ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 12/12/2020 11:00
CADERNO BVD
A presente série, “Momento BVD (Budismo na Vida Diária)”, trata de temas do cotidiano com base nos e nsinamentos do Budismo de Nichiren Daishonin de forma sucinta. Apresenta, sempre, trechos dos escritos de Nichiren Daishonin acompanhados de explanações e de orientações do presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda. Essas matérias poderão ser utilizadas em diversas atividades da organização, em especial, nas reuniões de palestra. Naturalmente, uma pesquisa mais aprofundada poderá ser desenvolvida a partir de matérias publicadas nos diversos periódicos e livros da BSGI. Em particular, na Biblioteca de Materiais de Referência do DEB, poderão ser encontradas matérias correspondentes a cada tema na forma de explanações completas e trechos do romance Nova Revolução Humana.
Este trecho de Os Oito Ventos é um de diversos escritos em que Nichiren Daishonin orienta seu discípulo Shijo Kingo em detalhes sobre a correta ação a ser tomada diante de seu senhor feudal em uma situação que exigia muita diplomacia.
Shijo Kingo considerava ir ao tribunal contra o seu senhor feudal Ema que iria transferi-lo para feudos distantes de Kamakura em função de sua fé no Budismo de Daishonin, como também de mentiras e falsos rumores propalados por colegas invejosos.
Reprodução/Foto-RN176 Desenho de ilustração – Editora Brasil Seikyo – BSGI
Com base em sua correta visão dos acontecimentos, Nichiren Daishonin instrui Shijo Kingo a agir com base em valores como gratidão, fidelidade e paciência sem ser influenciado por sentimentos de rancor e de desejo pela fama. É um importante direcionamento de diplomacia humanística calcada no pensamento budista para enfrentarmos situações sociais e profissionais razoavelmente comuns mesmo nos dias de hoje.
Os Oito Ventos
Em relação ao seu próprio problema, eu o aconselho a não ir ao tribunal. Não alimente rancor de seu senhor feudal e nem deixe sua propriedade. Permaneça em Kamakura. Atenda ao seu senhor feudal com menos frequência que antes e preste-lhe serviço apenas de vez em quando. Então, haverá possibilidade de que seu desejo se cumpra. Jamais se comporte de modo desonroso. Não se deixe perturbar pela avareza, pelo desejo de fama e nem pela ira. (CEND, v. II, p. 55)
Resumo e Cenário Histórico
Essa é uma de muitas cartas que Nichiren Daishonin escreveu para Shijo Kingo, seu leal discípulo de Kamakura. Por causa da devoção de Kingo aos ensinamentos de Nichiren Daishonin, em 1276, seu senhor feudal ordenou-lhe que abandonasse a localidade em que vivia, próxima a Kamakura, e se mudasse para a distante província de Echigo. Embora a carta não contenha uma data, sabe-se que foi escrita em 1277.
O conceito dos “oito ventos” é descrito em obras como Tratado sobre o Sutra do Estágio de Buda. Significa que as pessoas não devem ser influenciadas pelo apego à prosperidade, à honra, ao elogio ou ao prazer (os “quatro ventos favoráveis”) nem pelo medo do declínio, da desgraça, da censura ou do sofrimento (os “quatro ventos adversos”).
Daishonin aconselha Kingo a manter os bons favores do seu senhor feudal Ema, e o lembra de que este se absteve de hostilizá-lo durante o exílio de Daishonin à Ilha de Sado, quando o governo perseguia tanto o mestre quanto seus seguidores.
Também o alerta de que só dando prioridade à fé e controlando o ressentimento em relação ao seu senhor feudal é que ele poderá encontrar uma saída para esse impasse. Por fim, Daishonin afirma que tribunais e outros recursos são secundários à fé e que, para triunfar, Kingo deve proceder exatamente como ele o orienta.
Explanação do presidente da SGI
Ensinar a essência das relações humanas e da vida
Nesse trecho, que é a parte final deste escrito, Nichiren Daishonin orienta a respeito da ação que Shijo Kingo deve tomar. Ele reitera seu conselho anterior sobre não ir ao tribunal ou nutrir rancor contra o senhor de Kingo, por conta da transferência de propriedade. E insiste para que Shijo Kingo permaneça a serviço do senhor feudal Ema e fique em Kamakura, embora assista seu senhor com menos frequência que antes. Em outras palavras, ele aconselha Shijo Kingo a esperar pelo momento certo e a exercer suas funções com diligência e paciência — sugestões que refletiam a profunda compreensão de Daishonin acerca da situação em que Kingo se encontrava.
Ele também aconselha Shijo Kingo a não parecer de forma alguma constrangido nem demonstrar culpa, porque não tinha feito nada de errado e não havia qualquer razão para se humilhar. Deveria se comportar com dignidade e autoestima como um budista, diz Daishonin.
Essa carta [em japonês] termina abruptamente com as palavras “avareza, desejo de fama e ira” (cf. CEND, v. II, p. 55), deslizando numa frase incompleta, sugerindo que falta o trecho final do escrito. Podemos supor, a partir do contexto, que a mensagem era “Não se deixe perturbar pela avareza, pelo desejo de fama e nem pela ira” (CEND, v. II, p. 550).1
Conforme demonstrado, Daishonin oferecia regularmente orientações concretas e específicas a Shijo Kingo em resposta a suas circunstâncias, ensinando-lhe a essência das relações humanas e da vida.
Shijo Kingo gravou profundamente essas lições em seu coração e as pôs em prática. Ele não tentou escapar da situação. Esperou pacientemente, perseverou em seus esforços e sempre se esforçou para se comportar adequadamente como ser humano. No final, demonstrou uma brilhante prova da vitória tanto na sua comunidade como em sua profissão.
O budismo enfatiza o comportamento do ser humano
Em trechos anteriores desse escrito, Nichiren Daishonin relembra cuidadosamente a Shijo Kingo que ele deveria ser grato ao senhor feudal Ema pela bondade que tinha demostrado a ele, a seus pais e a toda a sua família. Quando Daishonin foi perseguido pelo governo militar e exilado em Sado, muitos de seus seguidores também foram perseguidos, mas Ema nada fez contra Shijo Kingo. Somente por isso, diz Daishonin, Kingo deve a seu senhor imensa dívida de gratidão, e, mesmo que ele jamais venha receber qualquer consideração futuramente de seu senhor, não deve se ressentir dele (cf. CEND, v. II, p. 53).
Assim, Nichiren Daishonin, de forma severa, embora benevolente, aconselha Shijo Kingo que seria um erro dar a seu senhor a impressão de que ele estava relutante em aceitar a atribuição de um novo feudo e que desejava uma consideração especial [quando deveria simplesmente procurar transmitir ao seu senhor que deseja estar por perto para protegê-lo].
Em muitas outras cartas, Daishonin havia instruído repetidamente Shijo Kingo sobre a correta atitude de um budista ao servir seu senhor. Certa vez, quando Kingo expressou o desejo de se retirar da vida de guerreiro para se tornar sacerdote leigo, Daishonin se opôs à ideia e destacou a gratidão que deveria ter com seu senhor, escrevendo: “Mas o senhor não deve abandoná-lo, por mais que sua vida esteja em perigo” (CEND, v. I, p. 719 — A Consagração de uma Imagem do Buda Shakyamuni Feita por Shijo Kingo).
E quando a possibilidade de Shijo Kingo ser transferido para outra propriedade surgiu pela primeira vez, Nichiren Daishonin o instruiu a dizer a Ema: “Neste momento, estou decidido a sacrificar a minha vida se algo grave suceder ao senhor” (CEND, v. II, p. 10 — A Propagação Realizada pelo Sábio).
O budismo ensina o princípio fundamental de que, acima de tudo, o que conta é o nosso comportamento como seres humanos.
Considerando que muitos dos outros seguidores de Daishonin haviam sido perseguidos por causa de sua fé durante o exílio em Sado, Shijo Kingo tinha sido protegido por seu senhor. A partir dessa perspectiva mais ampla, o senhor feudal Ema era um protetor do kosen-rufu. E sendo esse o caso, Nichiren Daishonin procurou ensinar a Kingo que, em termos budistas ou pela razão, servir fielmente ao seu senhor e benfeitor, Ema, era a coisa certa a ser feita, a maneira correta de se comportar como ser humano.
Trechos do romance Nova Revolução Humana
NRH, cap. “Torre do Tesouro”, v. 6, p. 29
— Há mais um ponto importante que deve ser considerado. Embora existam muitos japoneses, os que podem plantar e cultivar a semente da amizade com o Irã são apenas um punhado dos que vieram para cá e moram aqui. Se a senhora criar e ampliar a amizade com as pessoas desta região, elas poderão sentir o Japão com mais intimidade como também abrir o coração para outros japoneses. Os laços de amizade e de confiança são algo que ultrapassa fronteiras e liga as pessoas de todas as origens. Isto é maravilhoso quando ligamos a amizade com a paz entre o Irã e o Japão, e com o mundo inteiro. Se plantar muitas mudas de amizade a sua volta e cultivá-las com toda a dedicação, o Irã com certeza será transformado num oásis de verdejantes sentimentos.
NRH, cap. “Longa Jornada’, v. 6, p. 60
Shin’ichi sorriu e disse para a comitiva:
— Não há fronteiras no coração das pessoas que estendem suas mãos e tentam salvar os aflitos. A diplomacia ou o intercâmbio no nível da relação entre os Estados é importante, mas não devemos esquecer que o fundamental é o intercâmbio entre os povos. O povo é como o mar. Se o mar estiver calmo, muitos navios podem singrar tranquilamente. Da mesma forma, se os povos estiverem unidos pelos laços de amizade, surgirão a confiança e a paz. Assim, por esse mar de paz, os navios poderão realizar diversos tipos de intercâmbio para o bem do mundo. Nós, da Soka Gakkai, pretendemos criar o “mar de humanismo”, o “mar de amizade”, a fim de unir o mundo inteiro.
NRH, cap. “Esplendor”, v. 9, p. 157
Shin’ichi disse para a comitiva:
— Daqui para a frente, o importante em nossas atividades é criar e manter a solidariedade entre as pessoas enfocando-as individualmente. Não devemos ver os outros de forma generalizada, somente do ponto de vista da nação ou do povo. Caso contrário, não enxergaremos a realidade de cada pessoa. Por exemplo, na época da guerra, nós fomos doutrinados a acreditar no slogan “norte-americanos e ingleses são inimigos mortais”. Contudo, ao conhecê-los pessoalmente, acabamos percebendo que todos são seres humanos iguais. Se cada japonês considerasse os americanos ou ingleses pelo ponto de vista de uma amizade sem fronteiras, esse slogan não teria efeito nem seria aceito pelos japoneses.
NRH, cap. “Construindo Pontes”, v. 20, p. 159-160
Quando se encerraram as atividades do dia, o grupo voltou para o hotel. A funcionária que mantinha as chaves dos quartos do andar deles, uma senhora robusta de meia-idade, disse sorrindo para Shin’ichi:
— Hoje, vocês visitaram o Soviete Supremo no Kremiin, não é verdade? Passou mais cedo no noticiário.
O intérprete traduziu para Shin’ichi o que a funcionária do hotel dissera. Ele sorriu e respondeu:
— Sim, fomos lá. E depois de visitar o Kremlin, depositamos uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido.
A mulher assentiu com a cabeça demonstrando compreensão. Quando Shin’ichi e comitiva chegaram ao hotel pela primeira vez, ela e as outras mulheres que cuidavam das chaves não sorriam para eles, tratando-os apenas de maneira profissional. Talvez estivessem apreensivas por estarem lidando com hóspedes de um país associado com o Ocidente.
Todos os dias, quando Shin’ichi e Mineko apanhavam a chave do quarto ou deixavam-na, cumprimentavam a mulher cordialmente e tentavam conversar com ela. O primeiro passo da diplomacia é manter um bom relacionamento com aqueles que se encontram em nosso ambiente imediato. Com o passar dos dias, a mulher começou a se abrir e a falar com Shin’ichi e Mineko em tom amistoso.
Shin’ichi acrescentou:
— Vi um casal de idosos chorando em frente do Túmulo do Soldado Desconhecido. Foi muito triste. Sou ferrenhamente contra a guerra e farei tudo o que estiver ao meu alcance para impedir que venha a ocorrer novamente um dia.
A mulher olhou para baixo e murmurou suavemente:
— Meu marido também morreu na guerra.
Então, como se estivesse lhe confiando seu desejo mais profundo, disse a Shin’ichi:
— Por favor, construa um mundo sem guerras.
O povo da União Soviética também sofreu terrivelmente durante a Segunda Guerra Mundial e buscava a paz com fervor. E no país deles também, as maiores vítimas foram as mulheres e as crianças.
Shin’ichi acolheu as palavras daquela mulher no fundo do coração e assegurou:
— Darei tudo de mim pela paz! Espero que também trabalhe em prol da paz. Sua voz ajudará a mudar o mundo.
NRH, cap. “Diplomacia do Povo”, v. 21, p. 83-84
O diálogo une as pessoas. E o budismo — uma filosofia de respeito à inviolabilidade da vida — propaga-se por meio do diálogo. O diálogo exige coragem, além do calor humano genuíno de aceitar e respeitar o outro. Também demanda sabedoria e paixão, necessárias para se edificar a compreensão e a simpatia.
A habilidade para o diálogo pode ser considerada um indício da capacidade geral do indivíduo. Ao nos esforçarmos para empreender diálogos, podemos aprimorar e elevar nossa vida.
No dia 28 de janeiro de 1975, depois da fundação da SGI na Primeira Conferência para a Paz Mundial em Guam, Shin’ichi retornou para o Japão. Estivera ausente aproximadamente três semanas, tendo visitado Los Angeles, Nova York, Washington, DC, Chicago e Havaí antes de voar para Guam. De volta ao Japão, participou de uma reunião nacional de líderes da Soka Gakkai e de outras atividades, canalizando especial esforço em manter diálogo com diplomatas, líderes de vários campos e jornalistas.
“O futuro do mundo depende da capacidade de promover o diálogo”, observou Felix Unger, presidente da Academia Europeia de Ciências e Artes, com quem Shin’ichi Yamamoto viria a publicar um diálogo. O diálogo pode mudar a época e transformar o destino da humanidade.
NRH, cap. “Correnteza”, v. 22, p. 125
No intervalo entre as apresentações, Shin’ichi aproximou-se de cada um dos convidados e estendeu seus sinceros cumprimentos:
— Muito obrigado a todos por terem vindo de tão longe para estar conosco esta noite. Sou Shin’ichi Yamamoto, presidente da SGI. Estou encantado por recebê-los aqui. Por favor, apreciem essas apresentações que expressam a alegria de viver e enaltecem a paz. Se houver algo de que necessitem, por gentileza, entrem em contato com a equipe responsável.
Dessa forma, ele dava início ao diálogo. Os convidados ficavam profundamente tocados pelas amáveis palavras de cumprimento que Shin’ichi lhes dirigia.
O diplomata inglês e escritor Sir Harold Nicolson (1886– 968) apontou: “Veracidade é essencial a qualquer diplomacia eficiente”. Shin’ichi almejava que aquela noite representasse uma oportunidade para os convidados obterem uma compreensão correta da SGI e do Budismo Nichiren. Nesse sentido, considerava imprescindível oferecer uma sincera acolhida e demonstrar genuína consideração.
Ações refletem a verdadeira filosofia, os ideais e as crenças da pessoa. Como budista, a primeira coisa que alguém deve fazer é interagir com as pessoas de maneira revigorante e sincera.
Material de apoio:
Leia mais:
Biblioteca de Materiais de Referência: Tema de Estudo 7 — Diplomacia Humanística.
Notas:
- O fragmento final tem sido tradicionalmente interpretado dessa maneira; assim, a tradução em inglês e português apresenta a frase completa.