Tatuagens no Japão: porque elas são tão ligadas à Yakuza?

ROTANEWS176 E POR BBC NEWS BRASIL 22/09/2019 11h06                                                                                  Por Kameron Virk – Repórter do programa Newsbeat, da BBC

A arte corporal ainda é um tabu no país asiático por ser vista por muitos como ligada ao crime organizado — neste mês, torcedores de rúgbi que foram à Copa Mundial no país foram orientados a cobrir suas tatuagens.

Não é possível que, em 2019, aquela tatuagem de bichinho no seu calcanhar seja vista em algum lugar como um sinal de que você tem algum tipo de ligação com gangues ou com o crime organizado, certo? Errado.

Reprodução/Foto-RN176 Homem tatuado Foto: anton kusters / BBC News Brasil

Torcedores e jogadores de rúgbi que viajaram para o Japão para a Copa Mundial receberam a orientações de cobrir suas tatuagens para evitar ofender algumas pessoas no país.

Isso por causa da associação que há entre tatuagens e a Yakuza — organização criminosa que opera no Japão há centenas de anos.

“Algumas pessoas as veem como um mal necessário e outras pessoas as veem como um grupo que deveria desaparecer”, diz Anton Kusters.

Ele passou dois anos na Yakuza, entre 2009 em 2011.

“Foi, no mínimo, uma experiência muito interessante”, diz o artista visual ao programa Radio 1 Newsbeat.

O que é a yakuza?

Os membros da yakuza estão envolvidos em atividades criminosas como prostituição, jogo e extorsão.

“Eles cresceram a partir de um movimento underground de vendedores ambulantes e pessoas envolvidas com jogos de azar que começaram a se unir e a sentir que eram os guardiões do Japão tradicional e orgulhoso”, diz Anton.

E, embora se sintam tranquilos de extorquir políticos, empresários e empresas, alguns dos chefes mais antigos eram “realmente contra” coisas como o tráfico de drogas.

“Eles sempre tinham suas razões para fazer as coisas de uma certa maneira”.

Reprodução/Foto-RN176 Homem tatuado Foto: anton kusters / BBC News Brasil

A principal coisa que Anton aprendeu durante seu tempo com a yakuza foi que julgá-la não é tão simples quanto pode parecer.

“É complicado, eles fazem coisas boas, como depois do tsunami, eles foram as primeiras pessoas na cena ajudando. Mas, ao mesmo tempo, eles se envolvem em coisas ruins.”

Ele diz que é isso que dificulta a exclusão completa da yakuza da sociedade.

E as tatuagens?

“As tatuagens são cruciais para os membros da yakuza”, segundo Anton.

Mas elas não são usadas como marcadores para indicar que você faz parte de uma gangue, como em alguns lugares da América Central e do Norte.

São uma “representação muito pessoal” de uma cena da vida do membro da yakuza, ou algo importante para eles simbolicamente – que visa mostrar às pessoas os atributos pelos quais a pessoa é conhecida.

Elas podem cobrir quase todo o corpo, das costas às nádegas e a parte superior das pernas, bem como os braços – embora, devido ao estigma que as tatuagens mantêm na sociedade japonesa, muitas vezes vão apenas até o limite dos antebraços e das canelas.

“Meu contato direto na organização teve uma juventude difícil e ele superou uma grande adversidade. Então, ele tinha uma tatuagem de um peixe nadando rio acima, o que significa força de vontade e o poder de superar algo. É esse tipo de simbolismo que se vê.”

Anton diz que os membros da yakuza costumavam se reunir em casas de banho comunais, principalmente porque a falta de roupas permitia a membros de gangues rivais saber com quem estavam lidando a partir da arte em seu corpo.

“A outra razão de se encontrar em casas de banho é porque você vê que ninguém tem uma arma escondida, porque todos estão nus.”

Não é qualquer membro que pode ser tatuado

“Na verdade, é o mestre da tatuagem que decide se a pessoa merece uma tatuagem”, diz Anton.

Se o mestre decidir que você é digno, é um processo que pode levar até um ano para ser concluído, em sessões semanais, a um custo de cerca de £ 10.000 (cerca de R$ 50 mil).

Essa é uma das maneiras pelas quais a yakuza atrai membros mais jovens, de acordo com Anton.

Reprodução/Foto-RN176 A woman with a tattoo on this leg Foto: anton kusters / BBC News Brasil

“Os jovens de 17, 16 anos mais vulneráveis, aqueles que ficam soltos, perambulando pelas ruas, obviamente ficam muito atraídos pelo estilo de vida da yakuza, porque, de certa forma, parecem criminosos estilosos. Ter uma tatuagem obviamente está no topo da sua lista de desejos. E isso só acontece quando a yakuza diz ‘OK, nós pagaremos por isso e você pode nos paga trabalhando’. E é assim que você é sugado como membro.”

As tatuagens demoram tanto para serem concluídas e custam tanto porque ainda são feitas sem equipamentos elétricos.

“Eles usam uma vara de madeira fina com quatro agulhas na parte superior. Eles variam o ângulo, dependendo da quantidade de gordura na área do corpo.”

“Eles assinam suas tatuagens, mas assinam com o nome de seu mestre, então existe essa velha tradição que continua.”

‘Tem a ver com respeito’

Anton diz que os membros da yakuza mantêm suas tatuagens encobertas em público porque sabem que elas são malvistas.

“Eles é que provocaram isso, obviamente, porque começaram a se tatuar.”

Reprodução/Foto-RN176 Homem de terno Foto: anton kusters / BBC News Brasil

Mas ele acrescenta que os ocidentais que andam em público com mangas compridas não causam problemas desde que obedeçam às regras nas casas de banho comuns populares em todo o país.

“Historicamente, eles não ousavam dizer ‘não queremos que a yakuza tenha reuniões aqui e afugente os outros clientes’. Então eles diziam de uma maneira muito oblíqua ‘não permitimos tatuagens’, porque centenas de anos atrás apenas pessoas yakuza tinham tatuagens.”

O conselho para os turistas é usar uma camiseta em piscinas, como as equipes de rúgbi da Nova Zelândia e da Samoa estão fazendo.

“Cobrir sua tatuagem e mostrar a outras pessoas na piscina que você entende que isso pode ser algo ofensivo – e que você tomou medidas para cobri-la – mostra que você está ciente do ambiente e os respeita”, diz Anton.

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