ROTANEWS176 E R7 26/1/2017 09h04 Por Giorgia Cavicchioli,
Homem agonizou em delegacia e morreu em decorrência de hemorragia interna, segundo laudo
Reprodução/Foto-RN176 Fernanda ao lado do marido, o mecânico Eduardo Alves dos SantosArquivo Pessoal
O policial militar que espancou o mecânico Eduardo Alves dos Santos, morto em decorrência de uma “hemorragia interna provocada por agente contundente“, teria voltado até a viatura para buscar um cassetete que serviu para agredir ainda mais o homem e ameaçou a mulher e a sogra da vítima com uma arma. As informações são do depoimento prestado pela viúva à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo nesta segunda-feira (23). Após ser agredido, o mecânico foi para a delegacia junto com a mulher e os policiais e começou a convulsionar no local, na frente de todos. A viúva conta que gritava que o marido estava morrendo e relara que ele morreu em seus braços.
No dia 16 de janeiro, a mulher de Santos decidiu colocar um fim no relacionamento por causa dos problemas de saúde que o homem tinha em relação ao alcoolismo. Para ter mais segurança na hora de sair de casa, ela chamou a Polícia Militar para auxiliá-la. Chegando ao local, o policial Adriano Soares de Araújo e outro colega PM tentaram dialogar com o homem.
Segundo o depoimento da mulher, como o mecânico “não deu atenção” para os policiais, o policial Araújo bateu no ombro do homem e gritou com ele. Em seguida, ele teria dado um empurrão no mecânico.
— Ele estava de chinelo e segurou na farda [do policial] e rasgou. Ele deu uma rasteira no meu marido. Ele bateu com a cabeça no chão. O policial ficou louco, começou a espancar, chutar…
De acordo com depoimento de Fernanda Camargo dos Santos, de 36 anos, à Ouvidoria da Polícia, depois de iniciar as agressões, “o policial Araújo se dirigiu até a viatura que estava estacionada defronte à oficina [mecânica que funcionava na garagem da casa da vítima] e voltou carregando um cassetete” e que “o policial Araújo foi em direção ao seu marido e passou a lhe agredir com o mesmo”.
Além disso, a mulher também informou à Ouvidoria que “juntamente com sua genitora tentaram acalmar o policial, ocasião em que o mesmo apontou sua arma para elas e disse ‘sai fora! Vocês não me chamaram’? Ocasião em que a denunciante respondeu ‘eu não chamei para agredir ele’”.
De acordo com a advogada Yasmin Cascone, especialista em direito da mulher e membro da Rede Feminista de Juristas, a mulher agiu corretamente chamando a polícia para acompanhar sua saída de casa. Esse, segundo ela, é o procedimento padrão para casos como este.
Ainda segundo o depoimento prestado por ela nesta segunda-feira, ela ouviu de uma funcionária da delegacia que a convulsão do homem era “frescura”, “abstinência de cachaça” e que estava cansada de ver situações como aquela na delegacia. Ao R7, a mulher disse que precisou fazer massagem cardíaca nele e que o mecânico faleceu dentro da delegacia.
— Chegou a ambulância e fizeram o pronto atendimento. Disseram que ele morreu no meio do caminho, mas ele morreu dentro da delegacia, nos meus braços. Eu senti a última respiração dele.
De acordo com o boletim de ocorrência, o mecânico já tinha um histórico de convulsões por conta do abuso do álcool, mas que ele nunca tinha passado “tão mal”.
Denúncia
A mulher foi até a Ouvidoria acompanhada pelo integrante do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoal Humana) Ariel de Castro Alves. Ele diz que espera que “seja investigado o homicídio ou até tortura seguida de morte, ou homicídio qualificado por motivo fútil”.
— Ele teve tempo para parar, teve tempo para refletir. Ele foi até o carro e voltou com o cassetete e deu mais golpes. Tem também o crime de ameaça e abuso de autoridade.
Ainda de acordo com Alves, também precisará ser apurada a responsabilidade dos policiais militares e civis a respeito do que ele considera uma omissão de socorro.
— Os policiais civis também [precisam ser investigados] já que o abuso de autoridade e as lesões corporais não foram registrados no boletim de ocorrência.
Segundo o ouvidor da Polícia Militar Julio Cesar Fernandes Neves, a denúncia foi formalizada na Corregedoria da Polícia Militar nesta terça-feira (24) e ele considera que a reação do PM, relatada pela viúva da vítima, foi “descontrolada”.
— Ele estava totalmente descontrolado. O próprio companheiro dele tentou tirá-lo. [O caso] precisa ser bem analisado e investigado para que isso não ocorra. Ela chamou os policiais não para agredi-lo, mas para que não houvesse uma animosidade. E no fim resulta nisso aí? Realmente, não teve uso progressivo da força e foi um uso totalmente anormal.
Durante depoimento, o policial disse que utilizou “os meios necessários e o uso progressivo da força para conter o autor”. Já a mulher de Santos diz que “os chutes foram letais para ele” porque o homem estava muito magro em decorrência do alcoolismo.
Reprodução/Foto-RN176 Depoimento prestado à Ouvidoria PM
— Ele estourou todas as costelas do meu marido. Estourou a bexiga, o rim, o pulmão…
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) para saber se o policial sofrerá alguma punição administrativa, qual o prazo para a conclusão do inquérito na Corregedoria e quais as punições a que ele está sujeito. Por meio de nota, a pasta disse que “o inquérito que investiga o caso está em andamento” e que “a delegacia aguarda o resultado dos laudos para identificar a causa da morte”.
De acordo com a declaração de óbito do mecânico, o que causou a morte foi uma hemorragia interna traumática causada por um agente contundente.
A SSP informou também que o comando do 20º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano está ciente da ocorrência e abriu um Inquérito Policial Militar para apurar os fatos.