BBC BRASIL.COM E ROTANEWS176 17/05/2017 06h58
LAVA JATO
Se ficar comprovado que o presidente Michel Temer incentivou um dos donos da JBS, Joesley Batista, a comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha na prisão, esse fato configuraria crime de responsabilidade, abrindo caminho para um impeachment.
Reprodução/Foto-RN176 Caso Temer caia, eleição direta pode ser antecipada, avalia constitucionalista Foto: Pr / BBCBrasil.com
Essa é a avaliação do constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito SP, ao analisar as acusações noticiadas nesta quinta-feira pelo jornal O Globo – segundo reportagem publicada no blog do jornalista Lauro Jardim, no site da publicação, Batista gravou uma conversa em que Temer recomenda que ele mantenha pagamentos a Cunha, que está preso pela operação Lava Jato em Curitiba.
“Desde que comprovado, esse ato pode ser configurado como uma interferência no Poder Judiciário, que seria crime de responsabilidade”, disse Vilhena em entrevista à BBC Brasil.
O jurista também considera que os fatos narrados pelo jornal O Globo, caso confirmados, podem ter impacto político na ação que está pronta para ser julgada no Tribunal Superior Eleitoral contra a eleição da chapa presidencial formada por Dilma Rousseff e Temer em 2014.
O julgamento – que vai analisar se a campanha cometeu ilegalidades como uso de caixa 2 e de recursos desviados pela Petrobras – está marcado para ser retomado no início de junho.
Embora juridicamente não haja relação entre eventual interferência na operação Lava Jato e a eleição de 2014, Vilhena vê uma possível influência política na decisão do TSE.
“O TSE tem que tomar a decisão se a eleição da Dilma e do Temer foi válida ou não. Ele pode perceber que a crise favorece essa decisão (de considerar a eleição ilegal). Esse é o problema, o peso político que o TSE vai levar em consideração para tomar essa decisão”, explicou.
Reprodução/Foto-RN176 Para Vilhena, confiança no Congresso está muito baixa para vianilizar eventual eleição indireta Foto: Divulgação/FGV Direito SP / BBCBrasil.com
Na sua avaliação, uma saída de Temer, seja por renúncia, impeachment ou cassação no TSE, pode levar a realização de eleição direta antecipada para presidente, por meio da aprovação de uma emenda Constitucional pelo Congresso.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
BBC Brasil – Se houver uma renúncia de Michel Temer, como já passou mais da metade do mandato presidencial, a Constituição determina que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assuma a Presidência e convoque eleições indiretas para presidente e vice-presidente em 30 dias. Quem poderia concorrer nesse caso?
Oscar Vilhena Vieira – Qualquer cidadão pode se candidatar. Esse é o caminho que está traçado pela Constituição. Isso nunca ocorreu, nunca foi testado, então todo o procedimento vai ter que ser conduzido pelo presidente da Câmara e, claramente, com monitoramento do Supremo Tribunal Federal, que vai ser convocado a interferir e normalmente decide.
BBC Brasil – E poderia ser uma pessoa sem partido?
Vilhena – Olha, a princípio sim, pois você não tem nenhuma regulação que impede uma candidatura independente. É uma eleição que se dá entre as pessoas que tenham seus direitos políticos em vigor e que tenha as condições exigidas para o cargo: ter mais de 35 anos e ser nacional (brasileiro).
BBC Brasil – No caso de ele não renunciar, poderia haver um impeachment, que é um processo lento?
Vilhena – Sim, no caso de não haver uma renúncia, se esse ato for comprovado, ao meu ver, ele pode tanto ser configurável como crime de responsabilidade quanto como crime comum.
Você tem que ter então autorização da Câmara tanto para o presidente ser processado pelo Senado no caso de crime de responsabilidade, ou ser processado pelo Supremo em caso de crime comum. É um caminho.
BBC Brasil – Quais seriam os crimes de responsabilidade e comum?
Vilhena – Desde que comprovado, esse ato pode ser configurado como tentativa de obstrução de Justiça, que seria crime comum, e como uma interferência no Poder Judiciário, que seria crime de responsabilidade.
Não temos muita informação, mas, claramente, se esse ato for comprovado, configura crime de responsabilidade, sem dúvida nenhuma.
BBC Brasil – Por interferir em outro Poder?
Vilhena – Isso. A obstrução de Justiça, você e eu podemos fazer, por isso é um crime comum. Agora, o presidente que interfere em outro Poder, eu e você não teríamos como cometer esse ato. Essa seria a distinção.
BBC Brasil – Parece que a gravação foi feita com a ciência da PGR. Nesse caso teria que ter autorização do ministro do STF Edson Fachin para gravar uma conversa com o Presidente da República?
Vilhena – Se a gravação foi feita oficialmente (pela PGR), sem dúvida nenhuma seria necessária uma autorização do juízo que tem competência, e o juízo que tem competência (sobre o presidente Temer) é o Supremo Tribunal Federal.
Reprodução/Foto-RN176 Gravação oficial de Temer demandaria autorização do STF Foto: Pr / BBCBrasil.com
BBC Brasil – Agora, se o Batista gravou sem orientação da PGR, por ideia dele, aí a prova pode ser legal mesmo se ele gravou sem autorização do STF?
Vilhena – Sim, pois nesse caso ele gravou sua própria conversa.
BBC Brasil – Pode haver uma polêmica sobre se ele induziu o Temer a cometer crime, isso poderia ser questionado?
Vilhena – Sim, tudo isso é objeto que a defesa pode levantar. Mas a questão importante agora é se a prova foi obtida de maneira legal ou não.
BBC Brasil – Qual poderia ser o impacto dessas revelações na ação que está para ser julgada no TSE e pode cassar Temer?
Vilhena – O Tribunal Superior Eleitoral não tem jurisdição sobre esse tema. Uma coisa não tem nada a ver com a outra do ponto de vista jurídico.
Mas, se a crise política se agravar, evidente que isso pode impactar o modo como o TSE vai decidir. Mas aí é uma contaminação política da decisão.
BBC Brasil – Ou seja, embora as revelações da delação da JBS não tenham qualquer relação com a eleição de 2014, elas podem enfraquecer muito Temer e levar o TSE a achar que é melhor cassá-lo?
Vilhena – O TSE tem que tomar a decisão se a eleição da Dilma e do Temer foi válida ou não. Ele pode perceber que a crise favorece essa decisão (de considerar a eleição ilegal). Esse é o problema, o peso político que o TSE vai levar em consideração para tomar essa decisão.
Reprodução/Foto-RN176 Eventual saída de Temer colocaria Congresso em posição central Foto: Ag. Câmara / BBCBrasil.com
BBC Brasil – Por que se Temer estiver, ao contrário, fortalecido, aumentariam as chances de os ministros avaliarem com mais cautela a cassação?
Vilhena – Isso, porque é uma crise política e econômica que certamente pesa sobre os juízes no momento em que eles tomam a decisão.
BBC Brasil – No caso do TSE cassar Temer, sabemos que há uma ação pronta para ser julgada no STF que poderia levar à convocação de eleição direta, sob o argumento de que, se eleição de 2014 foi ilegal, ela teria que ser refeita. No caso de renúncia ou impeachment, o Congresso poderia aprovar uma emenda constitucional para realizar eleição direta?
Oscar Vilhena – Sim, sem dúvida nenhuma. Veja você tem um caminho que está estabelecido jurídico (na Constituição para eleição indireta).
Agora, evidentemente que o país está numa crise política muito aguda e o Congresso Nacional não tem sido objeto de nenhuma confiança por parte da população.
Os padrões de confiança do Congresso são muito baixos. Então, eu não tiro do cenário que a pressão popular seja feita para que uma emenda das (eleições) diretas seja colocada.
BBC Brasil – Proposta de Emenda Constitucional tem um trâmite mais lento. O senhor acha que em condições excepcionais dá para agilizar?
Oscar Vilhena – Pode ser demorado, mas pode ser rápido. No caso de haver uma vacância, eu não retiraria do tabuleiro a possibilidade da sociedade demandar uma eleição direta, a antecipação da eleição presidencial (prevista para 2018).
BBC Brasil – Se for confirmado que ele incentivou que os donos da JBS comprassem o silêncio de Cunha, o senhor acha que isso seria suficiente para ele sair?
Oscar Vilhena – A informação precisa ser checada, avaliada. Evidente que os jornalistas checaram, mas é um fato político que se colocou. Esse fato político precisa ser comprovado para que ele possa ter seu desenrolar jurídico.