Mulher de 61 anos conta como ciência a ajudou a engravidar

 ROTANEWS176 E UOL 14/01/2013 07h05

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Reprodução/Foto-RN176  Silvio e Marcia, na faixa dos 60 anos, tiveram a filha, Marcinha, por meio de uma FIV

 Aos 61 anos, e depois de criar os filhos, André, 38, e Isabela, 34, Marcia tem trocado com satisfação as fraldas da filha Marcinha. A caçula nasceu em 20 de agosto de 2012 e é também a maior alegria de seu pai, Silvio, 63.

O nascimento da menina aconteceu em Campinas (SP), onde mora o casal, e, durante toda a gravidez, a mãe foi acompanhada por uma equipe multidisciplinar.

Para engravidar, Marcia se submeteu a uma fertilização in vitro (FIV), técnica de reprodução assistida de alta complexidade. Cada tentativa custa entre R$ 12 mil e R$ 18 mil, sendo normal precisar de mais de uma até a concretização da gravidez.

O procedimento é também chamado de “bebê de proveta”, porque a fecundação do óvulo pelo espermatozoide ocorre fora do corpo, em laboratório. No caso de Marcia, a FIV foi realizada utilizando o sêmen de Silvio e os óvulos de uma doadora, com características físicas semelhantes às suas, em um processo chamado de ovodoação.

“Estou de acordo com a fertilização após os 50, 55 anos, desde que os fatores de riscos clínicos e psicológicos sejam estritamente avaliados e que o casal esteja totalmente ciente das consequências”, afirma o ginecologista e obstetra Julio Voget, que tem especialização em reprodução humana e foi um dos médicos responsáveis pela fertilização de Marcia.

De acordo com o especialista, os casais são orientados a consultar um psicólogo e a discutir aspectos relacionados com a futura gravidez, como impacto na vida, desejo real e riscos.

Hoje não existe limite máximo de idade para que uma mulher seja submetida à reprodução assistida, mas o Conselho Federal de Medicina deve atualizar a resolução que trata do assunto no país. Uma das principais propostas é a de criar um teto entre 50 e 55 anos.

Riscos para a mãe e o bebê

Para a SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), mulheres acima de 50 anos não deveriam ser candidatas à reprodução assistida em função dos riscos maternos e fetais.

A idade acima de 35 anos é apontada por si só como um fator de risco para a gestação, segundo a cartilha “Gestação de Alto Risco – Manual Técnico”, do Ministério da Saúde, e pode implicar em sérias consequências para a saúde da mãe e do bebê.

A chamada gestação tardia aumenta a chance de a mulher ter parto prematuro, diabetes e hipertensão, sofrer um aborto, ter hemorragia uterina no pós-parto imediato (devido a menor capacidade de contração do órgão) e de a criança nascer com Síndrome de Down, entre outros problemas.

“Para o bebê, citaria, principalmente, as sequelas decorrentes do nascimento prematuro e as complicações associadas ao baixo peso”, afirma o médico Gilberto da Costa Freitas, especialista em reprodução assistida pelo King’s College, de Londres, e responsável pelo setor de reprodução humana do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.

Segundo Newton Busso, presidente da comissão nacional especializada em reprodução humana da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), como não existe um protocolo para o pré-natal da gestante acima de 35 anos, cabe ao médico a definição da frequência de suas consultas e quais exames e cuidados ela deve adotar. “Antes de decidir engravidar, é sempre importante uma avaliação do estado de saúde com um ginecologista e/ou clínico geral e ter consciência de que a gestação significa uma sobrecarga para o organismo da mulher”, declara o especialista.

Acima dos 60, Busso diz não achar correto submeter uma mulher à fertilização. “Os filhos precisam de uma mãe que os ampare e os eduque até a vida adulta.”

História bem-sucedida

Marcia decidiu tentar engravidar aos 60 depois de fazer uma batelada de exames laboratoriais e de imagem. “Minha genética é excelente. Sempre fiz atividades físicas e tenho uma alimentação saudável”, afirma. Apesar do bom estado de saúde, sua gravidez foi cercada de cuidados extras.

Em pouco mais de um ano, ela se submeteu a duas tentativas de inseminação. A gravidez foi confirmada em janeiro de 2012, na segunda inseminação. Desde que soube da novidade, passou a ser acompanhada rigorosamente. “Realizava o exame de glicemia cinco vezes ao dia, além de medir a pressão arterial todo dia”, diz ela detalhando um procedimento que não é usual para todas as grávidas.

Como é realizada a
fertilização in vitro

Para a realização do procedimento da fertilização in vitro, é feita uma indução da ovulação com medicamentos e um monitoramento do crescimento dos folículos ovarianos por meio da ultrassonografia transvaginal.

No momento apropriado, os folículos são coletados por meio da vagina com uma sonda apropriada, guiada com o auxílio de ultrassom de alta frequência.

Os óvulos maduros e os espermatozoides são preparados e é feita a inseminação em laboratório.

Após a fertilização e a cultura do embrião, é feita uma transferência do mesmo para o útero.

“A transferência é realizada com um pequeno cateter que carrega o embrião e é um dos momentos mais delicados para obter um resultado positivo”, afirma Julio Voget.

Marcia afirma que, apesar de todos os cuidados de uma gestação de risco, sua gravidez transcorreu sem enjoos ou qualquer intercorrência. Sua filha nasceu com 38 semanas –um bebê é considerado a termo, ou pronto para nascer, a partir de 37 semanas completas– por meio de uma cesárea. O nascimento ocorreu em uma segunda e na quinta, da mesma semana, mãe e filha deixaram a maternidade.

“A cesárea é o procedimento que se aplica na maior parte das gestações de feto valorizado (com dificuldade de concepção). Não havia segurança para que uma paciente dessa idade pudesse ter parto normal”, diz o ginecologista Fernando Brandão, outro especialista que acompanhou Marcia. Segundo ele, cinco horas após o parto, Marcia já amamentava a filha.

Uma vida de cuidados permitiu que Marcia engravidasse e tivesse um bebê saudável, além de um histórico familiar intensamente investigado pelos médicos. “Hoje é muito difícil decidir se uma mulher pode ou não realizar uma fertilização in vitro estritamente pela idade, porque temos exemplos como esse”, diz Voget. Apesar da afirmação, não há dados disponíveis que permitam comparar casos bem e mal-sucedidos de gestações e nascimentos nessa faixa etária.

Para o especialista em medicina fetal Sang Choon Cha, livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP e diretor da Embryo-Fetus – Centro de Reprodução Humana e Medicina Fetal, em São Paulo, as condições de risco de uma gravidez tardia podem ser muito bem controladas ou prevenidas.

“Mesmo as pacientes jovens podem apresentar essas complicações, embora em menor grau”, declara Cha. O médico foi o responsável pela fertilização de Antonia Leticia Asti, 61, que deu à luz um casal de gêmeos em 23 de outubro, em São Vicente (SP). Os bebês nasceram prematuros, com 31 semanas de gestação, por causa de uma hipertensão severa da mãe, e só tiveram alta do hospital em dezembro.

Fertilidade

“Após os 40 anos, a chance de engravidar cai drasticamente e, depois dos 45, é praticamente zero”, afirma Adelino Amaral Silva, presidente da SBRA.

De acordo com Karla Zacharias, especialista em reprodução assistida e coordenadora no Grupo Huntington de Medicina Reprodutiva, é na faixa dos 40 que os óvulos, que nascem com a mulher, entram em uma fase rápida de envelhecimento, preparando-se para a menopausa, que na mulher brasileira ocorre por volta dos 50. “O número de óvulos também reduz progressivamente. Por isso meu conselho é que a mulher tente engravidar antes dos 40 e, se não houver condições favoráveis para isso, que pense em congelar seus óvulos.”

Se o caminho para a gravidez for a fertilização, a mulher não pode achar que está com a gravidez garantida.  “O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos mostra que, com a fertilização de seus próprios óvulos, uma mulher aos 40 terá 26% de chances de engravidar e apenas 18,1% que essa gravidez evolua, em comparação com resultados que superam os 40% em mulheres até 35 anos”, afirma Freitas.