PLANETA E ROTANEWS176 03/07/2017 00:00
Reprodução/Foto-RN176 Márcia Ribeiro faleceu quarto anos antes de ver o livro pronto
Fotografar a Amazônia era o grande sonho de Márcia Rebello. Antes de vê-lo tomar forma, porém, ela repousaria seu olhar em diversos cenários brasileiros. Iniciada no fotojornalismo em 1975, Márcia foi fotógrafa, editora de fotografia e diretora de arte em vários jornais e revistas. No início da década de 1980, fotografou exposições e peças de Flávio Império, um dos maiores cenógrafos do teatro brasileiro. Em 1985, retratou Hermeto Pascoal fazendo música nas cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), em São Paulo. O projeto virou show e um filme (Sinfonia do Alto Ribeira), estrelado pelo músico. As belas imagens de Márcia foram expostas aqui e na Europa, em Berlim, Genebra e Paris.
Reprodução/Foto-RN176 Pôr do sol no alto Solimões: harmonia entre água, terra e céu – Foto: Márcia Ribeiro
O tão desejado encontro com a Floresta Amazônica só aconteceria em junho de 1996. A longa espera, porém, valeria a pena. Quando chegou a Manaus, onde vivia havia poucos meses, Márcia estava em busca de um roteiro diferente. Depois de muito procurar, deparou-se com uma possibilidade inusitada: juntar-se a uma expedição que subiria o rio Solimões até Ewaré, principal território dos índios ticunas. Partiriam de Tefé e seguiriam até Tabatinga, na fronteira com o Peru e a Colômbia. Fascinada pela ideia, ela tratou rapidamente de agarrar a oportunidade.
Reprodução/Foto-RN176 Jovens ticunas participam da reportagem da mandioca para preparação de bebidas típica para Festa da Moça Nova- Foto: Márcia Ribeiro
Durante 13 dias, a bordo de uma embarcação de dois andares típica daquela região, Márcia viajou apenas na companhia de um casal de antropólogos holandeses, que estava organizando uma exposição de trabalhos ticunas na Holanda, e da tripulação do barco – o capitão, o marinheiro de máquinas, a cozinheira e dois guias de selva. No seu diário de bordo, cada um deles, aos poucos, se transformaria em história. Com o passar dos dias, sob o olhar sensível de Márcia, a Amazônia ganharia formas e cores: “Olho para todos os lados e o que vejo é o marrom das águas no rio, o verde intenso na floresta, o azul do céu e o branco das nuvens. (…) De vez em quando saco a máquina e tiro uma foto”. Ao longo dos 1.200 quilômetros percorridos, a fotógrafa foi colecionando imagens da paisagem, de vilarejos, de pequenas comunidades e do cotidiano dos índios.
Convívio familiar
Reprodução/Foto-RN176 As mães ticunas fazem todas as atividades cotidianas com os bebês amarrados ao corpo – Foto: Márcia Ribeiro
O destino da expedição era Vendaval, a principal aldeia ticuna. Ali vivia Pedro Ignácio, “o cacique dos caciques”, a quem os visitantes teriam de pedir autorização para fotografar a área. O grupo não só obteve seu consentimento como pôde conviver, durante seis dias, com ele e sua família. De Vendaval, Márcia e seus companheiros de expedição saíam para visitar aldeias vizinhas, às quais se chega, no período de seca, depois de no mínimo meio dia de caminhada. Como junho é época de chuva na Amazônia, eles faziam os passeios de barco, gastando algumas horas de viagem. As águas subiram tanto que, em alguns pontos, a navegação se deu na altura da copa das árvores.
Reprodução/Foto-RN176 O barco alberto Filho navega pelo igarapé São Jerônimo rumo á aldeia ticuna – Foto: Márcia Ribeiro
Durante aqueles dias de aventura, a fotógrafa viveu “momentos intensos e emocionantes, de felicidade e medo”. Além da fascinante paisagem da Amazônia, muitas coisas a encantaram, como a alegria das crianças ticunas e o respeito dos adultos por elas. Outras a chocaram, como a intromissão de uma igreja coreana na vida de alguns índios. A viagem foi tão intensa que, de volta a seu cotidiano, Márcia começou a acalentar um novo sonho: publicar um livro que mostrasse tudo o que vivera. Em 1998, a obra estava bastante adiantada, mas, por razões diversas, acabou não sendo publicada.
A história parecia se repetir: de novo um grande sonho seria adiado. Infelizmente, dessa vez a fotógrafa não pôde esperar pelo momento certo: em abril de 2013, aos 64 anos, ela faleceu. O desejo de realizar a vontade de Márcia, porém, tomou conta de seus filhos, Flora e Aiuri, e do seu marido, Welter Arduini, que finalizaram o livro e o publicaram. Em abril, Ewaré, Terra Sagrada – um singelo testemunho da importância da Amazônia e de seus povos – foi finalmente lançado. Um círculo, enfim, se fechava.