O livro ‘antiprincesas’ que ensina meninas a se rebelarem

ROTANEWS176 E BBC BRASIL 05/04/2017 09h13

“Era uma vez uma menina que adorava a escola.” Assim o livro infantil Histórias de Ninar Para Garotas Rebeldes começa a contar a história (verdadeira) de Malala Yousafzai, adolescente paquistanesa vencedora do prêmio Nobel e que levou um tiro do grupo extremista Talebã em 2012 por defender o direito das meninas à educação.

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Reprodução/Foto-RN176 Simone Biles, ginasta americana de 19 anos que impressionou o público nas Olimpíadas de 2016.  Foto: Elina Van Dam / BBCBrasil.com

O livro usa ilustrações e narrativa de conto de fadas para contar histórias de cem mulheres inspiradoras ao redor do globo. A ideia é ensinar meninas a se rebelar contra estereótipos de gênero e a seguir seus sonhos.

Desde o lançamento, famílias têm compartilhado nas redes sociais as impressões de seus filhos sobre as garotas rebeldes.

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Reprodução/Foto-RN176 Malala Yousafzai levou um tiro de extremistas por fazer campanha para meninas terem direito de ir à escola Foto: Sara Bondi / BBCBrasil.com

Brynn tem 5 anos e vive em Chicago, nos Estados Unidos. Ela ficou fascinada pela história de Manal al-Sharif, ativista conhecida como “a mulher que se atreveu a dirigir” depois de desafiar a proibição, na Arábia Saudita, de elas guiarem veículos.

“Brynn ficou me perguntando: ‘então eles disseram que ela não podia dirigir?’. E eu respondia: ‘isso mesmo’. Aí ela sorria maliciosamente e dizia: ‘mas ela dirigiu'”, contou sua mãe, Patti.

Brynn ficou tão inspirada pela história que copiou o retrato dela, que sua mãe enviou a Manal ().

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Reprodução/Foto-RN176 Brynn Maddox, de 5 anos, copiou os traços da ativista Manal al-Sharif – e sua mãe o enviou à homenageada Foto: Brynn / BBCBrasil.com

Outra estrela perfilada é a ginasta Simone Biles, uma adolescente americana cujos saltos e giros impressionaram o mundo na Olimpíada do Rio de Janeiro, no ano passado.

Mas há também mulheres menos conhecidas, incluindo Grace Hopper, a pioneira cientista da computação americana, e a jornalista que se tornou levantadora de pesos Amna Al Haddad, dos Emirados Árabes Unidos.

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Reprodução/Foto-RN176  Levantadora de peso Amna Al Haddad, dos Emirados Árabes Unidos, é uma das garotas rebeldes perfiladas Foto: Ecine Von Dam / BBCBrasil.com

Contra estereótipos

Duas autoras italianas, Elena Favilli, de 34 anos, e Francesca Cavallo, de 33, estão por trás do livro que virou um sucesso nos Estados Unidos depois que uma campanha de crowdfunding (vaquinha virtual) arrecadou US$ 1 milhão (R$ 3,12 milhões) em 2016.

Em uma entrevista à BBC, Favilli explicou que elas tiveram a ideia quando perceberam que as obras para crianças ainda são recheadas dos tradicionais estereótipos de gênero.

“Os livros infantis não mudaram desde que somos crianças: os homens ainda são os protagonistas, e as mulheres ainda são as princesas.”

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Reprodução/Foto-RN176 Francesca Cavallo (à esq.) e Elena Favilli publicaram ‘Histórias de Ninar Para Garotas Rebeldes’ Foto: Karstan Lemm / BBCBrasil.com

Disparidades na representação de homens e mulheres em livros infantis tem sido uma questão há muito tempo. Em 2011, acadêmicos da Universidade do Estado da Flórida descobriram que o preconceito de gênero nas obras existe há mais de 100 anos.

Eles identificaram que, de quase s6 mil livros ilustrados publicados entre 1900 e 2000, apenas 7,5% mostravam animais do sexo feminino como protagonistas.

Livros e ilustrações são cruciais para definir como as crianças veem e entendem o mundo. Prova disso seria que, aos 6 anos, meninas se veem como menos talentosas ou “brilhantes” que meninos, de acordo com a pesquisa, publicada em janeiro deste ano.

O estudo sugere que tanto meninas como meninos dessa idade tendem a identificar como “muito, muito espertos” personagens que são masculinos.

“Se todas as crianças lerem que as princesas têm que esperar serem salvas pelo príncipe, então a mensagem que elas aprendem é que mulheres não são tão valiosas quanto homens, que não somos iguais”, disse Favilli.

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Reprodução/Foto-RN176  A vida da rainha Elizabeth 1ª, da Inglaterra, também foi contada como se fosse um conto de fadas Foto: Ana Galvan / BBCBrasil.com

Fora da ficção

As autoras não são as primeiras a tratar da questão da gênero com crianças.

Também cansada de ver meninas retratadas como princesas, a psicóloga americana Stephanie Tabashneck lançou em 2015 um livro de colorir que destaca garotas de diversas etnias em empregos valorizados, como cirurgião, professor e engenheiro.

A Princesa Sabichona, de Babette Cole, é outro exemplo de uma história de desafia as normas, de acordo com a professora Gemma Moss, especialista em educação.

Mas Favilli e Cavallo acreditam que a ênfase em mulheres rebeldes que desafiaram normas sociais na vida real traz uma mensagem importante para as crianças, que geralmente apenas leem sobre meninas da ficção.

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Reprodução/Foto-RN176  No livro, crianças aprendem quem foi a cientista da computação Grace Hopper

Foto: Kiki Ljung / BBCBrasil.com

“Historicamente, as conquistas das mulheres foram diminuídas”, diz Favilli.

“O termo rebelde tem conotações negativas em todas as culturas, e geralmente é considerado ruim quando associado com a mulher. Nossa mensagem é que é aceitável e até mesmo bom para as mulheres quebrar regras.”

Campanha feminista

Robyn Silverman, especialista em desenvolvimento infantil do Estado americano de New Jersey, reúne seus filhos Tallie, de 8 anos, e Noah, de 6, para ler as histórias da obra.

Ela comprou o livro na época do início da campanha #StillShePersisted, criada nos Estados Unidos depois que a senadora Elizabeth Warren foi forçada a parar seu discurso no plenário ao criticar Jeff Sessions, procurador-geral então indicado pelo presidente Donald Trump.

“Escrevi uma dedicação a Tallie dizendo que sempre se rebelasse”, conta Silverman

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Reprodução/Foto-RN176 Robyn Silverman dedicou o livro à sua filha Tallie Foto: Robyn Silverman / BBCBrasil.com

“No livro, há exemplos concretos de mulheres que lutam pela educação das meninas quando isto é ilegal, ou pelo voto feminino quando elas não são aceitas na política – isto mostra para meninas que é possível superar qualquer coisa”, acrescenta.

Silverman diz que seu filho também gosta das histórias:

“Isso é muito importante, porque homens precisam ver que mulheres devem usar suas habilidades e seguir seus sonhos para progredir da mesma maneira que eles – não se trata de dizer que as mulheres são melhores do que os homens.”