Seja feliz sendo você mesmo

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO 15/08/2020  05:02

CONHEÇA O BUDISMO

REDAÇÃO

O princípio budista de “atingir o estado de buda na forma que se apresenta” não é conto de fadas, mas sim a afirmação de que é possível se tornar feliz hoje

Reprodução/Foto-RN176 Foto de desenho de ilustrativo Editora Brasil Seikyo – BSGI

O rato inconformado

Era uma vez um rato que sofria muito por ser perseguido por um gato. Passava dia e noite escondido, com receio de ser visto e, consequentemente, perseguido pelo opressor. Certo dia, o rato ouviu falar de um mago que vivia nas montanhas e foi até lá tentar resolver sua situação. Ao encontrar o Mago da Montanha, o rato relatou:

— Peço, por favor, que me ajude. Sou muito pequeno e frágil, por isso sempre perseguido pelo gato. Se o senhor pudesse me transformar num gato, meus problemas estariam resolvidos.

Prontamente o mago o transformou num gato e, assim, o animal saiu todo seguro de si rumo à sua casa na floresta. No caminho, deparou-se com um cachorro, que correu atrás dele por horas e horas. Então, o rato-gato correu para as montanhas e pediu nova ajuda ao mago.

— Você aqui novamente? O que deseja agora?

— Por favor, peço novamente que me ajude. Ser gato não me livrou de ser perseguido por um cachorro. Solicito que me transforme num cão, pois assim meus problemas estarão resolvidos.

Rapidamente o mago transformou o gato, que era rato, agora num cachorro. Dessa forma, o animal desceu as montanhas rumo à floresta se achando o maioral. Mas, no caminho, encontrou um bravo leão. Observando sua força e imponência, pensou:

— Nossa! Se eu fosse tão grande como esse leão, seria realmente feliz!

Antes que o leão notasse sua presença, o novo cão correu agilmente montanha acima e, ofegante, abordou o mágico:

— Preciso de sua ajuda, só mais uma vez! Quero que me transforme num leão, pois tenho certeza de que no dia em que eu for um leão meus problemas estarão resolvidos.

Desconfiado, o Mago da Montanha atendeu ao pedido, porém, discretamente, seguiu o animal em seu caminho de volta. Ao entrar na mata, o leão percebeu uma presença estranha. Era um caçador famoso na região por matar leões. O mago leu sua mente quando ele pensou “Vou pedir para que me transforme num caçador, pois se eu for como ele meus problemas…”.

E antes que o rato-gato-cachorro-leão concluísse seu pensamento, o mago o transformou… num rato!

— Por que você fez isso? — perguntou o rato.

— Porque lhe falta coragem para fazer a mais difícil transformação, a interior! Não adianta mudar por fora se por dentro você permanece fraco e medroso. Quando manifestar essa característica, você se tornará verdadeiramente feliz e seus problemas enfim serão mais facilmente resolvidos.

(Adaptado de contos populares)

Direto ao ponto

Entre tantos assuntos, esse conto ressalta a importância de focar na transformação interior, para se tornar uma pessoa forte e com coragem para enfrentar as questões do dia a dia. Relacionando esse ponto com o budismo de Nichiren Daishonin, percebe-se uma similaridade com o princípio básico “atingir o estado de buda na forma que se apresenta” (sokushin jobutsu). Um ensinamento revolucionário que também pode ser explicado como alcançar a vitória total na vida com o corpo de um “mortal comum”.1

A expressão foi inicialmente formulada pela escola Tiantai, na China, que tomou como base o Sutra do Lótus. Esse sutra, diferentemente dos demais da época, defende a ideia de que é possível alcançar a felicidade na presente existência, independentemente da forma física ou da situação em que se vive. Ele eliminava a ideia dos sutras anteriores ao Sutra do Lótus de que, para atingir o estado de buda, era necessário descartar o corpo de mortal comum, a origem dos desejos mundanos e das ilusões.

Reunindo sua máxima compreensão da vida, com base no Sutra do Lótus, Nichiren Daishonin revela que é desnecessário abrir mão de si mesmo e negar a própria natureza. Ele enfatiza o ponto essencial de fortalecer a fé para manifestar a verdadeira condição de buda, diante de qualquer realidade da vida — uma conquista possível com a recitação do daimoku (Nam-myoho-renge-kyo). Ele afirma: “As práticas de Shakyamuni e as virtudes que ele consequentemente adquiriu estão todas contidas nos cinco ideogramas do Myoho-renge-kyo. Se acreditarmos nesses cinco ideogramas, naturalmente receberemos os mesmos benefícios obtidos por ele”.2

A menina-dragão

É possível compreender esse princípio básico observando o exemplo mitológico da filha de Sagara, o rei dragão.3 Em determinado trecho do Sutra do Lótus, Shakyamuni conclui, em seu diálogo com o bodisatva Sabedoria Acumulada, a profecia sobre a iluminação de Devadatta.4 O Buda, então, lhe apresenta um bodisatva chamado Manjushri, que foi até o palácio do rei dragão, no fundo do mar, pregar o budismo. Lá, Manjushri converteu inumeráveis seres, entre eles a menina-dragão de 8 anos, filha de Sagara. A questão é que Sabedoria Acumulada não compreendia a profundidade do Sutra do Lótus, mas quando ele esboça manifestar sua descrença neste ensinamento, repentinamente a menina-dragão surge.

Após saudar o Buda, ela declara: “Todos podem me ridicularizar. Mas isso não me preo­cupa. O Buda conhece a verdade. Vou me dedicar a ajudar as pessoas a se tornar felizes por meio da força da Lei Mística que me salvou”.

Os seguidores de Shakyamuni continuam a duvidar, entre eles, Shariputra, que inclusive a critica e afirma que aquilo é impossível, pelo fato de ela ser mulher. Diante de tal situação, a filha de Sagara aconselha Shariputra e Sabedoria Acumulada que utilizem seus poderes e a observem. Assim, ela manifesta as características de um buda e propaga a Lei Mística para todas as pessoas, comprovando sua iluminação.

Essa passagem de imensurável significado demonstra dois aspectos: primeiro, que as pessoas ainda limitam o poder da Lei Mística; segundo, que todos podem atingir o estado de buda, independentemente da condição em que se apresentam. É um contraste com os sutras provisórios, que afirmam que as mulheres só poderiam manifestar a condição de buda se renascessem como homens ou, ainda, que é necessário se adequar a uma condição específica para isso. A diversidade contida neste conceito pode ser relacionada ao princípio de “cerejeira, ameixeira, pessegueiro e damasqueiro”— diferentes árvores, diferentes flores, diferentes frutos, porém todos, com suas características físicas, embelezam o mundo e oferecem frutos com sabores singulares. Assim também acontece com os seres humanos — podemos polir nossa individualidade e fazer brilhar o que temos de melhor.

Exercício para manifestar a condição de buda

Em termos práticos, como uma pessoa comum pode atingir o estado de buda? O presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, em um de seus discursos, responde essa questão citando um trecho dos escritos de Nichiren Daishonin:

Em Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente, o buda Nichiren Daishonin diz claramente: “Neste momento em que Nichiren e seus seguidores visitam santuários com objetivos bem-definidos, leem o Sutra do Lótus com uma vibrante voz e recitam fervorosamente o Nam-myoho-renge-kyo, atingirão o estado de buda imediatamente, na forma como são; este é o poder da sublime e constante luz do daimoku”. A luz do daimoku é a causa fundamental do revivescer que faz resplandecer a vida de todas as pessoas, protegendo-as agora e sempre.5

É aqui e agora

O princípio básico de “atingir o estado de buda na forma que se apresenta” é o ensinamento do respeito pela identidade de buda do outro e que reafirma a necessidade de realizar uma prática tal para evidenciar essa elevada condição de vida. É olhar para as pessoas sem jamais duvidar da sua capacidade e incentivá-las a vencer, sem limitá-las, por exemplo, por suas características físicas, psicológicas, pela condição financeira ou pelo local em que mora. Não há distinção no budismo praticado na Soka Gakkai — atingimos imediatamente essa vasta condição de vida do estado de buda — exatamente agora, da forma como somos e no local em que estamos.

Nichiren Daishonin elucida que o único meio para ativar a natureza de buda, em que se enxerga e valoriza essa grandiosa condição em si e nos outros, é a recitação constante e sincera do Nam-myoho-renge-kyo e na atitude de abraçar o Gohonzon6 com fé. Ao permear a vida com a sabedoria do daimoku, percebe-se, portanto, que a felicidade não deve ser vista como algo distante, fora de nós, e a ser conquistado num futuro longínquo. Esse é um valioso ensinamento que nos faz manifestar a coragem e a capacidade para transformar uma difícil realidade numa vida de plena felicidade. Cada um cresce e se eleva do jeito que é.

Notas:

  1. Mortal comum: Refere-se à pessoa que desconhece os ensinamentos budistas, inclusive sua condição de buda, permitindo-se ser dominada pela ilusão fundamental da vida.
  2. CEND, v. I, p. 383
  3. História mencionada no 12º capítulo “Devadatta”, do Sutra do Lótus.
  4. Devadatta: Um dos seguidores do buda Shakyamuni. Invejoso, Devadatta tentou roubar o lugar do seu mestre, inclusive atentando algumas vezes contra a vida dele. O propósito de citá-lo no contexto deste ensinamento é exemplificar que todas as pessoas podem atingir a iluminação, independentemente da índole — além da questão física abordada nesta matéria.
  5. Brasil Seikyo, ed. 2.131, 12 maio 2012.
  6. Gohonzon: Supremo objeto de devoção utilizado para a realização da prática budista. A palavra go é um prefixo honorífico e honzon significa objeto de respeito ou devoção fundamental.

Fontes:

Perguntas e Respostas sobre Abraçar o Sutra do Lótus. CEND, v. I, p. 57-69.

Diálogo entre um Venerável e um Homem Não Iluminado. CEND, v. I, p. 102-146.

O Daimoku do Sutra do Lótus. CEND, v. I, p. 147-161.

O Inferno é a Terra da Luz Tranquila. CEND, v. I, p. 477-480.

Brasil Seikyo, ed. 1.966, 6 dez. 2008.

Brasil Seikyo, ed. 1.978, 14 mar. 2009.

Brasil Seikyo, ed. 1.979, 21 mar. 2009.

Brasil Seikyo, ed. 1.980, 28 mar. 2009.

Terceira Civilização, ed. 525, 12 maio 2012.

Leia mais no BS+

sobre “atingir o estado de buda na forma que se apresenta”:

Brasil Seikyo, edições 1.978 (14 mar. 2009.) a 1.985 (2 maio 2009).

Terceira Civilização, ed. 517, 17 set. 2011.