquisadores compararam a composição química da melanina do fóssil ao pigmento de sépias contemporâneas, Sepia officinalis, molusco encontrado nos mares Mediterrâneo, Norte e Báltico.

A análise mostrou que as substâncias são bastante semelhantes. “A aproximação entre elas é suficiente para que eu argumente que a pigmentação nessa classe de animais não sofreu evoluções em um período de 160 milhões de anos”, disse Simon.

“É muito curioso que esta poderosa arma de defesa não tenha ainda se tornado obsoleta, tendo sido preservada e utilizada provavelmente por toda esta imensidão temporal. Talvez, do ponto de vista evolutivo, este equipamento tenha sido o grande responsável pela longa existência destes animais nos oceanos”, afirma Luiz Eduardo Anelli, paleontólogo da Universidade de São Paulo (USP), que não participou do estudo.

Exceção – Cientistas explicam que geralmente o tecido animal se degrada rapidamente, já que é composto em sua maioria por proteína. Passados milhões de anos, tudo que se pode encontrar de um animal são os restos de esqueleto ou uma impressão da forma do material em rochas da região onde ele estava. Muito se pode descobrir sobre um animal através de seus ossos e suas impressões, mas na ausência de matéria orgânica, muitas questões permanecem sem resposta.

Os autores explicam que a melanina é uma exceção. Embora seja orgânica, ela é altamente resistente à degradação ao longo do tempo.

“De todos os pigmentos orgânicos encontrados em seres vivos, a melanina é a que possui maiores condições de ser encontrada em fósseis”, explica Simon. “Esse atributo também traz um desafio ao estudo. Nós tivemos que usar métodos inovadores da química, da biologia e da física para separar a melanina do material inorgânico.”

Opinião do especialista

Luiz Eduardo Anellipaleontólogo da USP

“O estudo mostra que, muito antes dos seres humanos, a melanina já estava cumprindo seu papel, colorindo o mundo, ajudando os animais a sobreviver. Com estes resultados, podemos dar mais cores à nossa percepção do passado geológico, normalmente retratado de modo mais sombrio e acinzentado.

Uma vez que a melanina está presente em organismos muito próximos dos mais antigos ancestrais da vida, como as bactérias e fungos, é muito provável que seja uma substância com alguns bilhões de anos de idade e que já venha sendo usada por estes moluscos há 505 milhões de anos, idade dos restos preservados do mais antigo polvo conhecido.”