No dia da Consciência Negra, saiba quem foi o comandante José Pedro de Oliveira

ROTANEWS176 E POR IG 20/11/2018 19:54                                                                                                        Por Sérgio Marques 

Em 36 anos dedicados à Força Pública, o tenente-coronel José Pedro de Oliveira serviu como poucos, mas sua história não é conhecida por muitos

De origem modesta e negro, José Pedro de Oliveira nasceu no dia 1° de janeiro de 1858, na cidade de Sorocaba, no interior de SP. Ainda jovem e sem saber que quebraria os paradigmas da época, este adolescente ainda imberbe solicitou a bênção dos pais para se dirigir a São Paulo, onde queria se alistar no CPP – Corpo Policial Permanente, nome da Polícia Militar do Estado de São Paulo durante quase todo o Segundo Reinado. Em novembro de 1873, aos 15 anos, José foi incorporado à instituição de segurança; hoje, novembro de 2018, dia da Consciência Negra, 145 anos depois, nós relembramos sua importante história.

Reprodução//Foto-RN176 Conheça a história de José Pedro de Oliveira neste Dia da Consciência Negra

A polícia paulista era um “porto seguro” para negros alforriados, livres, mestiços e, em alguns casos, fugitivos (desde que não fossem descobertos), pois a farda dos Permanentes representava cidadania, autoridade e dignidade em um país onde a cor era elemento definidor do sucesso do indivíduo. Ao entrar para a força policial, José sequer imaginaria que teria sua história contada em um dia tão simbólico como o da Consciência Negra .

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Entre os anos de 1882 e 1889, após uma rápida passagem pela Banda Musical do Corpo, Oliveira, já com seus 20 e poucos anos de idade, recebeu as seguintes promoções como Praça:

  • Promovido a Cabo de Esquadra em 3 de julho de 1882, sendo efetivado em 3 de agosto do mesmo ano;
  • Promovido a Sargento em 10 de setembro de 1885;
  • Promovido a 2° Sargento em 7 de julho de 1886;
  • Promovido a 1º Sargento em 7 de dezembro de 1889, 15 dias após a Proclamação da República.

Ao longo deste período, José desempenhou suas funções em diversas cidades do interior paulista e também no RJ, como Piracicaba, Campinas, São Simão, São Paulo, Cabreúva, Batatais, Santos, Ribeirão Preto, Ribeirão Bonito, Jaguari e Rio de Janeiro – as duas últimas no estado fluminense -, sempre em busca de criminosos.

Embora a Queda da Bastilha tenha acontecido a milhares de quilômetros de José, o 14 de julho de 1789 teve uma importância história para o brasileiro. Foi justamente nesta data que ele alcançou o Oficialato, com a promoção ao posto de “alferes” – posto extinto da polícia paulista em 1917, surgindo, em seu lugar, a graduação especial de aspirante e os postos de 2° Tenente e 1° Tenente, denominações usadas até hoje.

Com sua nova posição, Oliveira continuou pelas missões no estado, em Santos, Botucatu e Lençóis (rebatizada de Lençóis Paulista em 1948). Na última cidade, o alferes mostrou seus dois lados: primeiro como hábil negociador para evitar um choque entre os líderes políticos locais, e depois como combatente ao enfrentar um grupo de criminosos em Morungava, a 40 km de Lençóis. Após duas horas de confronto, um bandido foi morto e os demais acabaram presos, mas José foi ferido no peito e quase morreu. Nos anos seguintes, vieram outras promoções:

  • Promovido a Tenente em 13 de março de 1891;
  • Promovido a Capitão em 25 de dezembro de 1892, lutando contra a Revolta da Armada e a Revolução Federalista entre 1893 e 1895;
  • Promovido a Major em 30 de março de 1895.

Como capitão, manteve suas andanças pelo interior paulista, mas também atuou na capital, comandando o policiamento nas regiões da Santa Ifigênia e da Consolação. Em 1897, o Major Fiscal José Pedro, do 1° Batalhão (1° BPChq – ROTA nos dias atuais) da Brigada Policial (nome da PMESP no início da República), participou de um dos episódios mais tristes de nossa história, a Campanha de Canudos.

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Naquele ano, o Exército brasileiro, com dificuldades de vencer Canudos, solicitou o auxílio das polícias das províncias, entre elas a de SP. A missão recaiu sobre o 1° Batalhão de Infantaria, que tinha o Capitão do Exército, Joaquim Elebão dos Reis, como comandante, e Oliveira como seu subcomandante. No dia 1° de agosto de 1897, o “Batalhão Paulista”, como Euclides da Cunha viria a descrever na obra “Os Sertões” partiu da Estação da Luz com 447 policiais, inclusos e 23 oficiais. O destacamento desembarcou em Salvador, na Bahia, no dia 7, chegando em Canudos no dia 23.

No dia seguinte ao da chegada, o Batalhão Paulista foi colocado à disposição do General Arthur Oscar de Andrade Guimarães, comandante das operações em Canudos. Pelos dias que se seguiram, a unidade liderada por Joaquim marcou a história militar do Brasil com episódios como a defesa da estrada do Passo do Calumby. Foi também nesta época que correu o boato de que o Major José Pedro havia morrido, boato prontamente desmentido pelo próprio em um telegrama: “Estou bem. Mostre à família. Canudos, 10 de setembro”.

No dia 25 de setembro, à frente da 1ª e 2ª Cias do 1º Batalhão Paulista, o Major José Pedro recebeu a incumbência de atacar uma trincheira na estrada de Uauá, no percurso entre Monte Santo e Canudos, em conjunto com o 38º Batalhão do Exército Nacional e a polícia do Amazonas. A intransponível posição sertaneja sofreu um ataque frontal do efetivo do Major paulista, bem como dos demais aliados, com duração de duas horas. Os conselheiristas abandonaram as trincheiras, deixando para trás feridos e mortos, além de parte da cidadela de Canudos, restando a eles apenas a parte central do reduto, com 500 casas, aproximadamente.

O combate matou seis miltares da Brigada Policial Paulista e deixou outros dez fora de ação, entre eles o Major José Pedro, que havia sido atingido por um disparo no peito no momento em que saía de casebre no Arraial de Canudos para passar as ordens ao efetivo, segundo o tenente-coronel Elesbão Reis. Ainda ensanguentado, passou o resultado do assalto à trincheira inimiga ao General Arthur Oscar.

Encaminhado para o Hospital de Campanha, o Major ouviu do corpo médico que seria preciso realizar uma cirurgia com anestesia, mas, consciente, interferiu: “Doutor, não leve a mal, mas eu entendo que o militar que derrama seu sangue pela pátria, para ser coerente com esse sublime sacrifício, deve ser operado sem anestesia”. E assim foi feito. Oliveira foi substituído pelo Capitão José Martiniano de Carvalho, que, por sua vez, acabaria sendo substituído no dia 26 pelo Capitão Arthur da Fonseca Ozório.

No dia 1° de outubro, Batalhão Paulista, Exército e polícia do Pará partiram para o ataque final ao reduto de Antônio Conselheiro.  Elesbão dos Reis comandava as 1ª e 2ª Cias, enquanto José Pedro, mal recuperado dos sérios ferimentos, liderava as 3ª e 4ª Cias. As margens do rio Vaza-Barris seriam testemunhas de uma luta terrível entre irmãos de uma mesma pátria. E assim caía Canudos.

O Batalhão Paulista foi desligado das forças da operação no dia 6 de outubro e retornou no mesmo dia para São Paulo. Muitos ficaram feridos e 12 tombaram, sendo homenageados em um monumento no interior do Quartel da Luz, sede do 1° BPchq (ROTA), em São Paulo. Além dos 12 homenageados, outros quatro morreram, mas não tiveram seus nomes lembrados. São eles:

  • Soldado Luís Manoel de Sousa, morto no hospital ainda em Salvador, antes da partida da tropa para o sertão, em 9 de agosto;
  • Soldado João Francisco da Silva, da 2ª Cia, afogado no rio Itapicuru, no sertão baiano, em 15 de agosto;
  • Soldado José Ferreira da Cruz, vítima de varíola, em 30 de agosto, no Hospital do Isolamento, no sertão baiano;
  • Soldado Nabor Alves de Aguiar, no Hospital Militar de São paulo, em 1 de dezembro; a causa não foi registrada. No início de setembro, o cabo de esquadra tentou desertar, não conseguiu e foi rebaixado para soldado.

Após a vitória, o Major José Pedro recebeu elogios do Presidente da República, Prudente de Moraes, do Ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt, do Governador de São Paulo, Campos Salles, e do General Arthur Oscar, que comandou a operação.

Em 26 de outubro de 1897, o batalhão paulista chega ao porto de Santos e é ovacionado na chegada a São Paulo, realizada no mesmo dia. No ano seguinte, em março de 1898, a Associação Comercial ofereceu às viúvas e filhos dos soldados caídos em Canudos um auxílio monetário no valor de 23 contos.

Os anos se passam e nos primeiros dias de outubro de 1904, José Pedro de Oliveira assume de maneira interina a Força Pública após seu comandante geral, o Coronel Argemiro da Costa Sampaio, afastar-se das atividades. No ano seguinte, em dezembro de 1905, ele foi promovido ao posto de Tenente-Coronel e assumiu as funções de comandante da Guarda Cívica (GC – na imagem acima, é possível identificar a sigla no quepe de José) da Capital, cujo quartel, o Quartel do Parque Dom Pedro 2°, no centro de São Paulo, ainda existe (e resiste).

Também em 1905, Oliveira participaria da criação da Caixa Beneficente da Força Pública, cujo objetivo era reduzir o desamparo de famílias de militares paulistas mortos durante ocorrências e sucessivas campanhas de guerra. Tal medida é considerada a primeira instituição previdenciária no Brasil.

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Em 1906, o Tenente-Coronel foi nomeado pelo governador de SP, Jorge Tibiriçá, como Comandante Geral Interino da Força Pública, tornando-se o primeiro Comandante que veio das próprias fileiras da instituição. A nomeação aconteceu depois da exoneração do Capitão aposentado do Exército, Argemiro da Costa Sampaio, que recusou a 1ª Missão Francesa de Instrução Militar na Força Pública.

O novo Comandante Geral passou a comandar a Força Pública em 7 de maio de 1906 e já propiciou um clima favorável para os trabalhos da missão francesa. No ano seguinte, no feriado de 15 de Novembro, 15 mil pessoas testemunharam o resultado da missão durante desfile militar no hipódromo da Mooca e elogiaram o garbo e a correção dos 1,5 mil homens da Tropa de Piratininga. 14 anos mais tarde, em 1920, os franceses liderariam uma missão militar no Exército brasileiro.

No dia 10 de setembro de 1909, o Comandante Geral José Pedro de Oliveira sofreu um edema cerebral em sua casa, na rua Tabatinguera, no bairro da Sé, e perdeu a fala e os sentidos; a situação acabaria agravada pela diabetes. Ele morreu 14 dias depois, aos 51 anos, 36 deles dedicados à Força Pública, sendo sepultado no Cemitério da Consolação.

Com a morte de José Pedro, a Câmara Paulista (atual Assembleia Legislativa) suspendeu a sessão do dia 27 de setembro de 1909, o primeiro dia útil a queda do valente militar. No entanto, uma grande injustiça pode ter acontecido. Embora tenha ficado três anos à frente da Força Pública, o Comandante Geral não foi promovido ao posto de Coronel durante sua gestão, algo que aconteceu com todos os outros que saíram, assim como ele, da própria instituição.

Homenagens que vão além desta nota no Dia da Consciência Negra

Os 36 anos dedicados à Força Pública renderam diversas homenagens para o Comandante Geral, principalmente no estado de SP, e nós lembramos quais foram neste dia da Consciência Negra:

  • Em Lorena, no interior de SP, uma escola recluso-policial foi criada em 1913 e batizada com o nome de Coronel José Pedro de Oliveira;
  • Em Sorocaba, cidade natal do Comandante Geral, uma rua tem seu nome;
  • O atual terceiro ano da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB) tem José Pedro de Oliveira como patrono.

Hoje, no Dia da Consciência Negra, nós fazemos questão de lembrar e contar a trajetória do Comandante Geral José Pedro de Oliveira, um protagonista esquecido pela História, mas não por nós.