Programa de namoro ajudou inglesa que teve rosto deformado

RENEWS176 E BBC BRASIL 07/01/2016 15h12

Tammy Saunders, que teve parte do rosto deformado por conta de uma meningite, contou como um programa de namoro lhe devolveu a autoconfiança

“Acho que ninguém pode dizer que é 100% seguro de si.

Todos temos aspectos de nossa aparência, personalidade ou habilidades que causam insegurança uma vez ou outra. Os anos de adolescência são normalmente os piores e, para mim, essa fase foi um luta crescente contra pele ruim, cabelo crespo e problemas com o corpo.

A beleza e o carisma da infância foram gradualmente sendo afastados. Na metade da minha adolescência eu era tão insegura que tentava evitar qualquer atividade em que as pessoas pudessem olhar para mim.

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Reprodução/Foto-RN176 Tammy recuperou parte da sua confiança ao participar de programa de TV Foto: Channel 4 / BBCBrasil.com/Reprodução

Minha mãe via que eu tinha problemas de autoestima e decidiu tomar uma atitude: me fez tentar uma vaga em um restaurante. Eu fiquei apavorada só de pensar e mais ainda quando fui chamada para a vaga de garçonete.

Mas em questão de meses eu virei uma das melhores funcionárias da equipe. Eu ainda odiava minha aparência, mas isso não era o mais o foco principal. Eu era elogiada e admirada pelas minhas qualidades.

Por volta dos 20 anos, eu havia desenvolvido isso e, com mais base, rímel e batom, eu me achava mesmo bonita. Eu tinha um namorado, uma casa, uma carreira e pela primeira vez em anos eu estava razoavelmente feliz com minha aparência e a vida em geral.

Só que, ao 32 anos, minha aparência e minha vida mudaram para sempre.

O Natal de 2013 seria como qualquer um: eu iria para a casa da minha mãe para passar as festas com a família. Havia planejado uma viagem para Londres no dia 27 para ver minha irmã e a família dela. Acordei me sentindo mal, então adiei a viagem para o dia seguinte. Mas no dia seguinte acabei indo parar na UTI de um hospital da minha cidade.

O que eu pensei que era uma ressaca foi piorando até eu mal poder sair da cama e uma gota d’água me fazer vomitar. Primeiro, eu achei que era uma vírus bem pesado e tinha certeza que meu irmão estava fazendo drama com aquele papo sobre ir ao médico.

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Reprodução/Foto-RN176 Imagem do programa mostra encontro com pretendente Foto: Channel 4 / BBCBrasil.com/Reprodução

Quando minhas pernas e lábios ficaram dormentes, fiquei um pouco mais preocupada. Minhas extremidades estavam frias e nada que eu fazia era capaz de esquentá-las. Fui para o quarto da minha mãe e só de olhar para mim ela berrou para meu padrasto chamar uma ambulância.

Duas horas depois eu estava em coma em uma cama de hospital ligada a tubos, monitores e máquinas para sobreviver.

Levou dez dias para eu ser diagnosticada com septicemia meningocócica, um tipo de meningite que causa envenenamento do sangue. Eu também tinha coagulação intravascular disseminada (CID), uma versão grave de uma erupção cutânea associada à meningite. A CID levou meu vasos sanguíneos à hemorragia. O que primeiro parecia um hematoma depois foi ficando preto, à medida que minha circulação era interrompida.

Minhas extremidades foram as mais afetadas e isso resultou em necrose do meu rosto e membros. Perdi a parte debaixo do meu nariz e meus lábios quase inteiros. A carne da parte de baixo das minhas pernas e pequenas partes dos meus braços, mãos e pés tiveram que ser removidos e a pele que sobreviveu é marcada por queimaduras que parecem cicatrizes.

Tendões, músculos e nervos também foram danificados, por isso fiquei desfigurada e com problemas de mobilidade.

Então ali estava eu de novo, com um corpo e um rosto que me faziam profundamente infeliz. Passei 4 meses hospitalizada. Mas quando deixei a segurança do hospital, onde era aceitável estar horrível e todo mundo sabia por que eu estava assim, fiquei insegura.

Antes da minha doença, eu havia batalhado para virar uma pessoa sociável e ativa, mas quando saí do hospital, quase nunca saía de casa.

Me sentia capenga e patética. Foi como se a velha Tammy, independente e de espírito livre, tivesse morrido, e em seu lugar estava essa pessoa que eu mal reconhecia. Eu não gostava do que eu via, e não só por causa da minha aparência.

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Reprodução/Foto-RN176 Ela havia tido problema com sua autoimagem na adolescência, mas se esforçou para superá-los  Foto: Arquivo pessoal/BBC Brasil/Reprodução

Quando eu mencionei esses sentimentos para amigos e minha família eles ficaram surpresos. Para eles, eu era a mesma Tammy, mas com o bônus de ter lutado durante uma época difícil com um sorriso no rosto.

Por mais constrangedor que fosse – e ainda é -, ouvir palavras como “inspiração” e “poder” me fazia pensar que as pessoas não podiam estar erradas. Eu era a mesma pessoa por dentro e merecia ser feliz.

Por isso me inscrevi para participar do programa do Channel 4, emissora de TV britânica, The Undateables – um programa de namoros na TV para pessoas com deficiência. Eu havia enganado a morte – pelo amor de Deus, eu tinha certeza que não havia nada que eu não pudesse fazer.

Então, como minha mãe havia feito comigo no passado, eu decidi me arriscar.

Funcionou. Participar do programa me deu o empurrão que eu precisava. Eu fui lembrada dos meus pontos positivos e foi surpreendida positivamente ao ver que todo mundo que eu conhecia também via essas características, e não apenas um rosto feio. Isso, vindo de desconhecidos que não tinham “a velha Tammy” como referência, isso foi animador e eu achei que contar a história seria um processo catártico.

O encontro romântico foi a cereja do bolo.

Eu estava uma pilha de nervos antes, mas minutos após conhecer Gary consegui esquecer minha aparência. Ele olhou nos meus olhos, não para minhas cicatrizes, e gostava de mim pela minha personalidade. Eu finalmente provei que apesar de tudo que aconteceu, eu ainda sou atraente, por causa da pessoa que sou por dentro.

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Reprodução/Foto-RN176 No Twitter, Tammy recebeu mensagens de apoio de espectadores do programa Foto: Twitter / BBCBrasil.com/Reprodução

Desde o programa eu voltei ao hospital três vezes e a cada vez fiz novos amigos. Quando fui internada pela primeira vez eu nem queria ver meus amigos por medo de como eles reagiriam à minha aparência. Mas agora tenho segurança para conversar, rir e chorar com pessoas que mal conheço.

E essa confiança cresce a cada pessoa que me diz algo carinhoso ou mantém contato porque se importam sobre minha recuperação.

Muitas vezes me dizem que não importa o que as pessoas pensam sobre mim, mas importa – especialmente quando as opiniões deles confirmam algo que eu já sentia sobre mim mesma.

Eu tive algumas reações negativas. Algumas pessoas ficam olhando para mim e cochicham e, embora eu entenda esse comportamento, acho errado.

Desde que o episódio do programa sobre mim foi ao ar, o nível de confiança que senti ao final do encontro com o Gary cresceu dez vezes.

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Reprodução/Foto-RN176 Apoio de desconhecidos após programa ajudou a melhorar autoestima, diz TammyFoto: Channel 4 / BBCBrasil.com/Reprodução

 

Eu havia me preparado psicologicamente para a reação, porque sei que há muita gente que tem prazer em dar feedbacks negativos, mas que eu não tinha que me incomodar. Eu esperava que amigos e família me apoiassem, mas também recebi elogios de pessoas que eu não conhecia e inúmeros tuítes carinhosos.

Isso só confirmou para mim, mais uma vez, que sou uma pessoa querida.