“Muitas mulheres têm medo de fazer sexo oral em mim”, relata homem trans

ROTANEWS176 E IGAY 03/04/2018 09:15                                                                                                            Por Fernanda Labate

De acordo com Téodoro Azevedo, que se descobriu trans ainda durante a adolescência, há bastante insegurança por parte de pessoas cis na hora do sexo, mas tudo é conversável e bastante particular para cada casal

Em comparação com décadas passadas, as pessoas se mostram cada vez mais abertas a falar sobre sexo. Ter dúvidas frequentes a respeito do assunto é algo comum, mas, apesar de a sexualidade ser um tema extremamente amplo, a sociedade ainda foca em debater aspectos das relações heterossexuais entre pessoas cis – ou seja, entre homens e mulheres que se identificam com o gênero que lhes foi designado quando nasceram –, e ignora qualquer aspecto que envolva, por exemplo, pessoas trans.

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Reprodução/Foto-RN176 Assim como o sexo entre pessoas cis, relações sexuais que envolvem homens e mulheres trans são diferentes para cada um

Enquanto o sexo heterossexual é retratado na televisão e no cinema de forma corriqueira, a sexualidade de pessoas que integram a comunidade LGBT ainda é um tabu. Com essa falta de discussões e de representatividade, é comum – e até esperado – que, ao se envolverem com homens e mulheres  trans , as pessoas cis não saibam o que esperar e fiquem na dúvida sobre qual é a melhor forma de dar prazer à parceira ou ao parceiro sem deixá-los desconfortáveis.

A relação da pessoa trans com o corpo varia

Por falta de informações ou de convivência com homens e mulheres transexuais, não é nada raro encontrar pessoas que acham que todos os trans se sentem insatisfeitos com os aspectos físicos que, aos olhos da sociedade, os ligam a um gênero com o qual elas não se identificam. Foi dessa forma, por exemplo, que a novela “A Força do Querer” (2017) retratou o jovem Ivan, interpretado pela atriz Carol Duarte.

Desde o início da trama, Ivan não demonstrava uma relação boa com aspectos relacionados ao feminino, tanto no campo comportamental quanto no físico. Na primeira vez em que se envolveu sexualmente com alguém (antes de se descobrir transexual ), por exemplo, ele não conseguiu tirar a faixa que usava para cobrir os seios, isso porque não se identificava com essa parte do corpo.

Durante a novela, Ivan passa por um tratamento hormonal para ganhar traços masculinos e realiza uma cirurgia para remover as mamas, tornando-se então um homem transexual gay que tem uma vagina – e é aí que mora a confusão. Para muita gente, o desconforto que diversos homens transexuais têm com os seios – e que muitas mulheres transexuais têm com a ausência deles – é necessariamente acompanhado da rejeição pelos órgãos genitais, mas não é bem assim que funciona.

O carioca Téodoro de Azevedo, que se descobriu transexual na adolescência e passa pelo tratamento hormonal há cerca de um ano, esclarece que cada um tem inseguranças e insatisfações pessoais com o próprio corpo quando o assunto é sexo. “Em relação a ter uma vagina, eu não tenho problema nenhum, nem quando se trata de ficar pelado na frente de alguém. Eu realmente consigo enxergar que ter uma vagina não me faz mulher, o que me deixa mais travado mesmo são os seios”, afirma o jovem.

Ele reforça, porém, que, apesar de ele não se incomodar com o fato de ter uma vagina, há quem se incomode. “Eu penso em tirar isso daqui [os seios], mas tem homem trans que nem pensa em fazer a cirurgia, da mesma forma que tem homem trans que quer muito fazer a cirurgia de redesignação sexual, que é uma coisa que eu jamais faria, uma coisa que eu nunca quis fazer”, explica Téo, se referindo à operação que transforma o genital feminino em algo próximo do masculino e vice-versa.

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Genitália não dita orientação sexual

Reprodução/Foto-RN176  Para o casal Téodoro e Beatriz, a chave para vencer as inseguranças, deixar todos confortáveis e entender de que formas uma pessoa transexual gosta de sentir prazer é a mesma que em relações sexuais entre pessoas cis: investir na conversa – Arquvio pessoal

Assim como o Ivan da novela, Téo é um homem transexual que tem uma vagina. Ao contrário do personagem, porém, ele é hétero (ou seja, se relaciona com mulheres) e, hoje, namora uma mulher cis e bissexual. Bom, a essa altura, você deve estar se perguntando: “Mas se as duas pessoas envolvidas no sexo têm uma vagina, a relação é como a de duas mulheres lésbicas, certo?”. Errado.

Para Téo, em termos físicos, o prazer vem da estimulação do clitóris, e penetração não é algo que ele curte. “Penetração não se tornou algo que eu deixei de gostar por me descobrir um homem trans. Eu nunca gostei, desde quando estava conhecendo meu corpo, me descobrindo”, comenta. Por outro lado, o jovem afirma sentir bastante prazer na questão de domínio no sexo, o que, às vezes, envolve penetração – mas da parte dele.

“ No geral, ele faz sexo como um homem que tem uma vagina. A única coisa que o diferencia de um homem cis é que, ao invés de eu fazer sexo oral com um pênis, faço com um clitóris”

É isso mesmo. Segundo ele, algo que homens transexuais costumam utilizar é o chamado “packer”, pênis artificial bastante realista, confeccionado sob medida e que não tem apenas a função sexual.

Téo conta que o acessório pode ser usado com uma cinta ou cola especial para criar volume na roupa, para fazer xixi “como um homem”, e, para o sexo, tem uma espécie de vértebra que o faz ficar ereto. “Essa vértebra, ao mesmo tempo, masturba a pessoa – no caso, o homem trans”, explica.

Porém, da mesma forma que o sexo varia para cada um, Téo explica que o sexo entre uma pessoa transexual e uma pessoa cis não precisa obrigatoriamente envolver penetração e acessórios para que todos tenham prazer. “Acho que o que me dá prazer no sexo é saber retribuir o que a pessoa gosta”, resume ele.

Com ou sem penetração e acessórios, o sexo em geral vai muito além das sensações físicas, e não é porque a relação ocorre entre duas pessoas com vagina que ela será categorizada como sexo lésbico. Para Beatriz Augusto, namorada do rapaz, há também uma questão mais psicológica; por ser bissexual e já ter se relacionado com mulheres, a moça conta que a forma com a qual lida com o sexo se adequa automaticamente ao gênero da outra pessoa.

“Eu sou bastante ativa quando faço sexo com uma mulher. Já com homens, eu sinto uma necessidade física de ser submissa. Não sei o motivo pelo qual isso acontece, só acontece. Das primeiras vezes que transei com ele, até tentei ser mais ativa, já que a forma que eu dou prazer para ele acaba sendo diferente, mas, eventualmente, entendi que não tinha como porque meu corpo me pedia para agir de outra forma”, explica Beatriz.

Além disso, ela define a relação de forma simples. “No geral, ele faz sexo como um homem que tem uma vagina. Não tem como fazer uma comparação mais pontual do que essa porque ele é um homem, a única coisa que o diferencia de um homem cis é que, ao invés de eu fazer sexo oral com um pênis, faço com um clitóris”, conta.

As inseguranças se resolvem na conversa

Hoje, Téo tem uma vida sexual razoavelmente esclarecida, mas conta que nem sempre foi assim justamente pela insegurança que as pessoas têm em tocar o corpo de homens e mulheres trans. Por exemplo: para pessoas que têm vaginas, não é a penetração que gera mais prazer, e sim a estimulação do clitóris, seja com a boca ou com os dedos. Segundo ele, porém, a maior parte dos homens trans não recebe sexo oral.

“ Você não pode tirar essa conclusão precipitada de que ‘por ser um homem trans, não vou tocar ali’. Isso tem de ser conversado”

“Acontece muito porque muitas mulheres têm medo de fazer sexo oral em mim por achar que eu não vou gostar que elas toquem ali. Você vê na expressão corporal que ela fica meio perdida.

‘Será que eu devo tocar?’, ‘Será que eu posso beijar o corpo dele?’, sabe? Elas ficam sem jeito”, relata, reforçando que, apesar da situação não ser ideal, é plausível. “Às vezes é a primeira relação que ela está tendo com alguém trans, então tende a ser evasiva e, de alguma forma, te faltar com respeito porque não sabe como funciona”, explica.

A saída para isso? Tanto Téo quanto Beatriz acreditam no diálogo. Segundo o rapaz, após passar por algumas experiências em que as parceiras se mostraram inseguras, ele decidiu tomar as rédeas da situação. “Eu comecei a, antes de chegar perto de transar, conversar sobre sexo, meio que mostrar que é ok você querer tocar, querer beijar e tudo mais. Você não pode tirar essa conclusão precipitada de que ‘por ser um homem trans , não vou tocar ali’. Isso tem de ser conversado”, afirma.

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Para Beatriz, caso haja alguma insegurança sobre como tocar uma pessoa trans , a ideia é a mesma. “A gente teve sorte por já sermos amigos há um tempo, então já tínhamos conversado sobre várias vezes, eu já conhecia algumas insatisfações dele. Apesar disso, na primeira vez em que a gente transou eu estava um pouco nervosa e com medo de fazer algo de que ele não gostasse. No fim, foi bastante instintivo, muito bom e, agora, meses depois, está ainda melhor porque conhecemos melhor os limites um do outro”, relata ela.