CULTURA
ROTANEWS176 E POR IG 24/06/2018 05:00 Por Bárbara Saryne
Tânia Callegaro acredita que o modo como as pessoas se vestem nas festas de junho demonstra um forte preconceito às comunidades pobres e rurais
O mês de junho já está chegando ao fim, mas ainda dá tempo de aproveitar uma boa festa junina. Presente no país inteiro, a celebração é animada e agrada muitos brasileiros. Com o passar do tempo, porém, não dá para negar que ela enfrentou várias adaptações e ficou longe de ser a festa tradicional mais querida de alguns estudiosos.
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Reprodução/Foto-RN176 Para Tânia, a festa junina é um meio que escolas encontraram para ganhar dinheiro deixando a cultura em segundo plano
“A festa junina vem lá dos séculos 16 e 17, chegou no Brasil através dos portugueses, como uma comemoração pela boa colheita, e se desenvolveu no campo, na área rural. Nesse desenvolvimento, ela foi se adaptando de acordo com a história, as funções da religião e a geografia do país”, garante Tânia Callegaro, especialista em arte e cultura e professora dos cursos de biblioteconomia e ciência da informação, na FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Quando pensamos nesse tipo de festa, logo imaginamos um espaço decorado com bandeirinhas, fogueira e uma mesa repleta de doces, milho e derivados. Para compor o look dos convidados, peças de roupas com tecidos remendados, maquiagem exagerada, fitas e pintinhas no rosto não podem faltar. Mas é justamente essa caracterização forçada que incomoda a professora de artes e outros acadêmicos.
“A gente se pergunta se com o passar do tempo o que restou dessa festa foi só o preconceito em relação às comunidades pobres e rurais. Quando você cria uma caricatura para o camponês, você mata a cultura caipira e as memórias dos caiçaras, que são riquíssimas”, lamenta Tânia.
Para ela, as festas não deixariam de ser divertidas se deixassem de reforçar estereótipos desse povo. Ainda de acordo com a professora, as músicas dos caiçaras, especialmente, são belíssimas, mas dificilmente tocam nas festas juninas. Além disso, geralmente se tem a celebração de um casamento durante as quadrilhas, que deveriam deixar de existir, por não representar essas pessoas de uma forma positiva.
“O casamento é feito de uma forma muito debochada e, com isso, temos uma representação grotesca da comunidade caipira”, avalia a especialista. Para ela, falar de apropriação cultural, neste caso, é complicado, já que a cultura é por si só um conjunto de representações simbólicas e reações que as pessoas têm a partir de algumas referências.
Reprodução/Foto-RN176 Vestir roupas remendadas e pintar os dentes não é positivo, na visão dos acadêmicos, pois visual não representa caipiras
Os primeiros modelos que os brasileiros tiveram para se inspirar em tudo vieram dos colonizadores. Isso, até hoje, é o que dá uma certa singularidade quando se fala em comemorações típicas, como a festa junina. No entanto, por se tratar de um país com dimensões continentais, a festa já foi recriada de diversas maneiras e ganhou aspectos diferentes de norte a sul do Brasil.
Enquanto no sul e sudeste a festa acabou adquirindo influências dos norte-americanos, sobretudo com o country, o nordeste segue firme com a tradição caipira , mas isso não quer dizer que siga 100% original. As mudanças, segundo Tânia, é vista com bons olhos, pois o ser humano vive em constante transformação. O que preocupa é quando o consumo fica em primeiro plano.
“Vivemos em uma lógica capitalista e de consumo que pode nos remeter ao fato de estarmos alienados. O consumo desenfreado descaracteriza a festa junina e anula a nossa própria identidade. Hoje, a festa é só uma diversão para arrecadar dinheiro nas igrejas e escolas”, dispara a estudiosa.
Solução para o problema
Reprodução/Foto-RN176 Para professora, escolas deveriam abordar a cultura caipira de uma forma diferenciada desde o ensino fundamental
A solução apontada por Tânia para as festas juninas deixarem de apresentar apenas versões estereotipadas da cultura caipira é um trabalho ativo de professores e instituições de ensino desde o ensino fundamental.
“A mídia e as escolas deveriam se empenhar mais para combater essa caracterização grotesca e ofensiva. O que está acontecendo é que está se criando uma hegemonia em que os próprios jovens ficam com vergonha de preservar a cultura”, afirma.
Para Tânia, é bom que fique claro que sua luta não é para que as pessoas deixem de vestir o que gostam e se comportem de uma forma diferente no dia a dia, a questão é a importância de todos terem o entendimento que essa representação não é real.
“Não quero dizer que os jovens precisam deixar de usar o tênis e a calça da moda, mas acredito que é um dever nosso apresentar os valores reais dessa cultura, já que a festa junina está cada vez mais ganhando espaço em condomínios, ruas, escolas e igrejas”, finaliza.