Nichiren Daishonin e a ação política

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 15/07/2023 14:15                                                                        REFLEXÕES SOBRE CIDADANIA

Reflexões sobre cidadania (parte 11)

 

COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE CONSCIÊNCIA POLÍTICA DA BSGI

Reprodução/Foto-RN176 Desenho de ilustração da matéria – Ilustração: GETTY IMAGEM

Uma pessoa com engajamento político é alguém que se preocupa com o bem-estar coletivo, com os rumos da sociedade e da localidade em que vive.

Nesse sentido, além da atuação nos campos religioso e doutrinário, tanto Nichiren Daishonin (1222–1282) quanto os três primeiros presidentes da Soka Gakkai — Tsunesaburo Makiguchi, Josei Toda e Daisaku Ikeda — tiveram, ao longo da vida, uma visão aguçada do contexto político-social em que viviam e promoveram ações concretas para a transformação da realidade.

Os temas sociais e políticos que chamaram a atenção de Daishonin refletem a conjuntura de sua época. Ele viveu no Japão medieval durante o chamado período Kamakura (1192-1333). A forma de governo era a diarquia, em que a chefia era compartilhada pelo imperador (que vivia em Quioto, junto com a aristocracia) e pela família ou clã que obtivesse a hegemonia militar.

Yoritomo Minamoto (1147–1199) estabeleceu sua base em Kamakura e foi o líder do clã que se sobressaiu à época. Ele recebeu, em 1192, o título de xógum, comandante supremo, maior honraria concedida a um guerreiro. Iniciou-se assim o período Kamakura e o sistema de xogunato (ou bakufu), que perdurou por quase setecentos anos.

Após a sua morte em 1199, o poder passou para a família de sua esposa, Masako, dando início ao período da regência Hojo. O pai de Masako, Tokimasa Hojo, foi o primeiro de um total de nove membros da família Hojo que se sucederam na função de regente até o fim do período Kamakura (1333). Durante a vida de Daishonin, seis regentes da família Hojo se sucederam.

A época de Daishonin foi também um período muito conturbado, com uma sequência de distúrbios de ordem natural e social, tais como terremotos, enchentes, ventanias, tempestades, epidemias, secas e escassez de alimentos.

As transformações sociais com o declínio da aristocracia e a ascensão dos grupos de guerreiros e militares estão ligadas ao interesse por religiões com ensinamentos e cultos mais simplificados, quando comparados com as formas antigas de budismo. Daí a popularidade e o prestígio alcançados pelas escolas budistas associadas à Terra Pura (Nembutsu), Zen, Palavra Verdadeira (Shingon) e Preceitos (Ritsu).

Sensibilizado por esse ambiente, Daishonin mergulhou nos estudos dos escritos budistas e dos antigos sutras até compreender que os distúrbios e os problemas diversos pelos quais o país passava estavam precisamente relacionados com a difusão dos ensinamentos associados às escolas budistas mais populares e, por contraste, à pouca importância dada aos ensinamentos contidos no Sutra do Lótus.

Essa compreensão norteou as ações de Daishonin pelo restante de sua vida, ações essas concentradas na produção de textos e documentos de admoestação envia-dos às autoridades, de um lado, e o combate às crenças das várias escolas budistas, do outro, tanto por meio de seus escritos como de desafios e debates públicos com os líderes de tais seitas.

Como resultado de sua atuação, Daishonin atraiu a ira das autoridades militares e religiosas sofrendo inúmeras perseguições e exílios, que tampouco pouparam seus discípulos.

O texto de admoestação mais conhecido de Nichiren Daishonin é Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra, mas não é o único. Também merecem destaque as “onze cartas de advertência”,2 enviadas a líderes políticos e religiosos em 1268 ante a iminente ameaça de invasão mongol.

Em Estabelecer o Ensinamento para a Pacificação da Terra, escrito em 1260 e enviado a Tokiyori Hojo, que já não era mais o regente, mas ainda exercia forte influência, Daishonin atribui o período de instabilidade vivido pelo país em função dos desastres naturais à crença nos ensinamentos da escola Terra Pura.

Adverte que se as pessoas continuarem a ignorar os ensinamentos do Sutra do Lótus, o país sofreria duas outras calamidades que ainda não haviam sido verificadas: as “revoltas dentro do próprio reino” e a “invasão estrangeira”. E, de fato, em 1272, houve a tentativa frustrada de tomada do poder dentro do clã Hojo e as tentativas de invasão do país pelos mongóis em 1274 e em 1281.

A importância e atualidade do referido escrito reside no fato de que ele norteia nossa ação como budistas na sociedade, fazendo a conexão entre nossa transformação individual (revolução humana) e a transformação social (kosen-rufu).

Como resume o presidente Ikeda:

Daishonin fez seus os sofrimentos das pessoas e se levantou pela causa do kosen-rufu, hasteando a bandeira da verdadeira Lei em prol da realização da paz e da felicidade. Seu propósito era erradicar a miséria real que ele via à sua volta. Com suas ações, ele nos mostrou que a missão religiosa de “estabelecer o ensinamento do budismo” é concluída pelo cumprimento de nossa missão de “assegurar a pacificação da terra”. Nesse ponto reside a afinidade do budismo com as atividades e preocupações da sociedade, que abrangem as esferas da política, da educação, da cultura e da economia.3

Baseando-nos no comportamento do buda Nichiren Daishonin, que promoveu ações contundentes de transformação da sociedade por meio de uma postura não violenta, vamos aprofundar nossa prática da fé com a consciência de que o exercício budista constante e diligente está intrinsecamente ligado às nossas ações diárias para transformar positivamente toda a realidade que nos rodeia.

Fontes:

A Vida de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2007.
IKEDA, Daisaku. Diálogo Sobre Religião Humanística. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 1, 2019.
Medieval Japan. Encyclopedia Britannica. Disponível on-line em: https://www.britaniica.com/place/Japan/Medieval-Japan

Ilustração: GETTY IMAGES

Notas:

1. Comissão de Estudos sobre Consciência Política da BSGI: Grupo criado para a pesquisa e a produção de materiais que versam sobre cidadania e política à luz dos princípios budistas, dos escritos de Nichiren Daishonin e das publicações oficiais da Editora Brasil Seikyo.
2. Publicadas na Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 732 a 750, 2017.
3. IKEDA, Daisaku. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 2, p. 38, 2019.