MPF denuncia Neymar por sonegação e aponta pai como mentor do esquema

ROTANEWS176 E UOL 02/02/2016 19h08

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Reprodução/Foto-RN176 Também nesta terça, Neymar e pai deram depoimento na Espanha mais uma investigação

O Ministério Público Federal quebrou o silêncio nesta terça-feira e divulgou a denúncia contra o jogador Neymar da Silva Santos Junior, seu pai, Neymar da Silva Santos, e dois dirigentes ligados ao Barcelona, por sonegação de impostos e falsidade ideológica. De acordo com procuradores que atuam na cidade de Santos (SP), os denunciados forjaram uma série de documentos entre 2006 e 2013 para, com isso, deixar de pagar parte dos impostos devidos à Receita Federal brasileira. Ainda segundo a denúncia, o pai de Neymar seria o mentor do esquema.

Isso não quer dizer que Neymar, seu pai e os dirigentes do clube espanhol já tenham se tornado réus na Justiça brasileira. Para que isso aconteça, um magistrado federal deve acatar a denúncia, dando início ao processo penal, quando todos os acusados terão garantido o direito a ampla defesa, conforme prevê a legislação nacional.

Também não há completa relação entre este caso e as investigações conduzidas por autoridades espanholas sobre a transferência do atleta para o Barcelona (embora as autoridades brasileiras também investiguem as negociações e os valores envolvidos na ida do jogador ao clube espanhol). Em relação a este caso (transferência), Neymar e seu pai prestaram depoimento nesta terça-feira, em Madri.

UOL Esporte tenta ouvir Neymar, seu pai ou seus assessores sobre o caso, mas não teve sucesso até a publicação desta reportagem. No último dia 31, no entanto, o atacante e seu pai falaram sobre o assunto no programa Fantástico, na Rede Globo, e negaram qualquer conduta criminosa:

“Meu pai faz tudo para que eu só jogue bola. A partir do momento em que você ouve pessoas falando coisas de uma pessoa que você ama e que não é verdade, aí começa a doer. Antes de falarem besteira, que sonegamos, que então prove”, disse Neymar.

“Não tem nada contra a gente. Quero saber os fatos. Se a gente cometer algum erro tributário, não tem problema. Vamos pagar. Agora nos acusar de adulteração e sonegação, aí já passou dos limites”, acrescentou Neymar pai.

Entenda o caso

Segundo a acusação do MPF, os esquemas arquitetados envolveram três empresas ligadas à família do atacante: a Neymar Sport e Marketing, a N&N Consultoria Esportiva e Empresarial e a N&N Administração de Bens, Participações e Investimentos.

As empresas não possuem capital social nem capacidade operacional condizentes com a movimentação financeira realizada, afirma a denúncia. As fraudes teriam sido praticadas em contratos relacionados ao uso do direito de imagem de Neymar enquanto atuava pelo Santos Futebol Clube, a partir de 2006, e durante o processo de transferência do jogador ao Barcelona, cujas negociações tiveram início em 2011.

A conduta de Neymar, com a participação dos demais denunciados, teria gerado prejuízos milionários aos cofres públicos, diz o MPF. Em setembro do ano passado, a Justiça Federal já havia bloqueado R$ 188,8 milhões do jogador, do pai e das empresas da família para garantir o pagamento das pendências tributárias e das multas cabíveis. A decisão atendeu a pedido da Procuradoria da Fazenda Nacional, que também apontou irregularidades.

Agora, caso a Justiça acate as denúncias dos procuradores, Neymar e seu pai responderão pelos crimes de falsidade ideológica e sonegação fiscal. O primeiro tem pena prevista de um a cinco anos de prisão. Já o segundo é punido com detenção de seis meses a dois anos e multa.

O suposto esquema de fraude e sonegação

Entre 2006 e 2013, segundo o MPF, “o pai do atleta foi o principal mentor e articulador de uma série de fraudes contratuais para o uso do direito de imagem de Neymar, sobretudo por meio da Neymar Sport e Marketing.”

Diversos contratos teriam sido firmados no período com empresas, o Santos Futebol Clube e o Barcelona para a realização de trabalhos publicitários e a exploração da imagem do atacante em atividades de promoção das agremiações esportivas. Os serviços eram prestados unicamente por Neymar, mas os recursos eram pagos à firma controlada por seu pai, como forma de diminuir a base de cálculo de tributos e, assim, reduzir a parcela devida à Receita Federal.

Os procuradores explicam como, de acordo com seu entendimento, tais práticas representariam crime de sonegação:

“A sonegação envolvia mais de 55% dos valores a serem pagos em tributos. A diferença se deve à forma de cálculo das alíquotas que incidem sobre contribuintes físicos e jurídicos. Consideradas as altas quantias das transações, Neymar seria obrigado ao pagamento de 27,5% dos valores desses contratos a título de Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). No entanto, o uso de uma pessoa jurídica para o recebimento das cifras referentes a serviços prestados no Brasil reduziu a fatia para 12,53%. Em acordos com empresas no exterior, o desfalque passou de 67%, uma vez que a parcela de impostos sobre os rendimentos de empresas auferidos fora do país chega a apenas 8,88%.”

Já a defesa de Neymar e seu pai têm o entendimento de que tais práticas não passem de técnicas de planejamento tributário, que visariam, sim, a redução no pagamento de impostos, mas por meio de artifícios legais, permitidos pela legislação tributária nacional.

Mas, para os procuradores que investigam o caso, existiriam irregularidades na própria constituição da Neymar Sport e Marketing. A empresa foi fundada em abril de 2006, com capital social de somente R$ 5.000 e um único ativo: o uso da imagem de um jogador profissional de futebol. Ainda que sem estrutura física para isso, a firma dedicava-se exclusivamente ao gerenciamento de contratos publicitários e de marketing, trabalhos realizados individualmente por Neymar pai.

“A prestação de serviços está vinculada ao desempenho personalíssimo do atleta, e a abertura da sociedade teve como único objetivo a redução da carga tributária incidente sobre os rendimentos auferidos pelo atleta, já que a empresa não possui atividade econômica”, escreveu o procurador da República Thiago Lacerda Nobre, autor da denúncia. “Todas as ‘suas receitas’ são provenientes dos serviços prestados pelo atleta, e a pequena estrutura operacional da empresa não foi utilizada na prestação de serviços.”

Simulação de contratos

Para viabilizar a assinatura de parte dos acordos, o pai de Neymar teria sido responsável também pela simulação de um contrato de cessão de imagem do atacante à Neymar Sport e Marketing, em 2009, pertencente a Neymar pai. O documento nunca foi registrado em cartório e traz apenas uma cláusula, segundo a qual o jogador transferia à empresa todo e qualquer “direito de sua imagem” até o fim de 2020. Além de esse direito ser inalienável (somente o uso do direito pode ser concedido), chamou a atenção dos investigadores o fato de não haver no pacto nenhuma menção a valores, como se a cessão tivesse ocorrido de graça.

O contrato de cessão foi assinado no mesmo dia em que o atleta firmou acordo com a Nike European Operations Netherlands, o primeiro grande contrato de publicidade de sua carreira, novamente transferindo os direitos à Neymar Sport. “É claro que Neymar Júnior não cederia esses direitos a terceiras pessoas com quem não tivesse qualquer vínculo. Só agiu dessa forma por se tratar a concessionária de uma pessoa jurídica familiar e, com isso, reduziu a tributação incidente sobre os rendimentos auferidos”, destacou Nobre.

A partir de então, o atleta prestou serviços de publicidade a diversas companhias com a participação da Neymar Sport e Marketing. Em alguns deles, os pactos foram assinados diretamente pelo atacante, com pagamentos realizados à empresa. Em outros, a signatária era a própria firma, juntamente com o jogador. Pelo menos 15 contratos publicitários teriam sido fechados entre 2009 e 2013 segundo esses procedimentos, todos com o intuito de se sonegar imposto, afirmam os procuradores.
Falsificação de datas e ocultamento de salário

O contrato de cessão de imagem foi utilizado também para justificar a participação da Neymar Sport e Marketing na assinatura dos contratos de uso de imagem do atacante com o Santos entre 2006 e 2013. No entanto, segundo o MPF, “dos oito acordos cumpridos ao longo do período, dois foram firmados antes de pai e filho simularem a cessão do direito de imagem de Neymar à empresa, um dos quais é anterior ainda à emissão do registro da companhia familiar.”

“Como poderia constar o CNPJ da Neymar Sport num contrato celebrado com o Santos Futebol Clube no dia 10 de maio de 2006 se o CNPJ da referida empresa somente foi expedido no dia 22 de maio de 2006?”, questiona o procurador. “A resposta só pode ser uma: o contrato foi antedatado, ou seja, a data colocada no contrato é anterior à sua confecção. Trata-se, pois, de documento ideologicamente falso”, conclui.

As quantias por direito de imagem, na verdade, consistiam em verbas salariais, diz o MPF, já que eram pagas de forma parcelada e sem correspondência com contratos publicitários eventualmente prospectados pelo Santos. “Nos oito anos de permanência de Neymar na Vila Belmiro, o jogador recebeu, a título de salário, valor quase cinco vezes inferior ao montante referente ao uso de sua imagem. O retorno em verbas publicitárias ao clube, por sua vez, foi de apenas um décimo daquilo que declaradamente pagou ao atleta como compensação à exploração comercial.”

Transferência para o Barcelona

 

Fraudes semelhantes teriam sido adotadas no processo de transferência de Neymar para o Barcelona. De acordo com as investigações, o jogador e o pai, além do presidente do clube espanhol à época, Alexandre Rosell Feliu, e seu vice, Josep Maria Bartomeu Floresta, forjaram, a partir de novembro de 2011, uma série de documentos para simular a regularidade de um acordo secreto que a família do atacante e os dirigentes já haviam fechado meses antes. Novamente, para o MPF, as manobras permitiram a sonegação de parcela expressiva dos impostos devidos ao Fisco.

Esses procedimentos são também investigados pelas autoridades espanholas, e, na esteira dessas investigações, Neymar e seu pai foram prestar depoimento nesta terça em um tribunal em Madri.

Os denunciados teriam utilizado outra empresa sob controle do pai de Neymar, a N&N Consultoria Esportiva e Empresarial, para concretizar a transação. Segundo o acordo que garantia a futura cessão dos direitos federativos e econômicos do atleta ao Barcelona, datado de 15 de novembro de 2011, o clube concederia imediatamente à firma um empréstimo de 10 milhões de euros. Outros 30 milhões seriam pagos em setembro de 2014, quando Neymar assinasse contrato com a agremiação.

No entanto, as investigações demonstraram que o alegado empréstimo dissimulava o pagamento adiantado de uma parcela para assegurar a preferência na futura contratação do jogador. A N&N Consultoria foi constituída oficialmente em 18 de outubro de 2011 com capital social zero e sem estrutura de funcionamento. Apesar disso, o Barcelona não exigiu garantias para emprestar o dinheiro nem estabeleceu a cobrança de juros sobre o montante, solicitando apenas a devolução dos 10 milhões de euros no dia em que o contrato de trabalho do atleta fosse assinado.

A identificação da cifra como empréstimo permitiu que Neymar e seu pai deixassem de pagar na época os impostos sobre o valor transferido. Outros contratos igualmente simulados certificavam que a quantia remanescente a ser creditada também teria tributação reduzida. “Ao delegarem à N&N Consultoria o direito de conduzir as negociações sobre a transferência do atacante a clubes europeus, esses pactos forjados atribuíam à empresa todos os encargos fiscais que caberiam a ele, pessoa física, saldar, tal como já acontecia em contratos com a Neymar Sport e Marketing.”