Por que a Sabesp perdeu sua chance de ser privatizada

ECONOMIA=NEGÓCIO

ROTANEWS176 E POR MOVER 03/09/2022 00:25                                                                                                        Por Bruna Narcizo

Sabesp foi considerada a joia da coroa da agenda de privatização de João Doria, mas atualmente não é mais considerada “privatizável”

 

Reprodução/Foto-RN176 Foto Mover-TC

São Paulo, 19 de agosto – Eram pouco mais de 14h do dia 20 de agosto de 2021, quando Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados e recém-empossado como secretário de Ações Estratégicas do governo de São Paulo, afirmou que sua prioridade seria a privatização da Sabesp antes do fim de 2022. Tudo deu errado.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo foi considerada a joia da coroa da agenda de privatização do ex-governador João Doria, mas atualmente não é mais considerada “privatizável”, segundo as fontes que falaram com a reportagem.

De acordo com essas pessoas, na expectativa de ser vendida, a Sabesp ignorou a aprovação do marco regulatório do Saneamento, fez atualizações de sistemas que foram mal sucedidas, e acabou sucumbindo a forças políticas em meio à aproximação do calendário eleitoral.

A situação pode até agradar aqueles que não veem na privatização uma solução para melhorar a qualidade dos serviços e acelerar o desenvolvimento da empresa. Neste momento, nem mesmo fiéis defensores de movimentos privatistas, como o candidato ao Palácio dos Bandeirantes Tarcísio de Freitas, consideram a privatização algo viável. Em debate na TV Band, em 7 de agosto, afirmou que “tem que olhar essa questão da privatização com cautela, mas sempre com os parâmetros de desempenho”.

A verdade é que, por dolo ou imperícia, o plano de privatização atabalhoado fez mal à companhia. “A possível privatização da Sabesp, que foi trabalhada pelo governo Doria, foi um grande prejuízo para a empresa e para o estado de São Paulo. As estratégias de visão de longo prazo ficaram mais frágeis”, disse o advogado Rubens Naves, especialista em saneamento básico.

Outra fonte, que falou com a reportagem na condição de anonimato, concorda com a opinião do advogado e usa como exemplo a posição da empresa antes da aprovação do marco legal. Essa pessoa afirmou que a Sabesp deixou “dinheiro na mesa” ao não renovar os contratos de concessão antes da aprovação do marco legal.

“Cagece, do Ceará, e Sanepar, do Paraná, renovaram quase todos os contratos até 2050. O maior contrato da Sabesp, que é São Paulo e corresponde a 60% do caixa da empresa, não foi renovado e vence em 2040”, afirmou.

Procurada, a Sabesp afirma que não houve necessidade de aditamento do contrato com a cidade de São Paulo, “uma vez que as metas estabelecidas pelo novo marco legal serão atendidas antes do fim de sua vigência”.

Como agora paira a dúvida sobre a sustentabilidade da companhia nas próximas décadas, seria necessário um grande esforço político que permitisse à Sabesp conseguir uma renovação em termos vantajosos no estado de São Paulo. E essa é uma benesse que faz muito mais sentido quando concedida para uma estatal.

Para agravar a situação, os resultados da companhia vêm piorando desde então. No segundo trimestre deste ano, a Sabesp apresentou despesas 19% maiores com pessoal, materiais e serviços de terceiros, corroendo as margens operacionais — o Ebitda ficou em R$1,51 bilhão no trimestre, frustrando a expectativa de analistas, como a de João Pimentel, do BTG Pactual, que esperava 16,5% a mais do que foi anunciado.

Nos dias 11 e 12 de agosto, a frustração foi refletida no preço das ações da Sabesp, que afundaram 7% no período. Na prática, o mercado entendeu que a companhia perdeu rentabilidade.

Mas não foi somente neste trimestre que a rentabilidade da Sabesp começou a fazer água. A gestão Doria recebeu a Sabesp em 2019. No último trimestre de 2018, o ROE — métrica que mede o retorno sobre o patrimônio líquido, na sigla em inglês — da companhia estava em 14,5 e caiu para 9,26 nos últimos quatro trimestres.

O crescimento também está se deteriorando. O crescimento da receita medida pelo índice CAGR — sigla em inglês para taxa de crescimento anual composta — passou de 9,19%, em 2018, para 12,53% em 2019. Desde então, afundou e no último trimestre chegou a 8,5%. Os dados foram retirados do terminal TC Economatica.

Captura política

A resposta para isto tudo parece ser explicada por uma outra queixa, também feita pelas fontes ouvidas pelo Scoop: a volta do uso político da empresa.

A Sabesp informa que em relação aos cargos, a empresa “cumpre as prerrogativas estabelecidas pelos órgãos de controle do Governo do Estado”.

Segundo algumas pessoas que conversaram com a reportagem, o número de cargos comissionados, aqueles que não precisam prestar concurso, aumentou nos últimos anos.

A empresa também amarga problemas de escopo prático. A utilização de um software chamado Meta tem criado dificuldades para faturar os gastos, sobretudo de prédios e condomínios em São Paulo, disseram duas fontes.

“O problema ocorre quando há alguma mudança em um apartamento de um prédio, por exemplo. Aí todos os apartamentos deixam de ser faturados. Existem prédios que gastam mais de R$ 100 mil e que estão sem pagar água há meses”, disse em sigilo uma pessoa ligada a uma empresa que faz individualização de cobrança em condomínios.

A Sabesp afirma que a plataforma foi adotada dentro do seu processo de transformação digital e serve para melhorar o relacionamento com o cliente. “Esclarece ainda que eventuais impactos na transição para a nova plataforma digital foram mapeados e acompanhados, garantindo o pleno atendimento às demandas dos clientes”, disse em nota.

A empresa que criou o software, a SAP, também foi procurada e não retornou aos pedidos de comentário feitos pela reportagem.

Texto: Bruna Narcizo
Edição: Renato Carvalho
Imagem: Vinicius Martins / Mover
Comentários: equipemover@tc.com.br