ROTANEWS176 27/02/2025 04:09 Por Carlos Castelo
No mundo da troça sempre existiram dois tipos: o humorista e o comediante.
Reprodução/Foto-RN176 (Dawn Kreiger / Pinterest) Foto:
No mundo da troça sempre existiram dois tipos: o humorista e o comediante. O primeiro é aquele que aceitou o sacerdócio de criticar tudo e todos, sem pertencer a nenhuma ideologia, ideário ou igrejinha. O segundo pode até ser engraçado, mas não é nada confiável. Faz a piada pela piada e lucra com seu ofício.
Vivemos a era dourada do comediante, um personagem que, ao invés de cutucar feridas, oferece tapinhas nas costas de um público ávido por rir, mas jamais por pensar. O humorista virou um fóssil soterrado sob camadas de monetização, curtidas e filtros de Instagram.
O comediante entende o jogo: ele não é pago para chocar, mas para agradar. E, se puder fazer isso com uma piada segura sobre papagaios ou sogras, melhor ainda. A plateia aplaude, gargalha e compartilha — afinal, quem quer carregar o fardo de uma anedota que expõe as vísceras do ridículo humano?
O humorista de verdade não tem esse luxo. Ele não conta com um público fiel, não ganha contratos de publicidade, nem sai em selfies com celebridades. Sua piada não é uma massagem no ego, é um tapa na cara. É o tipo de sujeito que, se fosse convidado para um talk show, exporia, em minutos, a superficialidade das perguntas e o vazio das pautas. No fim, o próprio apresentador se demitiria para repensar a carreira.
Por isso, o mundo não quer mais os humoristas. Prefere comediantes domesticados, que não digam nada de realmente importante. Gracejos sobre política só se forem inofensivos. Religião é melhor nem tocar. E, se o humorista resolve criticar a hipocrisia social, logo alguém se levanta da plateia com olhos marejados, dizendo que foi desrespeitado. Vivemos a era do riso protocolar.
Groucho Marx, Lenny Bruce, Millôr Fernandes, Ivan Lessa se ressuscitassem hoje, morreriam de novo em minutos — de tédio. O que eles fariam com um cenário em que a sátira foi substituída por esquetes de 15 segundos e o sarcasmo deu lugar a memes estéreis?
No fim, os comediantes vencem porque entendem a regra número um do espetáculo contemporâneo: o espectador não quer espelhos que mostrem suas fissuras. Quer filtros. Quer ver-se esbelto, espirituoso e, sobretudo, inquestionável. E o humorista, esse estraga-prazer, insiste em quebrar todos os espelhos, sacudir os cacos, e dizer: “Aqui está a verdade! Riam disso!”
Mas ninguém ri. Ou, se riem, é só para não parecerem desprovidos de humor. Porque, hoje, piada boa é a que ninguém discorda.
FONTE: ESTADÃO CONTEÚDO