David Goodall não tem nenhuma doença terminal, mas deseja encerrar sua vida com dignidade e, por isso, decidiu viajar para a Suíça, que permite o suicídio assistido nessas condições.
ROTANEWS176 E BBC BRASIL.COM 02/05/2018 17:40
Nesta quarta-feira, o cientista David Goodall, de 104 anos, se despediu de sua casa na Austrália para embarcar em uma viagem atravessando o mundo para encerrar sua vida.
Reprodução/Foto-RN176 BBCBrasil.com
O elogiado ecologista e botânico não está sofrendo de uma doença grave, mas deseja antecipar sua morte. A chave para sua decisão, ele diz, foi a diminuição de sua independência.
“Lamento muito por ter atingido essa idade”, afirmou Goodall no seu aniversário no mês passado em uma entrevista para a rede australiana ABC.
“Não estou feliz. Eu quero morrer. Não é exatamente triste. O que é triste é ser impedido de fazer isso”, disse.
A morte assistida foi legalizada em um estado australiano no ano passado após um debate bastante polêmico – mas, para conseguir isso, a pessoa precisa ser diagnosticada como paciente terminal de alguma doença. E a questão não foi legalizada por outros estados ainda.
Goodall decidiu, então, viajar para uma clínica na Suíça para voluntariamente acabar com sua vida. No entanto, ele diz que fica triste por ter que sair da Austrália para fazer isso.
Vida ativa
O pesquisador nasceu em Londres, mas vivia sozinho em um pequeno apartamento em Perth, no leste australiano.
Ele deixou seu emprego em 1979, mas se manteve envolvido com sua área de trabalho depois disso.
Entre suas conquistas nos últimos anos, Goodall editou uma série de livros de 30 volumes chamada “Ecossistemas do Mundo” e foi nomeado membro da Ordem da Austrália por seu trabalho científico.
Em 2016, com 102 anos, ele venceu uma batalha para continuar trabalhando no campus da Universidade Edith Cowan, em Perth, onde era um associado honorário de pesquisa não remunerado.
Agora, o pesquisador viaja para essa jornada final fora da Austrália com sua amiga Carol O’Neill, representante do grupo defensor da morte assistida “Exit International”.
O’Neill disse que a disputa de Goodall para continuar tendo um espaço de trabalho o afetou drasticamente.
Tudo começou quando a universidade levantou preocupações sobre sua segurança – incluindo sua capacidade de se locomover até o local.
Embora Goodall tenha vencido a questão, ele eventualmente acabou forçado a trabalhar mais perto de casa. Também chegou o momento em que ele foi forçado a parar de dirigir e de se apresentar no teatro, conforme conta O’Neill.
“Esse foi o começo do fim”, diz à BBC.
“Ele não pode mais ver os mesmos colegas e amigos do antigo escritório. E aí ele foi perdendo a animação, começou a empacotar todos os seus livros. Foi o início de uma fase em que ele não era mais feliz.”
A decisão de Goodall para acabar com sua vida foi acelerada por uma queda grave em seu apartamento no mês passado. Ele ficou dois dias no chão antes de ser socorrido. Depois, os médicos disseram que ele precisaria de cuidados 24h por dia ou se mudar para uma casa de repouso onde tivesse esse tipo de atendimento.
“É um homem independente. Não quer pessoas ao redor dele o tempo todo, uma pessoa estranha cuidando dele. Ele não quer nada disso”, disse O’Neill.
“Ele que ter ainda conversas inteligentes e ainda conseguir fazer coisas simples, como pegar um ônibus na cidade.”
Debate polêmico
A Suíça permite o suicídio assistido desde 1942. Outros países também já liberaram esse tipo de morte voluntária, mas boa parte deles determina a presença de doença e o estado terminal como condições imprescindíveis para a autorização.
A Associação de Médicos da Austrália (AMA) permanece contrária à morte assistida, que é vista por eles como uma prática antiética da medicina.
“Médicos não são treinados para matar pessoas. Na nossa ética e na nossa formação, isso não pode ser apropriado”, afirmou o presidente do órgão, Michael Gannon, durante o debate legislativo do último ano no estado de Vitória.
“Agora, não é todo médico que concorda com isso”, afirmou.
Uma pesquisa da AMA indicou que quatro em cada dez membros da associação apoiavam as políticas pelo direito de morrer.
O’Neill disse que o maior desejo de Goodall era morrer pacificamente e com dignidade.
“Ele não está depressivo, nem infeliz, mas simplesmente não há aquele brilho e aquela vontade de viver que estavam lá alguns anos atrás”, disse ela.
Uma petição online arrecadou cerca de US$ 15 mil para o cientista voar em classe executiva para a Europa. Ele vai visitar a família na França antes de partir para a Suíça com seus parentes mais próximos.
“Eles (minha família) percebem o quanto minha vida tem sido infeliz em quase todos os aspectos”, disse Goodall à ABC. “Quanto antes ela acabar, melhor”.
O’Neill disse que ele passou os últimos dias revisando as últimas cartas e conversando com sua família, incluindo os muitos netos que tem.
A história do pesquisador chamou a atenção da região em um momento que os legisladores do estado onde ele morava, Austrália Ocidental, avaliam debater uma legislação sobre a morte assistida.
O governo estadual expressou publicamente solidariedade a Goodall, mas afirmou que qualquer legislação a esse respeito envolveria apenas casos de pacientes terminais.
“Meu sentimento é que uma pessoa velha como eu deveria ter todos os seus direitos como cidadã, incluindo o direito ao suicídio assistido”, afirmou Goodall no último mês.
Ele disse à ABC que espera que o público entenda sua decisão. “Se alguém escolhe se matar, isso é justo. Não acho que ninguém tenha direito de interferir”.
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