ROTANEWS176 E POR DW 11/06/2023 05h55
Pesquisadores tentam entender por que orcas têm atacado – e às vezes naufragado – embarcações no Estreito de Gibraltar e no MediterrâneoA princípio era só uma orca solitária que saltava da água e mergulhava entre os dois cascos do catamarã de 14 metros de comprimento. “Hoje a gente acha que era como se fosse um batedor”, conta Amy, uma das quatro tripulantes de um barco que cruzava o Estreito de Gibraltar a caminho da Grécia.
Reprodução/Foto-RN176 Orca, popularmente conhecida como “baleia assassina”; animais estão presentes em quase todos os mares ao redor do mundo Foto: DW / Deutsche Welle
A orca voltou poucos minutos depois, desta vez acompanhada. A partir daí, o grupo – cinco ou seis animais – passou a investir contra o barco.
“Não tive medo”, continua Amy. Ela, naquele momento, desconhecia os relatos sobre as centenas de incidentes semelhantes – em alguns poucos casos, as colisões repetitivas danificaram os barcos de tal forma que eles afundaram; até hoje, ninguém foi ferido no processo.
Desde julho de 2020, velejadores no Estreito de Gibraltar e ao longo da costa atlântica ibérica vêm relatando ataques de orcas a seus barcos. Esse comportamento, até então incomum, foi inicialmente observado em apenas dois ou três animais – agora seriam pelo menos 16 espécimes que parecem gostar das colisões, de morder as pás do leme e de brincar com as embarcações como se fossem bolas.
Também chamadas incorretamente de “baleias assassinas”, orcas na verdade pertencem à família dos golfinhos. Com expectativa de vida similar à de humanos, elas mantêm laços sociais estreitos com seus parentes durante toda a sua existência.
Seja nas águas geladas da Antártida ou nos trópicos, no litoral ou em alto-mar, as diferentes subpopulações de orcas podem ser encontradas em quase todos os lugares – cada uma delas, segundo pesquisadores, com preferências alimentares, idiomas e comportamentos próprios, desenvolvidos ao longo do tempo. Até agora, apenas as orcas ibéricas desenvolveram uma preferência por colidir com barcos.
Voltando à história de Amy: a investida das orcas durou 20 minutos, ao longo dos quais a tripulação viveu uma montanha-russa emocional. O fascínio pelos animais, sua força e aparência, se alternava com os sentimentos de confusão e apreensão sobre o estado do catamarã após a pancadaria – até que o grupo se afastou.
Por que orcas colidem com barcos?
Amy diz que em momento nenhum teve a sensação de que estivessem sendo atacados. Pelo contrário: era como um jogo.
Para a bióloga Monika Wieland Shields, essa é a explicação mais provável para o comportamento dos mamíferos.
“Se elas realmente estivessem atacando propositadamente, o dano seria muito maior”, diz a pesquisadora de comportamento e diretora do Orca Behaviour Institute, uma organização científica que estuda o comportamento de duas populações de orcas na costa do estado de Washington, nos Estados Unidos.
Apesar disso, a hipótese de que os animais estejam buscando vingança por injustiças sofridas também é discutida entre cientistas. Orcas frequentemente foram feridas por arpões e outros encontros com seres humanos no passado. Há um intenso tráfego de navios no Estreito de Gibraltar, e o barulho pode afetar os animais. Além disso, as orcas ibéricas competem com os seres humanos por atum, base da sua dieta. Mas até agora nada disso havia levado esses seres a confrontar pessoas.
Na década de 1960 e 1970, filhotes de orcas foram capturados na costa de Washington, na costa leste dos EUA, e retirados da água à vista de suas mães, conta Shields. “Se algo pudesse desencadear uma reação agressiva, eu esperaria que fosse uma situação como essa”, diz a bióloga. Contudo, ela relata que, naquela época, até mesmo mergulhadores teriam sido poupados pelos animais – o que não quer dizer que a teoria da vingança como explicação para o episódio vivenciado por Amy possa ser completamente descartada. Mas faltam provas.
A explicação de Shields e de outros especialistas para o comportamento das orcas está fundamentada em uma observação que pesquisadores de comportamento fazem há décadas: esses animais têm um negócio com tendências.
Um exemplo: nos anos 1980, uma orca na costa de Washington começou a carregar um salmão morto na cabeça. Não demorou muito para que outros animais aderissem ao “chapéu”. O entusiasmo pela “moda” foi diminuindo ao longo do ano seguinte até desaparecer completamente.
Boias ou armadilhas para caranguejos deixadas por pescadores são frequentemente usadas como brinquedos pelos animais. Muitas orcas participam de atividades assim por um tempo, até que o interesse por afundar boias diminua. “São principalmente orcas jovens que agem assim”, diz Shields.
É o comportamento típico dos adolescentes, e que poderia se aplicar às orcas também: curiosidade, abertura a novos experimentos e uma certa ousadia que às vezes vai longe demais.
Shields ressalta que a suposição de que alguns comportamentos são exclusivamente humanos já se mostrou frequentemente incorreta no passado.
“Por muito tempo pensamos que só os humanos usavam ferramentas, ou que a cultura era algo exclusivamente humano. Quanto mais estudamos outras espécies, mais temos que abandonar essas suposições”, argumenta a bióloga, que não acha descabido comparar jovens orcas a jovens humanos.
Por que as orcas se tornam agressivas?
“Os cérebros das orcas são capazes de emoções altamente complexas”, explica. Curiosidade, alegria, instinto de brincadeira fazem parte de seu espectro emocional assim como frustração, medo ou raiva – esta última é observada principalmente em orcas mantidas em cativeiro.
Embora não haja registros de ataques fatais de orcas selvagens a humanos, a coisa muda de figura quando se fala de animais capturados: em parques como o Sea World, a lista de mortos e feridos é longa.
Shields diz que o comportamento das orcas em cativeiro também é um sinal do quão complexas são as suas personalidades: enquanto a tolerância de alguns animais é alta, outros têm dificuldade em se adaptar aos treinamentos diários e à vida em tanques de concreto.
Para a bióloga, está claro que “circunstâncias drásticas o suficiente podem provocar um comportamento anormal” como o testemunhado por Amy. Mas acabar com os barcos e suas tripulações, sustenta, seria moleza para as orcas ibéricas se esse realmente fosse o objetivo delas.
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