ROTANEWS176 09/04/2015 11h24 Por JC
A turnê do cantor e compositor de nome restrospectiva teve inicio na Cidade do Rio de Janeiro, e seguirá por alguns Estados do país como: Belém , Salvador, Recife, Natal, Manaus, Brasília e Belo Horizonte
Foto-RN176 O cantor e compositor Paulinho da Viola comemora seu 50 anos de carreira com show no palco do HSBC Brasil na zona sul de São Paulo
O cantor e compositor Paulinho da Viola tem cadência própria. Sem lançar um álbum inteiramente de inéditas desde 1996, ele revelou que tem uma fornalha fresquinha de composições. Assim como nos versos “meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim” (“Meu Mundo é Hoje”, de Wilson Batista, gravada por Paulinho em 1972), ele pondera, sem preocupação, que não tem pressa para lançá-las: “Não sei nem te dizer quando vou fazer isso. Quando gravo, me dedico só àquilo, dia e noite, mudando música, mudando letra, troca isso, aquilo”.
Nenhuma das novas composições estará no show comemorativo dos 50 anos de carreira, que volta a São Paulo de quinta (9) a domingo (12), no Sesc Pinheiros, com ingressos esgotados. Ele cantará uma ou outra faixa mais rara, mas o foco são as canções mais marcantes de sua carreira, como “Sinal Fechado“, que se tornou síntese do sentimento político dos anos 1960, mas que surgiu mesmo depois do carioca cair no limbo entre o sono e o falso despertar dentro de um ônibus lotado. “Não foi uma coisa intencional [falar de política]. Acho até impossível eu fazer isso”.
A política realmente não aparece intencionalmente em suas canções, muito menos em entrevistas. Embora apareça relacionado na lista de artistas que apoiaram a presidente Dilma Rousseff nas eleições do ano passado, ele se nega a comentar esses assuntos. “Não acho que seja positivo para o processo político, para a democracia”.
O cantor e compositor de 72 anos, que também lança caixa com seus álbuns remasterizados pela Universal, mantém a mesma elegância dos palcos. Sem alterar o tom da voz calma, ele pontua melhor suas respostas com a risada. Diz que ouve Criolo e sempre está ligado em novidades, mas quando algo lhe causa angústia, parte para o mesmo refúgio de sempre. “Toda vez que fico em dúvida – o que eu faço? para onde eu vou?– eu ouço Pixinguinha, ouço um Cartola, um Nelson do Cavaquinho”.
Como você tem comemorado esses 50 anos de carreira? Há alguma novidade nessa retrospectiva?
Paulinho da Viola – Na verdade, foi uma dificuldade reunir músicas de tanto tempo e condensar isso no espetáculo que, na primeira vez que apresentamos, chegou a 1h50 de duração. É muita coisa. O que cortar? Tinha coisas que eu não podia deixar de fora. Tem três choros, que é uma coisa que eu não venho tocando há muito tempo, algumas outras composições que eu também não tocava. Apesar de eu ter músicas inéditas, canções com parceiros, eu não gosto muito de mostrá-las no show. Eu não faço assim. Estou guardando essas músicas para uma eventual gravação. Eu tive dificuldade em deixar alguns autores que me foram muito importantes de fora. Nós sempre somos movidos por uma intuição, uma ideia de como fazer um roteiro, e dar certo ritmo a ele, mas é uma coisa muito difícil. Preferi simplificar.
Falando em novas composições, você não lança um álbum inteiramente de inéditas desde “Bebadosamba”, de 1996.
Não sei nem te dizer quando vou fazer isso. Estou guardando essas músicas. Essa coisa do disco mudou muito com a internet. Divulgação, promoção. Há pouco tempo, era a EMI que ia lançar a caixa, agora foi a Universal [A gravadora EMI foi comprada pela Universal e pela Sony em 2013]. Eu não estou com muita pressa para gravar. Eu tenho dois discos gravados ao vivo há alguns anos, inclusive com músicas inéditas. Posso fazer dois discos ou até mais. Tem coisas incríveis lá. Gravar comigo é uma coisa diferente. Quando vou gravar, me dedico só àquilo, dia e noite, mudando música, mudando letra, troca isso, aquilo. Por isso não gravo tanto.
O ritmo de composições então não mudou?
Mudou sim. Claro. Eu pego meu instrumento começo a tocar e de repente tenho uma ideia e registro. Tenho várias ideias registradas, algumas eu perdi. Eu tinha muitas ideias quase prontas em um gravador pequenininho, desses digitaizinhos, que você está lá dirigindo, pega, aperta o botão e vai. Deixei muitas ideias lá. Mas esse caiu dentro de uma coisa de água, era muito pequenininho, e perdi tudo. Se fossem aqueles antigos, não teria esse problema (risos). Era só deixar secar. Agora eu tenho outro com 12 temas fechados. Levei quase dez anos para fazer uma letra para o Francis Hime, e outras vezes eu faço rapidamente. Eu não tenho muita disciplina.
É “Meu Mundo é Hoje” mesmo, né?
É, uma coisa assim (risos).
Reprodução/Foto-RN176 O cantor e compositor Paulinho da Viola na quadra da sua Escola de Samba favorita, ele é portelense, é considerado um dos maiores incentivador da Portela
Quando eu preciso ouvir um disco, como fiz agora para o trabalho de remasterização dos meus álbunus, me dá uma angústia. Não, o acorde não é esse. Não, a melodia tem que ir para esse lado. Não, a letra está errada. Prefiro não ouvir, porque você quer mexer e não pode mais mexer
Nesta semana, o primeiro festival de Música Popular Brasileira também completou 50 anos. Você, com cinco décadas de carreiras completados em 2014, também participou de outras edições do festival.
Para mim foi uma coisa prazerosa. Participei no primeiro festival da Record, em 1966, e só fiquei sabendo por que meu parceiro Capinam havia inscrito “Canção para Marias”. Ficamos em terceiro lugar. Aliás, faz muito tempo que eu não canto essa música (risos).
Você tinha prometido tocar essa música no show de 50 anos, não?
Pode ser. Não lembro. É tanta coisa (risos). Sabe, eu não ouço muito as coisas que eu fiz. Quando eu estou fazendo, tudo bem, mas quando acaba, uma ou outra coisa, de tempos em tempos, eu volto a ouvir. Quando eu preciso ouvir um disco, como fiz agora para o trabalho de remasterização dos meus álbunus, me dá uma angústia. ‘Não, o acorde não é esse. Não, a melodia tem que ir para esse lado. Não, a letra está errada’. Prefiro não ouvir, porque você quer mexer e não pode mais.
A emblemática “Sinal Fechado” venceu o festival em 1969 e foi exaltada com uma síntese do sentimento de uma época. Você teve realmente a intenção de escrever uma canção política?
Sinceramente, não. “Sinal Fechado” é resultado de uma experiência que para mim foi um sonho. Até hoje não tenho certeza. Era como se eu tivesse adormecido um pouco. Era uma imagem, que depois eu associei a um amigo que eu não via há muito tempo, e que, claro, fazia política. Ele passava por mim e dizia: ‘preciso muito falar com você, precisamos conversar’, às vezes nós nos encontrávamos, mas não conseguíamos conversar. Depois ele até sumiu, mas isso ficou. Depois eu tive essa experiência meio sonho, dentro de um ônibus cheio no Rio de Janeiro, e eu queria falar com a pessoa que estava na frente e não conseguia. É como se fosse uma fração de segundo, como se eu tivesse adormecido. Essa imagem ficou tão forte que me inspirou. De uma forma inconsciente, eu estava abordando um momento que vivíamos. Mas não foi uma coisa intencional. Acho até impossível eu fazer isso.
Há outra canção, “Para um Amor no Recife“, que também é interpretada dessa forma. Ricardo Batista Amaral conta no livro “A Vida Quer é Coragem” que a presidente Dilma Rousseff colocava essa música na prisão, toda vez que uma amiga sua voltava de uma sessão de tortura.
Eu encontrei essa amiga em Brasília no ano passado, ela me foi apresentada e eu nem sabia dessa história. Ela me mostrou as cartas da época e disse que a Dilma realmente colocava ‘Para um Amor no Recife’ para tocar. É engraçado, essa canção foi feita para uma senhora de Recife, uma professora muito conhecida, que pediu permissão para minha mãe para me chamar de filho. Era uma pessoa que fez política também e por quem eu guardava um carinho especial. Tem essas histórias aí… A Dilma não sabe dessa. Algumas pessoas até me perguntaram, você teve um caso no Recife? E eu digo não. (risos).
Falando em Dilma, você apoiou a campanha dela…
(interrompendo) Aí é que está. Eu participei de muitas coisas nos anos 1970, de vários movimentos que lutavam pela democratização do país. Eu nem gosto de falar isso porque parece que você está querendo mostrar importância, não gosto muito. Mas em 1990, perguntavam aos artistas: ‘em quem você está votando?’ Eu não achei legal. Só porque você é um artista? Uma pessoa conhecida? O que isso pode influir positivamente? Desde então, não falei mais. Fiquei surpreso quando eu vi minha foto em uma revista em apoio a Dilma. Eu fiz uma notinha na época, explicando que eu não estou dizendo para ninguém em quem vou votar. Nessa coisa da internet, a turma vai botando tudo. Mas eu não falei isso…
E não fala.
Não falo. Acho uma questão delicada, de muita responsabilidade. Não acho que seja positivo para o processo político, para a democracia.
Você sempre foi um músico muito aberto a outros gêneros musicais. O que você tem ouvido em casa?
Tenho ouvido o disco da Monica Salmaso, que ela gentilmente me deu. Mas tem tanta coisa acontecendo, coisas que nem sabemos. Agora que a internet está aí… Não necessariamente está na mídia. Tem um grupo de pagode novo, que eu não lembro nome, mas que tem um jeito de cantar. Gostei, achei interessante. Fui falar com a Beatriz, minha filha, mas ela não gostou (risos). Tem um álbum da Zélia Duncan que eu sempre volto a ouvir, o “Eu me Transformo em Outras”. Sempre ouço e me sinto feliz. Ouvi coisas novas do Criolo também e gostei bastante.
Sua apresentação é de uma delicadeza na voz e nos arranjos que não encontra eco hoje em dia. Muitos falaram, no passado, que estamos chegando no fim da canção. O que acha disso?
Eu nunca pensei assim. Eu não sei. A vida muda, os valores mudam. Nós vivemos em um momento em que o processo todo é uma desconstrução que não acaba. Todo dia tem quem queira reinventar tudo, no plano da arte, inclusive. Acredito que estamos em um momento de liberdade. Não sei avaliar que momento é esse, e se há uma mudança. Não sei (pausa). Toda vez que fico em dúvida – ‘o que eu faço? para onde eu vou?’ – eu ouço Pixinguinha, ouço um Cartola, um Nelson do Cavaquinho (risos).