ROTANEWS176 E POR ISTOÉ 27/08/2022 9:30 Por Vicente Vilardaga
Porta-aviões São Paulo deixa o Brasil contaminado com 9,8 toneladas de amianto e com pendências jurídicas para ser transformado em sucata e desmontado na Turquia, onde causa revolta entre ambientalistas
Reprodução/Foto-RN176 SUCATA Quando foi comprado, no ano 2000, o São Paulo já estava envelhecido e ultrapassado (Crédito: Divulgação)
Vendido para um estaleiro turco, o porta-aviões São Paulo zarpou do Brasil há duas semanas e está dando seu último suspiro em alto-mar. Navega envolto em polêmicas, puxado por um único rebocador a caminho de seu destino, o porto de Aliaga, no Mar Egeu, para ser desmanchado e transformado em sucata. É o maior navio que a Marinha brasileira já teve e também era, até 2017, quando foi desativado, o mais antigo porta-aviões em operação no mundo. Neste momento, a embarcação está perto das Ilhas Canárias e deve cruzar o Estreito de Gibraltar nos próximos dias. O problema é que ela está contaminada com 9,8 toneladas de amianto, material altamente cancerígeno e nocivo ao meio ambiente. Grupos ambientalistas turcos têm se manifestado para evitar que o São Paulo chegue ao litoral do país. No Brasil, uma liminar da Justiça tentou impedir que ele deixasse a Ilha das Cobras, na Baía da Guanabara, onde estava ancorado, mas acabou desrespeitada. “A gente está tentando interromper a viagem, mas não sei se vamos ter sucesso”, diz Nicola Mulinaris, membro da NGO Shipbreaking Platform, coligação internacional de entidades ambientalistas, que monitora o porta-aviões. “Nesse processo todo houve e há vários descumprimentos da legislação internacional, o que torna a exportação do navio ilegal. O Sâo Paulo deveria voltar imediatamente para o Brasil”.
Construído na França em 1960, o porta-aviões, cujo nome de batismo é FS Foch, começou a operar em 1963 e atendeu a Marinha do país até o ano 2000, atuando em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na Europa. Quando chegou ao Brasil já estava envelhecido e ultrapassado. Desde 2017, com o impulso do Instituto São Paulo-Foch, organização sem fins lucrativos comandada pelo militar aposentado Emerson Miura, se discutia a sua conversão em museu. Mas a ideia acabou descartada pela Marinha, que realizou um leilão para se desfazer do São Paulo. O porta-aviões foi arrematado por R$ 10,5 milhões, em março, pela Cormack Marítima, representante da empresa turca Sok Denizcilikve Tic, especializada em desmonte de grandes embarcações. Desde então se discute o risco ambiental do negócio e, por causa do amianto, Miura entrou com um processo para evitar que o navio fosse para a Turquia. “Fui informado que estava vindo para o Brasil um rebocador, tomei as medidas judiciais no dia 4 de julho e obtive uma liminar para impedir a viagem”, conta. “Como signatário da Convenção da Basileia, nosso País é proibido de exportar materiais tóxicos, assim como a Turquia não pode importar.” A liminar ordenava o retorno do porta-aviões, mas sorrateiramente ele seguiu viagem.
Reprodução/Foto-RN176 FORÇA NAVAL No período em que foi usado pela Marinha brasileira, o porta-aviões navegou apenas 206 dias (Crédito:Divulgação)
A compra do porta-aviões FS Foch no ano 2000 para substituir o antigo Minas Gerais, que liderou a frota brasileira entre 1960 e 2001, já foi um negócio temerário. A Marinha brasileira desembolsou US$ 10,2 milhões na época. Acidentes com quatro mortes a bordo e problemas técnicos restringiram sua utilização. No total, em 15 anos a serviço do Brasil, ele navegou apenas 206 dias. Entre 2005 e 2011, ficou estacionado para reparos e, em 2014, parou de operar definitivamente. Para voltar a navegar, seria necessária uma substituição completa no sistema de propulsão, com a instalação de geradores e motores elétricos. O custo da modernização alcançaria R$ 1 bilhão.
Discute-se muito a real necessidade militar da Marinha brasileira, cuja maior parte das atividades envolve o policiamento da costa, ter um porta-aviões. Com o São Paulo, o país era o único do Hemisfério Sul a ter um navio desse porte. Hoje, a principal embarcação da força marítima nacional é o Porta-Helicópteros Multipropósito (PHM) Atlântico, que pode operar qualquer aeronave de asas móveis, mas não de asas fixas. No Plano Estratégico da Marinha (PEM) para o ano de 2040 consta o objetivo de adquirir um “navio de controle de áreas marítimas (NCAM) capaz de operar com aeronaves de asa fixa, rotativa e/ou remotamente pilotadas”. É uma aquisição que ainda deve demorar. Enquanto isso, o velho porta-aviões segue para a Turquia no que deve ser sua última viagem. E, nessa altura, as chances de uma mudança de rumo acontecer são remotas.