O ponto G e o ‘orgasmo vaginal’ são mitos, segundo novo estudo

ROTANEWS176 E HUFFPOST BRASIL 10/11/2014 23:09

A luta para achar o ponto G e alcançar o mítico “orgasmo vaginal” é real. Livrosforam escritos a respeito; terapeutas sexuais explicaram como estimulá-lo; até mesmo a revista Cosmopolitan tentou ensinar as leitoras a achá-lo.

Mas uma resenha publicada esta semana na revista Clinical Anatomy pode acabar com essas buscas infrutíferas. Ela concluiu que nem o ardiloso ponto G nem o orgasmo vaginal existem.

“Como na maioria das coisas relacionadas ao sexo, as pessoas dos dois lados da discussão se esquentam. Mas, do ponto de vista da minha prática clínica, não posso dizer que esteja convencida da existência do ponto G”, diz ao Huffington Post Gail Saltz, professora clínica associada de psiquiatria do New York Presbyterian Hospital e autora de The Ripple Effect: How Better Sex Can Lead to a Better Life (O efeito dominó: como um sexo melhor pode levar a uma vida melhor, em tradução livre). “Acho que muitas mulheres se frustram tentando alcançar algo inalcançável.”

Os cientistas ainda não conseguiram provar a existência do ponto G

No artigo da Clinical Anatomy, os pesquisadores italianos Vincenzo Puppo e Giulia Puppo ressaltam a importância de usar a terminologia correta ao discutir os órgãos sexuais femininos e a capacidade da mulher de ter orgasmos. Eles escrevem que o ponto G, um termo que se refere a um ponto de prazer localizado dentro da vagina, na uretra pélvica, não existe – na verdade, toda mulher pode ter orgasmo se seu clitoris for estimulado. Dessa maneira, o termo “orgasmo vaginal” está incorreto, e “orgasmo feminino” deveria ser usado no seu lugar, argumentam eles.

A pesquisa original sobre o ponto G, liderada por Addiego, que cunhou o termo em 1981 em homenagem ao ginecologista alemão Ernst Gräfenberg, se baseou em uma mulher que “identificou um ponto eroticamente sensível, palpável através da parede anterior de sua vagina”. Quando a área era tocada, aumentava de tamanho, e a mulher relatava aumento da sensibilidade, do prazer e do desejo de urinar – o que levou Addiego a concluir que “os orgasmos que ela sentia em resposta à estimulação Gräfenberg eram semelhantes”.

Entretanto, a nova resenha aponta que a mulher também relatou que, na época dos testes, tinha sido diagnosticada com cistocele nível um, uma condição em que “o tecido de suporte entre a bexiga e a parede vaginal se enfraquece e se estica, permitindo que a bexiga fique saliente dentro da vagina”. Os efeitos colaterais resultantes da cistocele, argumentam os autores, tornam a mulher uma má candidata para a base de uma teoria sexual com evidências médicas frágeis.

Negligenciar o clitoris e enfatizar o ponto G pode ser por que muitas mulheres não atingem o orgasmo.

Apesar dos estudos prévios, os pesquisadores dizem que a vagina não tem relação anatômica com o clitoris. Eles escrevem: “O termo anatômico correto e simples para descrever o conjunto de tecidos eréteis (clitoris, bulbos vestibulares e pars intermedia, lábios menores e corpus spongiosum da uretra feminina) responsável pelo orgasmo das mulheres é ‘pênis feminino’”.

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Reprodução/Foto-RN176 O clitoris feminino (à esq.) e o pênis masculino

O conceito de “pênis feminino” pode soar estranho, mas o pênis e o clitoris têm semelhanças quando se fala de prazer sexual: o formato (veja ilustração acima) e o fato de que o aumento da circulação de sangue leva ao inchaço de seus tecidos esponjosos com a proximidade do orgasmo. O problema é que muito do clitoris não-ereto não é visível – ele pode ter até 9 centímetros de comprimento, segundo umestudo seminal sobre o clitoris publicado pela urologista australiana Helen O’Connel em 1998.

A maioria das mulheres não têm orgasmo durante a relação sexual, portanto entender com clareza o que acontece lá embaixo – e como se referir aos elementos envolvidos – é importante para as mulheres que buscam o prazer sexual, diz Saltz. Especialmente quando se trata de acabar com a vergonha de se sentir “quebrada” por causa da incapacidade de ter orgasmos.

O clitoris “não está para fora, se mostrando, e não vem com um manual de instruções, o que significa que a mulher tem de familiarizar consigo mesma, tem de se olhar e se entender”, diz Saltz. “Depois, ela tem de transmitir isso para o parceiro de maneira que ambos estejam à vontade, o que nem sempre é fácil.”

Mapear o prazer sexual das mulheres é uma questão que vai além do clímax

A nova pesquisa se soma ao já quente debate sobre o prazer sexual das mulheres, que vai além da esfera médica, para os planos do ativismo social e da arte.

Médicos oferecem procedimentos para aumentar a sensibilidade do ponto G, prática que Jeffrey Spike, bioeticista da Faculdade de Medicina da Florida State University, comparou a “fraude médica” em uma entrevista de 2007. Spike afirmou que “o ponto G faz parte da mesma categoria dos anjos e dos unicórnios”. (O American College of Obstetricians and Gynecologists também denunciou esses procedimentos por falta de dados sobre sua eficácia e segurança.)

Além dos opositores clínicos do “orgasmo vaginal”, a artista Sophia Wallace tenta desfazer mitos sobre o orgasmo feminino por meio de seu projeto Cliteracy (um trocadilho com as palavras clitoris e literacy, que significa alfabetização), que usa arte de rua e suas “100 Leis da Cliteracy” para informar homens e mulheres de que o prazer sexual não é somente possível, mas também um passo importante para a paridade de gêneros na sociedade.

As mulheres precisam priorizar a descoberta do que funciona para elas

Como o pênis não consegue estimular o clitoris durante a relação sexual, os pesquisadores sugerem masturbação, sexo oral, masturbação realizada pelo parceiro ou o uso de dedos durante relações vaginais/anais para garantir que o clitoris não seja esquecido. Mas Saltz também nota que muitos dos dados recentes sobre a excitação feminina tratam de como a mulher se sente psicologicamente, em vez de fisicamente – se sente “amada”, “atraente” ou “segura”.

E com relação às mulheres que dizem ter orgasmos do “ponto G”? Força para elas, diz Saltz (bem, em resumo). Mas ela disse também que se concentrar demais no orgasmo possa não ser o caminho mais curto para o prazer.

“Do jeito que tratamos o assunto na sociedade, muitas mulheres acham que [o orgasmo] é o que elas têm de fazer e que ele seria o sucesso supremo de um encontro”, diz Saltz. “Mas muitas mulheres afirmam que é a proximidade; a intimidade compartilhada; e, é claro, a excitação física que representam prazer em si.”

Dito isto, Saltz acrescenta que se surpreendeu que essas descobertas que derrubam o mito do “orgasmo vaginal” sejam consideradas notícia a esta altura.

“O ponto G é uma questão, e certamente há pessoas que acreditam fortemente em sua existência”, diz Saltz. “Mas acredito que mulheres que sejam razoavelmente bem educadas em matéria de sexo saibam onde fica o clitoris, por assim dizer.”