O Brasil é esmagadoramente contra o aborto, diz Damares Alves

ROTANEWS176 E POR ISTOÉ  02/07/2022 14:15                                                                                                      Por Ana Viriato

Reprodução/Foto-RN176 Damares Alves ex-ministra da mulher, da família e dos Direitos Humanos

Pilar da base ideológica de Jair Bolsonaro, Damares Alves comandou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sob a cartilha antiabortista, embora a interrupção da gravidez com métodos clandestinos seja a quinta maior causa de morte materna no país. Pré-candidata ao Senado pelo Distrito Federal, a pastora evangélica celebrou a decisão da Suprema Corte dos EUA que derrubou o direito constitucional de acesso das mulheres ao procedimento do aborto e antevê uma tendência mundial de “efeito dominó”. Mas o impacto sobre o Brasil, avalia, será pequeno. “O Congresso não tem ânimo para modificar a lei, seja para enrijecê-la ou para descriminalizar o aborto”, diz, em entrevista à ISTOÉ. Apesar da análise, Damares defende o documento em que o Ministério da Saúde afirma que, no Brasil, “todo aborto é crime” e aponta a necessidade de “investigação policial” mesmo dos procedimentos que seguem a lei à risca. “Hoje, as mulheres estupradas têm o direito garantido de não registrar o boletim de ocorrência e, ainda assim, realizar o aborto. Mas essa prática está dando certo?”, questiona.

Como a decisão dos EUA em derrubar o direito à interrupção da gravidez impacta a discussão mundial?
Quando o aborto foi legalizado nos EUA, há 50 anos, a decisão virou referência para cortes internacionais. Ou seja, teve repercussão em outras nações, empoderou movimentos. Com o recuo, creio em um efeito similar. Nações que não queriam mais o aborto ou que entendem que ele não é um direito constitucional serão influenciadas a repensar as regras locais.

Reprodução/Foto-RN176 As eleições acontecerão normalmente. Bolsonaro não é louco

No caso do Brasil, a lei pode ficar ainda mais dura?

O Congresso não tem ânimo para modificar a legislação, seja para enrijecê-la ou para descriminalizar o aborto. É adequada a lei atual que não aplica punição à mulher quando a gravidez gera risco, o feto foi diagnosticado com anencefalia ou a gestação é resultado de estupro. A sociedade brasileira quer passar longe dessa discussão. Ela é, em esmagadora maioria, contra o aborto, mas não fala de modificação das regras. Precisamos avançar em outras pautas. As mulheres não querem discutir descriminalização, mas, sim, política pública familiar, combate ao estupro e prevenção à gravidez.

O caso da menina de 11 anos induzida a manter a gravidez por uma juíza de Santa Catarina fez a internet rememorar a posição adotada pela sra. no ano passado, quando defendeu que uma menina de 10 anos, vítima de estupro, mantivesse o bebê. Como enxerga a situação?

O aborto permitido por lei não é obrigatório. A juíza apontou a existência de alternativas, o que todo magistrado sensato faz diante de um caso como este, em que a gestação já está em estado avançado e que a vida da mãe corre riscos.

A sra. falou que não crê em modificações na lei, mas o governo realizou uma audiência pública sobre uma cartilha que defende a investigação sobre os casos de aborto.
Quando a mulher estuprada pede o aborto, mas não denuncia ou identifica o responsável, eu não pego o abusador. Se eu permito isso, não pego o estuprador. O estupro está virando não apenas uma questão de segurança, mas também de saúde pública. Ele pode resultar, além da gravidez, em doenças sexualmente transmissíveis, doenças mentais, câncer. Hoje, as mulheres têm o direito garantido de não registrar o boletim de ocorrência e, ainda assim, realizar o aborto. Mas essa prática está dando certo? Deve haver estuprador em série. Estamos bancando o aborto de bebês de estupradores em série.

A atriz Klara Castanho, que foi vítima de um estupro e decidiu entregar o bebê para a adoção, teve a vida exposta por Antonia Fontenelle, sua correligionária. A apresentadora deva ser punida?

Conheço a Fontenelle. É uma pessoa aguerrida e muito justa. Não acredito que ela tenha feito isso de propósito, por mal, para expor a menina. Isso tudo precisa ser apurado. Agora, vamos falar da Klara… Quando soube, o único sentimento que tive foi a vontade de sair correndo para abraçá-la. Sei do tamanho da dor na alma. Essa menina precisa ser muito abraçada. Lamento que a entrega legal que ela fez tenha vazado. Colocar uma criança para a adoção também é um ato de amor.

Bolsonaro afirmou que, em breve, anunciará formalmente Braga Netto como vice, enquanto o Centrão defende o nome de uma mulher para quebrar a rejeição no eleitorado feminino. O que achou da escolha?

O general Braga Netto é um ótimo nome, fiel ao presidente. O que Bolsonaro fez pelas mulheres independe do vice escolhido.

E por que a resistência das mulheres ao presidente?

Deixei o governo porque queria ficar livre para andar pelo Brasil conversando com mulheres e não deixá-las cair no engano dos encantadores de serpentes que aparecerão dizendo que Bolsonaro é misógino ou machista. Precisava fazer esse contraponto. Eu e Michelle. A pauta da mulher foi conduzida com zelo e carinho. Brinco que Bolsonaro é o presidente mais cor de rosa da história. Ele deu ordem para que o Ministério da Mulher fosse a base de outros na construção de políticas públicas. Na regularização fundiária, por exemplo, mais de 60% dos títulos estão nos nomes de mulheres.

Então qual foi o erro?

Todo mundo fala que a comunicação do governo não é boa e eu, às vezes, tenho de concordar. Quem tinha de abrir a torneira das águas da transposição do Rio São Francisco era Michelle, eu e Tereza [Cristina]. São as mulheres que carregam a lata na cabeça: 43% das famílias do Brasil são chefiadas por mulheres e essa realidade se reflete no Nordeste.

Michelle chegou a ser escalada para gravar inserções do PL, mas não o fez. O que ocorreu?

Ela estava com problemas de saúde. Não queriam falar isso para a imprensa. Quando sentamos com o PL, em janeiro, ela disse: ‘Quero participar de tudo’. Mas as últimas inserções foram gravadas em um período no qual o médico havia determinado um mês de afastamento das atividades. Michelle teve sequelas pós-Covid relacionadas à memória e ao estresse. Toda a agenda foi suspensa. O único compromisso que ela cumpriu foi uma viagem aos EUA, por liderar a Associação das Primeiras-Damas da América Latina. Mas fará as próximas inserções.

Na última semana, a prisão de Milton Ribeiro no caso dos pastores-lobistas derrubou a retórica de que não há corrupção no governo Bolsonaro. É um grande prejuízo para a campanha?

Prisão não é condenação. O que Milton passou é o ônus de ser o gestor de uma pasta daquele tamanho. O MEC tem milhares de servidores e é difícil ter o controle na ponta. Como o ministro recebia bem os pastores-lobistas, que me parecem em uma situação delicada, eles falavam para o técnico: ‘Olha, estive com seu ministro’. Então, o técnico achava que tinha que agradar, que tinha que fazer o que era pedido. Esses homens fizeram lobby com o nome do ministro, sem a anuência dele. Milton se mostrou disposto a prestar esclarecimentos. Ele não fugiu do país, não se escondeu, não tentou coagir testemunhas.

Outra dor de cabeça para Bolsonaro é a pauta ambiental. O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips reascendeu a discussão sobre a violência na Amazônia. A omissão no combate a crimes na região é uma das explicações?

Estamos recebendo uma fatura de governos anteriores, que deixaram a região abandonada. O Vale do Javari, por exemplo, sempre foi uma região de muita morte, dor e tristeza. É isolada e propícia para o narcotráfico e o crime organizado e sempre me chamou atenção pela mortalidade infantil que lá ocorre.

A sra. culpa de outros governos pelo abandono de áreas indígenas na Amazônia, mas Bolsonaro pouco fez. Será diferente em eventual novo governo?
Quando o governo Bolsonaro começou a cuidar da Amazônia, veio a Covid-19. Passada a crise sanitária, Bolsonaro vai fazer o que prometeu e proteger os indígenas. Não combato o crime organizado com um pedaço de pau, mas com um efetivo armado na floresta. Precisamos, ainda, reforçar a cobertura das fronteiras e realizar um trabalho integrado entre as polícias da região e de outros países para coibir o narcotráfico.

Entidades ainda falam na possibilidade de um “crime político”. A sra. concorda?
Bruno e Dom estavam sozinhos em um barco numa área perigosa, fazendo uma matéria perigosa. Até onde Bruno e Dom foram prudentes? Meu Deus, será que não poderiam ter chamado um reforço policial para ir com eles? Esses caras que não querem aparecer estavam de olho neles. Mas dizer que foi um crime político? Vejo bandidos que não queriam ser denunciados. Jornalistas e ativistas estão em perigo o tempo todo.

Reprodução/Foto-RN176 Bruno e Dom estavam sozinhos em um barco numa área perigosa, fazendo uma matéria perigosa

Servidores afirmam que Marcelo Xavier, presidente da Funai, adota uma política anti-indigenista, com a perseguição a servidores e lideranças.

A Funai precisa ser reestruturada. É uma fundação antiga, com poucos concursos ao longo dos últimos anos. As pessoas estão se aposentando e, assim, o quadro tem diminuído cada vez mais. É uma fundação pesada, que ainda tem regras e ordenamentos muito antigos. Além disso, é preciso definir o papel desse órgão. A ela, cabe só a proteção territorial ou também faz o desenvolvimento ético-social? A política indigenista, como um todo, tem de ser revista.

Bolsonaro tem outro problema: perdeu muitos aliados da base ideológica. É acusado de ter deixado o conservadorismo de lado para se aliar ao Centrão. Como a sra. vê o embate?
Na base conservadora do presidente, tínhamos pessoas extremamente radicais. Esse povo veio muito para o pau. Bolsonaro não é assim. Muitos dizem: ‘Ah, ele é radical em relação ao STF’. Ele reage. Nada começou com ele. É um jogo de dominó no qual alguém jogou uma peça lá na frente — e não foi ele. O presidente não perdeu sua base. Apenas lidou com pessoas que se juntaram a seu projeto achando que ele era louco e, quando se deram conta que não, recuaram.

Por que ele ataca o sistema eleitoral e o STF?
Bolsonaro, como deputado, já questionava a contagem dos votos e a segurança das urnas. Não é porque virou presidente que questiona. Ele entende que o voto é secreto, mas a contagem não. O presidente não é contra a urna, mas sim contra o formato da contagem de votos. Não é o único no mundo que pensa assim.

Há riscos para as eleições?
As eleições acontecerão normalmente. Bolsonaro não é louco. O que ele está fazendo é mandar um recado ao Supremo. Está mostrando: ‘Olha, faz direitinho, porque o povo está na rua e o povo quer Bolsonaro’. Ele está em primeiro lugar, apesar de as pesquisas não dizerem isso. O povo vai mostrar, cada vez mais, que ele é o favorito. Inclusive, que mais tarde a esquerda não venha dizer que perdeu por fraude.