ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 02/07/2022 10:24 Por Jorge Kuranaka
COLUNISTA
As diferentes interpretações do silêncio no direito
Reprodução/Foto-RN176 Desenho ilustrativo da matéria – Ilustração: GETTY IMAGES
As leis regem a nossa vida e a dos países nas democracias modernas. Governantes, parlamentares e juízes devem realizar suas funções segundo as leis do país, assim como nós, cidadãos.
Não é raro tomarmos conhecimento de aplicações diferentes de uma mesma lei por juízes e tribunais. Mesmo no Supremo Tribunal Federal, formado por onze ministros, todos de notório saber jurídico, às vezes um julgamento importante acaba decidido por um só voto de diferença. Como isso é possível?
Acontece que tão importante quanto as leis é a interpretação que se faz delas. O direito tem um ramo destinado ao estudo de métodos e princípios de interpretação das leis chamado ‘hermenêutica jurídica’. Entre os métodos, o gramatical leva em conta a redação do texto legal, e, às vezes, o uso da conjunção “e” ou de uma vírgula fará toda a diferença. Entre outras vezes, um artigo da lei é interpretado tendo em vista a sua finalidade, ou dentro de um contexto mais amplo, considerando também outras leis, ou a norma mais importante de todas, a Constituição Federal.
É tão comum a divergência de interpretações de leis que o direito criou mecanismos na tentativa de obter maior uniformidade das decisões do Judiciário. A importância do assunto aumenta quando se tem mais de 75 milhões de processos em andamento no Brasil.1 Uniformização de jurisprudência, súmulas e súmulas vinculantes são alguns dos mecanismos pelos quais se tenta uma “padronização” das interpretações.
Presidente da República, legisladores e juízes são todos intérpretes da lei. E é dito que, no direito, tudo se interpreta, até o silêncio.
É muito comum ouvirmos a expressão “quem cala consente!”. No direito, na interpretação do silêncio, isso pode ser verdadeiro, ou não.
O Código Civil afirma que “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.2
Exemplo: uma pessoa pode fazer doação a outra, e estipular um prazo para que o beneficiado declare se aceita ou não. Se o donatário nada manifestar no prazo, será válida a doação. Aqui, quem cala diz “sim”!
Em outra situação, se a alguém, acusado de praticar crime, for perguntado pelo juiz se este é o autor do ato, ele poderá se valer do direito de permanecer calado. O juiz não poderá condená-lo pelo silêncio, já que isso é um direito do acusado, e deverá julgar de acordo com as provas do processo. Nesse caso, quem cala não diz nada!
Reprodução/Foto-RN176 Jorgo Kuranaka Procurador do Estado mestre em direito. É vice-coordenador da Coordenadoria Norte-Oeste Paulista (CNOP) e consultor do Departamento de Juristas da BSGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI – Foto: Viváglio Kawano
Por último, na celebração de casamento, a autoridade celebrante deve perguntar aos noivos se é de livre e espontânea vontade que estão contraindo matrimônio. A resposta deverá ser verbalizada com o clássico “sim” ou manifestada de outra forma bastante clara se a pessoa tiver alguma deficiência de fala. Se não ocorrer a manifestação expressa, o casamento não será concretizado. Aqui, quem cala diz “não”!
Na Soka Gakkai, aprendemos sobre o budismo por meio das profundas explanações do Dr. Daisaku Ikeda. Em certa ocasião, o presidente da SGI disse: “O importante é o estudo do budismo de ação. A interpretação literária e análise das palavras é também importante, mas não é só isso (…).3
Em seu diário, o jovem Daisaku Ikeda registrou, em fevereiro de 1951, como sua vida foi tocada pela interpretação e explanação de uma escritura budista feita por seu mestre, Josei Toda: “(…) Recebi explanação de um escrito. Ouço sobre a essência de Daishonin. Quero ter capacidade. Quero força. Quero me tornar inteligente e perspicaz”.4
Notas:
- Em números do ano de 2020. https://www.google.com/searchq=cnj+quantidade+de+processos+na+justi%C3%A7a+brasileira&oq=cnj+quantidade+de+processos+na+justi%C3%A7a+brasileira&aqs=chrome..69i57j0i546l4.13551j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8
- Artigo 111, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
- Brasil Seikyo, ed. 2.031, 17 abr. 2010, p. A5.
- Idem, ed. 2.094, 6 ago. 2011, p. B2.
Ilustração: GETTY IMAGES
Foto: Viváglio Kawano